"(...) um dos piores males, e digamos o maior, é a ignorância; a completa, a perfeita, a absoluta ignorância.”O escritor era viajado, culto, conhecia o país, sabia do que falava e... falava.
Por isso, em 1928, por decreto governamental, foi um dos autores proibidos de entrar nas escolas portuguesas (Decreto n.º 15 941).
Efectivamente, ao tempo, o elogio rasgado das entidades responsáveis pela educação nacional era... o estado mínimo de conhecimento!
De modo algum isso constituía segredo de estado. Em documentos nomativo-legais está claramente explicado que:
"O ensino primário elementar trairia a sua missão se continuasse a sobrepor um estéril enciclopedismo racionalista, fatal para a saúde moral e física da criança, ao ideal prático e cristão de ensinar bem a ler escrever e contar e a exercer as suas virtudes morais e um vivo amor a Portugal" (Decreto-Lei n.º 27279)E para que alguém mais afoito, que manifestasse a veleidade de aprender mais do que esta conta, foi determinado:
"Que se afixem nas Escolas Primárias, Liceus, Bibliotecas, etc., quadros morais com frases como a seguinte: advogados sem causa, médicos sem clientela, arquitectos sem trabalhos, a vossa instrução nem sempre vos servirá para combater a adversidade, ao passo que um bom ofício salvou sempre o operário corajoso, permitindo-lhe afrontar a inclemência da sorte" (Decreto-Lei n.º 22040)Afastar o conhecimento tem sido, para nós, portugueses, uma tragédia. Tarde investimos na escolarização universal e além das dificuldades de concretizarmos esse objectivo, não deixámos que a escola cumprisse a sua mais nobre missão.
Podemo-nos indignar com os extractos acima reproduzidos, produtos duma ideologia política designada de direita, mas quando o regime se tornou democrático continuámos (e continuamos) a questionar a pertinência de ensinar Eça e outros clássicos, em favor de textos avulsos, comuns, do quotidiano e que são úteis para o quotidiano, para a vida, para a integração na comunidade local, para o mercado de trabalho...
O exemplo seguido é de Português, mas se nos deslocarmos para outras disciplinas a situação é exactamente a mesma.
A verdade é que não evoluímos o que devíamos ter evoluído, desde que, há um século, emergiu na sociedade a consciência do dever de educar todas as crianças, jovens e adultos, de os tornar cultos, livres... Mais parece que andamos perdidos num círculo, na ilusão de caminharmos em frente... num círculo onde mudará a forma das declarações mas não seu conteúdo.
Nota: Os extractos usados neste texto foram retirados do livro Educação, acto político, de Agostinho Reis Monteiro (Edições O professor), p.146-147.
3 comentários:
Cuidado, caríssima Professora Helena Damião. Muito cuidado.
Pelo caminho que as coisas levam, não faltará muito tempo para surgir algum decreto que proíba quaisquer pessoas de publicar textos como este seu.
Embora parte dos objetivos tenham já sido alcançados com a miséria de ensino que temos tido, mesmo em tempos da chamada democracia.
Para grande frustração de alguns, que não se calam.
Nem deixam de afirmar que sentem... vergonha. Para além da tristeza e da revolta.
"Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar."
Muito obrigado.
A educação tem sido apontada como uma das áreas onde muitas das grandes esperanças criadas pelo regime democrático foram goradas. O elevado insucesso e o abandono escolar,a que se juntou, mais recentemente, o desemprego de grande número de jovens licenciados, são hoje apresentados como provas dessa desilusão. Estamos portanto muito longe da utopia dos anos 60/70 em que se defendia que até o empregado de uma bomba de gasolina devia ser licenciado (hoje o exemplo seria a empregada de caixa de qualquer supermercado). A questão sobre como deverá a escola conciliar a preparação para o emprego e a formação de cidadãos cultos, apesar de ser discutida há séculos, mantém-se pois em aberto.
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