É certo que há problemas neste domínio, por exemplo de casos de bolseiros obrigados a dar aulas de graça, ou seja a quem poderia ser atribuído serviço docente sem qualquer remuneração. Mas como resposta a este problema, as alterações efectuadas são inadequadas. Porque uma coisa é os bolseiros serem obrigados a dar aulas de graça. Outra, é serem impedidos de darem aulas (até um certo limite de horas) sendo remunerados por isso (podendo haver uma redução do valor da bolsa nesse caso, o que também é discutível).
Se as aulas e a investigação são tão incompatíveis, se calhar deveríamos rever a profissão de professor universitário. Porque não impedir os professores universitários de darem aulas, já que também se espera que façam investigação?
Esta semana, o Público noticiou que o pagamento das bolsas de investigação estão em risco na Faculdade de Ciências por “atrasos sistemáticos” da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Mais uma notícia que mostra como os bolseiros são o elo mais fraco nas Universidades: contratos renovados a cada três meses? Por estas e por outras é que Portugal se arrisca a ser cada vez mais a ser Academia de Alcochete da ciência: forma talentos muito bons que vão a "custo zero" para o estrangeiro, onde atingem o auge da produtividade científica. Depois talvez voltem, por sentimentalismo, para acabarem a carreira.
É certo que se antevêem problemas em toda a Europa, com a redução do financiamento da ciência em nome da austeridade e da crise. Também esta semana tivemos a notícia de que 42 prémios Nobel alertaram a Europa para perigo dos cortes na ciência. Parece que a Europa se está a esquecer que desde o século XV, com os descobrimentos dos países ibéricos, que a base da hegemonia das nações assenta no conhecimento, na ciência e na técnica, que se refletem no poder militar, económico e cultural. Os países não têm ciência porque são desenvolvidos. São desenvolvidos porque têm ciência. A ciência não é uma despesa em que se têm que cortar para sair da crise, é um investimento que se tem que fazer para superar a crise.
O mercado dos cérebros, como mostra uma inquérito recente publicado na Nature é global e muito competitivo. Os cientistas tendem a seguir o dinheiro da investigação, apesar de factores culturais também contarem. A Índia é o maior exportador de cérebros mundial, com cerca de 40% dos seus cientistas a trabalharem em países estrangeiros. O Estados Unidos são, actualmente o maior destino de emigração dos cientistas. Mas pensa-se que em 2020 a China, a Índia e o Brazil sejam destinos muito importantes de acolhimento dos cientistas.
A concorrência é grande e há quem ponha muito dinheiro na ciência. A Arábia Saudita, que está por cima das maiores reservas mundiais de petróleo, fundou em 2009 uma universidade dedicada exclusivamente à investigação científica (apenas confere graus mestrados e doutoramentos) chamada King Abdullah University of Science and Technology (KAUST) que tem um orçamento superior ao do MIT. Com linhas de investigação fundamental e aplicadas, em disciplinas directamente relacionadas com factores de desenvolvimento locais, como por exemplo a resistência de cereais à água salgada. Se despejar dinheiro e contratar investigadores de topo pelo mundo inteiro numa espécie de Oasis intelectual resulta ou não, o tempo dirá.
Mas, mesmo sem o dinheiro do petróleo, países como o Brazil, Índia e China estão a apostar forte na ciência. Prevê-se que a produção científica da China ultrapasse a dos Estados Unidos, dentro de um ano.
E nós, como ficamos? A Europa tem que ter uma estratégia e uma aposta clara na ciência, se não quiser ser remetida para a irrelevância e o subdesenvolvimento. E Portugal, tem que ter igualmente uma estratégia e uma aposta clara nesse sentido. Sabendo que não podemos ser o Manchester United ou o Real Madrid, temos que ter equipa (cientistas) para passar a fase de grupos na liga dos campeões. Portugal tem que conseguir atrair e fixar bons cientistas. E criar carreiras atractivas, que não podem ser exageradamente baseadas em bolsas, com as condições actuais das bolsas. Afinal, no inquérito publicado pela Nature, a principal razão apontada pelos cientistas para emigrar é assegurar uma posição mais sénior.
2 comentários:
A KAUST resulta!!
Mas devemos ter em consideração o seguinte:
1 - A KAUST tem uma dimensão reduzida quando comparada, por exemplo com a Universidade de Lisboa. A KAUST tem ~130 professores. Logo em rankings em que a produção ou impacto não é per capita, a KAUST fica a perder. Por exemplo, no ranking the Xanghai os indicadores são absolutos, excepto um.
2 - A KAUST não tem undergraduates, logo não surge no Times Higher Education World University Rankings.
Mas aqui ficam algumas notícias:
https://www.timeshighereducation.com/news/asia-universities-summit-kaust-head-heralds-amazing-progress
Nature Index 2016: the 100 most-improved universities based on research quality
http://www.hok.com/design/type/science-technology/king-abdullah-university-of-science-and-technology/
Podem descobrir mais em:
https://www.youtube.com/watch?v=ULn-6gx1VSg
https://www.youtube.com/watch?v=Q8wK8UX02mE
No seguimento do que já tinha escrito, transcrevo as palavras do Jean-Lou Chameau, KAUST President:
"In the 2016/2017 QS World University Rankings released earlier this week, KAUST ranks #1 in Citations per Faculty. Other peer institutions in the top 10 include Princeton, UC Santa Barbara and MIT. In the 2016/2017 QS World University Rankings released earlier this week, KAUST ranks #1 in Citations per Faculty. Other peer institutions in the top 10 include Princeton, UC Santa Barbara and MIT."
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