Uma notícia do Económico dá conta das novidades dos fundos comunitários, no que diz respeito ao financiamento de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Uma das novidades, constante no Regulamento Específico do Domínio do Capital Humano, é a limitação do número de bolsas de pós-doutoramento a uma por cidadão. É uma regra absurda, justificada por argumentos absurdos. Se há pessoas que concorrem a mais do que uma bolsa de pós-doutoramento, isso não será certamente por opção masoquista, já que a condição de bolseiro tem enorme desvantagens face à de quem tenha um contrato de trabalho. Um bolseiro não é considerado um trabalhador e não está enquadrado pela legislação laboral, que por muito degradada que possa vir a ser, não se compara ao insustentável Estatuto do Bolseiro. Os bolseiros não tem direito ao regime geral de Segurança Social, mas sim ao Seguro Social Voluntário, o que significa descontos para a reforma pelo valor do Indexante de Apoios Sociais (419,22€), para efeitos de carreira contributiva é como se ganhassem menos do que o salário mínimo. Não têm direito a subsídio de desemprego e podem ser sumariamente despedidos por falta de um parecer favorável do seu supervisor para à renovação anual da sua bolsa. É a precaridade absoluta. Subsídios de Natal ou de férias, nunca os bolseiros tiveram direito.
Os contratos Investigador-FCT, que efectivamente asseguram um contrato de trabalho temporário (por cinco anos) são em número muito escasso (menos de 200 por ano) e as Universidades praticamente não contratam para os seus quadros. Se um investigador concorre a uma segunda bolsa de pós-doutoramento, é por falta de alternativas. O problema é a falta de emprego científico. Numa altura em que o governo anuncia uma medida de propaganda eleitoral que visa fazer regressar 40 emigrantes das várias centenas de milhares que saíram do país nos últimos três anos, este é mais um prego no caixão da ciência, que irá empurrar muitos investigadores para o estrangeiro ou para fora da ciência. E muitos investigadores em quem o país já muito investiu.
Na notícia do Económico, são citadas declarações inacreditáveis do secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Manuel Castro Almeida, que assina o regulamento publicado em Diário da República (porque é que este regulamento não é definido pelo Ministério da Ciência?), tais como:
"O objectivo é acabar com os formandos para a vida"
Casto de Almeida parece ignorar que um bolseiro de pós-doutoramento não é um formando. É um trabalhador científico, altamente qualificado, que tem uma situação laboral precária.
"Os planos de formação doutoral e pós-doutoral devem contemplar a aquisição de capacidades transversais, designadamente de empreendedorismo, que facilitem a transferência do conhecimento, tendo em vista a inserção socioprofissional dos formandos e a empregabilidade no sector produtivo"
"Capacidades transversais" é uma coisa que não significa nada e "empreendorismo" significa muito pouco. São mantras de um jargão da moda, ao estilo do famigerado "bate-punho" pupilo de Miguel Relvas. A um investigador pede-se que seja bom a fazer aquilo que faz, ou seja a obter novo conhecimento cientifico. O conhecimento, muitas vezes aparentemente sem valor comercial, pode vir a revelar-se de uma grande valia económica. Prova disso, é que os países mais ricos são os que mais investiram na ciência. Nomeadamente na ciência fundamental, a que procura obter conhecimento. Nem todos temos que ser empresários. Obter financiamento e meios para financiar a investigação, muitas vezes criando postos de trabalho qualificados, tem mais de empreendedor do que muitos empreendedores "bate-punhos", que gostam muito de usar expressões em inglês para dar um ar sofisticado à sua bulshit. Mas deve ser destes que Casto de Almeida gosta. Castro de Almeida fala ainda no "sector produtivo", deixando implícito que a investigação científica não serve para nada, e que é um favor que o país faz aos cientistas financiá-los para não produzirem nada, a não ser conhecimento.
"O número de doutorandos e pós-doutorandos provenientes ou formados nas próprias instituições, ou suas associadas, a financiar não pode exceder um terço do total dos doutorandos e pós-doutorandos admitidos, devendo os concursos respeitar plenamente regras de mérito e não-discriminação"
Esta ideia até tem alguma pertinência, atinge é o alvo errado. O problema da endogamia nas Universidades portuguesas é gravíssimo, mas centra-se em primeiro lugar nas contratações para o quadro. As universidades não se importam de ter bolseiros de doutoramento e pós-doutoramento a esfalfarem-se nos seus laboratórios, venham eles de onde vierem. Já para o quadro, é outra história. Aí, mais vale bêbado conhecido do que alcoólico anónimo. E é uma ideia em contraciclo com a actual política para as bolsas. A actual direcção da Fundação para a Ciência em Tecnologia, ao centrar a atribuição de bolsas de doutoramento nos programas doutorais, em que os candidatos são seleccionados por comités de cada instituição, está a fomentar a endogamia ao nível das bolsas de doutoramento. E, quando o actual presidente da FCT afirma que as bolsas de pós-doutoramento devem estar integradas em projectos de investigação, está a reforçar a cultura endogâmica, assente nas escolhas arbitrárias de pequenos comités locais. Portanto... tiro ao lado.
Falta cada vez menos para as próximas eleições legislativas e para o fim desta insanidade governativa em que nos encontramos. Infelizmente algumas das asneiras irão demorar mais a corrigir.
10 comentários:
Li a portaria a que o Económico se refere e fiquei com a ideia de que as regras eram para o finaciamento H2020 que virá para as CCDR, e que permitirá abrir concursos para bolsas. Não sei se percebi mal, mas não me pareceu que no próximo concurso de bolsas da FCT não fosse possível concorrer a 2º posdoc.
-mafalda
O que é '1 posdoc'? É um contrato? Se for renovado (como no caso do segundo triénio dos posdocs da FCT) já são 2?
Já estou farto deste choradinho. Quantos contratos iFCT são suficientes? 500? 1000? É até conseguir absorver toda a gente que queira? Acredito que me atirem com as percentagens de sucesso, mas acho que a história começa antes: vendem ilusões muito mais cedo, qualquer badameco faz um curso científico de exigência nula, tudo muito cabulado, cria-se uma massa de gente a quem foi vendido (literalmente) um canudo que segue encarneirada a via académica. E depois é preciso o Estado alimentar esta gente. Irra! É mais que natural que o outro mande bater punho, e olhem que há por aí muita gente a precisar: https://youtu.be/M_f6Txwc-kk?t=12m46s. Caro Norberto Pires, venha educar esta gente! https://youtu.be/naoyqTGJGrA
Há cerca de 22000 doutorados no País, dos quais cerca de 1000 estão na iniciativa privada, estando o restantes dependentes do estado....
Assim " ...não vamos lá...."
cumps
Rui Silva
Qual é a fonte dos seus dados? Especialmente no que se refere "...estando o[s] restantes dependentes do [E]stado" (21000 doutorados, pelas suas contas). E já agora - dado que conhece tão bem os dados - pergunto: e onde andam esses 21000 doutorados que vivem do Estado (recordo que segundo a FCT apenas existem 2722 Bolsas de Pós-Doutoramento em execução - pouco mais de 10% dos seus dependentes do Estado).
OCDE/UNESCO, citado pela FCT em 2013.
cumps
Rui Silva
Acho que é o resultado do estudo Careers of Doctorate Holders. Lembro-me que em 2012 foi preciso responder a um questionário da DGEEC a respeito. Não sei onde os resultados de 2012 foram publicados.
Eu encontrei os resultados de 2009 que diz que há 19000 doutorados em Portugal. Dado o ritmo de crescimento, 22000 em 2013 é um número bem plausível. Aqui vai o link:
http://www.dgeec.mec.pt/np4/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=282&fileName=Sum_rios_Estat_sticos__CDH09_Final_11072.xlsx
Pois, no entanto acontece o seguinte:
Entre 1960-2012:
23.537 doutorados (grande maioria a partir de 1980 em diante).
Dos quais, 977 em Empresas
Mas...16.842 na docência(certamente não a este grupo que designa por "dependentes do Estado", até porque o tema aqui refere-se aos bolseiros de postdoc.
Ou seja, estatisticamente, quase todos doutorados foram absorvidos pelo ensino superior. E os tais dependentes são na realidade uma minoria: menos de 10% do total de doutorados em Portugal. Portanto, não é por isso que "assim não vamos lá".
O que quer dizer que cada professor universitário tem em média cerca de 21 alunos por ano !
cumps
Rui
cumps
Rui
Faço fé no seu número de alunos de licenciatura (presumo que esteja a contar por igual tanto o público, como o privado). Mas naturalmente tem que acrescentar os alunos de mestrado, a orientação de mestrandos e doutorandos, as mil burocracias inventadas pela FCT, trabalho de investigação, conferências....perante tudo isto, 21 alunos de licenciatura, em média anual, é equilibrado ou até demasiado. Mas é por isto que as bolsas de pós-doc só podem ser atribuídas uma vez na vida, senão "isto assim não vai lá"?
Caro Luís,
Se quiser considerar o numero de mestrandos e doutorandos o rácio "alunos/ano", deverá descer, uma vez que estes, ao serem também professores dos mesmos alunos do professor doutorado, fazem baixar ( e não deverá ser pouco) o rácio que estamos a falar.
cumps
Rui
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