terça-feira, 16 de outubro de 2012

PIPOCAS COM TELEMÓVEL: Cientistas espíritas


Vai sair na Gradiva dentro de dias o novo livro de David Marçal e Carlos Fiolhais "Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias de Falsa Ciência". Pré-publicamos aqui um breve extracto sobre "Cientistas espíritas":

“Um dos fenómenos mais curiosos da história da pseudociência foi o facto de grandes cientistas do sé culo XIX terem dado crédito ao espiritismo, isto é, à ideia de que existem espíritos (almas de pessoas mortas) com os quais se pode comunicar, espíritos esses que se manifestariam através de fenómenos como aparições fantasmagóricas, movimentos aparentemente inexplicáveis como a giração ou levitação de mesas, etc. Há no espiritismo um misto de religião, pois se acredita no transcendente e se pretende um aperfeiçoamento moral dos crentes, e de pseudociência, uma vez que se acredita em manifestações materiais desse transcendente e se procura provas para elas.

Para não ir mais atrás, o espiritismo tem as suas raízes em pessoas ligadas às ciências, como o matemático e astrólogo inglês John Dee (1527-1608), um contemporâneo do matemático português Pedro Nunes (1502-1578), e o filósofo natural sueco Emanuel Swedenborg (1575-1624). O primeiro acreditava que era possível comunicar com anjos recorrendo à intermediação de um médium, ao passo que o segundo tentou, através de estudos anatómicos, provar a existência da alma.

Mas o espiritismo só foi formalizado no século XIX, quando o francês Hippolyte Léon Rivail (1804-1869), mais conhecido pelo seu pseudónimo de Alan Kardec, escreveu livros sobre o tema, como O Livro dos Espíritos (1857) e O Livro dos Médiuns (1861), que ficaram como clássicos ainda hoje procurados. Rivail bacharelou-se em Ciências e Letras depois de ter estudado na escola de Pestalozzi, na Suíça. Como pedagogo, ensinou várias matérias de ciências. A certa altura ouviu falar de mesas pretensamente postas a girar por aquilo que se chamava magnetismo animal e começou a frequentar sessões espíritas. Sentiu-se capaz de comunicar com o além e foi assim que surgiu nele a persona lidade de Alan Kardec. Kardec seria a encarnação de um espírito. Sob esse nom de plume, codificou a doutrina espírita, acreditando que a causa dos movimentos que alguns crentes julgavam ver era a intervenção de espíritos. Dedicou o resto da sua vida à divulgação do espiritismo.

O espiritismo foi muito influenciado pelas ideias sobre o magnetismo animal, devidas ao médico alemão Franz Anton Mesmer (1734-1815), que desembocaram na moderna hipnose. Mesmer achava que era possível fazer curas através desse magnetismo, usando, além de imãs, barras de ferro, garrafas, água, etc. Apesar de todos os esforços propagandísticos, as principais sociedades médicas do seu tempo não validaram os seus métodos. Uma comissão de sábios nomeada pela Academia de Ciências de Paris, que incluía o químico francês Antoine-Laurent Lavoisier (1743-1794), o «pai» da química, e o físico norte-americano Benjamin Franklin (1705-1790), o inventor do pára-raios, concluiu que tudo não passava de auto-sugestão do próprio e dos intervenientes.

 No século XIX ficaram famosas algumas sessões de espiritismo, sessões em que se evocavam os espíritos, causando fenómenos que pareciam não ter uma causa natural. Para isso era preciso um ambiente de obscuridade, por exemplo, uma sala iluminada apenas por uma vela, com os participantes sentados em torno de uma mesa redonda, de mãos dadas. O contacto com o espírito de uma pessoa falecida era feito através de certos gestos e palavras ditas por um médium. Ele é que tinha poderes de comunicar com o «além». O espírito manifestava-se — quando o fazia, muitas vezes não aparecia— por qualquer coisa aparentemente anormal. Nas sessões espíritas havia (e há, porque ainda se fazem) uma situação de hipnose colectiva, um estado alterado de consciência, o transe, sem a qual não é possível a comunicação com o «outro mundo». Embora as religiões tradicionais falem de vida para além da morte, este tipo de práticas sempre foi mal visto e até condenado por instituições religiosas como, por exemplo, a Igreja Católica.

Grandes físicos tentaram investigar a autenticidade desses fenómenos, nalguns casos acreditando à partida na sua veracidade. Um dos nomes mais famosos foi o inglês William Crookes (1832-1919), um físico com formação de base em química, cujo nome está hoje associado a certas ampolas de produção de raios X (ampolas de Crookes) e a um instrumento curioso usado até para brincadeira no qual a luz origina movimento (radiómetro de Crookes). Ele tinha um nome científico alicerçado na identificação do elemento químico tálio, no reconhecimento químico do hélio, um elemento descoberto pela primeira vez no Sol, para além de outras observações espectroscópicas, isto é, de análise da luz proveniente da incandescência de vários elementos químicos. Crookes desfrutou em vida de grande prestígio, tendo presidido a várias sociedades científicas.

Segundo Crookes, havia qualquer coisa no espiritismo merecedora de estudos científicos. Tendo essa atitude favorável, investigou algumas sessões espíritas, o que não modificou a sua crença. Publicou relatórios sobre o assunto, nos quais admitia haver ali qualquer coisa que violava as leis naturais conhecidas. Contudo, apesar de acompanhado por alguns dos seus colegas, a maior parte dos membros da comunidade científica não o secundou nas suas conclusões, considerando que os fenómenos espíritas não passavam de uma fraude. Uma fraude bem urdida, mas uma fraude. Crookes receou pela sua posição na Royal Society, a proeminente sociedade científica britânica, e deixou de se pronunciar em público sobre esses assuntos controversos. No final da sua vida, repetiu as suas convicções favoráveis à realidade dos fenómenos físicos:

 "Nunca tive qualquer ocasião para modificar as minhas ideias sobre isso. Estou inteiramente satisfeito com o que disse de início. É absolutamente verdadeiro que uma conexão foi estabelecida entre este mundo e o outro."

Morreu sem abandonar esta crença.

Outro físico ilustre seduzido pelas ideias espíritas foi o inglês John William Strutt, mais conhecido pelo seu título de Lord Rayleigh (1842-1919), o descobridor do árgon que ajudou o desenvolvimento da termodinâmica, ou ciência do calor, para além de ter ajudado no progresso da mecânica dos fluidos e da acústica. A convite do seu amigo Crookes, Rayleigh participou numa sessão espírita com uma atitude aberta (essas sessões não permitem aliás a participação de quem tenha uma atitude fechada). Embora não tenha ido tão longe quanto o seu amigo, Rayleigh, que recebeu o Prémio Nobel no ano de 1904, tentou fazer pontes entre o materialismo e o espiritualismo, acreditando numa existência para além da vida.

Fora da ciência houve mais crentes no espiritismo que na ciência. Um nome famoso da literatura que acreditava piamente nos fenómenos espíritas é o do escritor inglês Arthur Conan Doyle (1859-1930), o autor dos livros muitos populares do dectective Sherlock Holmes, e de romances de ficção científica como O Mundo Perdido.

Houve também muitos cépticos. Curiosamente, um dos maiores cépticos do espiritismo foi, não um cientista, mas um ilusionista. Houdini é o nome artístico de Ehrich Weiss (1874-1926), nascido em Budapeste, Hungria, e falecido em Detroit, nos Estados Unidos, por muitos considerado um dos maiores mágicos de todos os tempos. Especializou-se em libertar-se de cadeias e algemas e em aguentar-se dentro de água. Fazia até as duas coisas ao mesmo tempo: libertar-se de algemas dentro de água. Morreu devido ao soco de um espectador, um boxeur amador, que o golpeou subitamente no abdómen nos bastidores de uma das suas sessões, causando-lhe uma hemorragia interna.

Ao contrário do que é costume entre os mágicos e ilusionistas, Houdini revelou muitos dos seus truques em vários livros da sua autoria. Eram, aliás, conhecimentos de ciência, em particular de física, que lhe permitiam criar a ilusão. O mágico envolveu-se em polémicas públicas com espiritualistas e charlatões, em particular Conan Doyle. Fez parte de um comité da revista Scientific American, ainda hoje a revista de divulgação científica de maior prestígio, que oferecia um prémio a quem conseguisse provar poderes sobrenaturais (nunca chegou a ser concedido). Foi, por isso, o antecessor de mágicos contemporâneos, como o canadiano Randall James Zwinge (n. 1928), de seu nome artístico James Randi, que, juntamente com cientistas, têm desmascarado todo o tipo de intrujões (...)”

David Marçal e Carlos Fiolhais

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Saber que a Ciência é desde sempre um tema muito apreciado, todos sabem-no. Porém, do contraste cognominar, detalhar e abordar o quê por falsa Ciência?! Conduz-nos a reflectir o quão necessário: determinação, conhecimento e comprometimento de criptério e distinção a lógica apurada. Então, quando do livro é facto entitular-se-á "obra" pesa-lhe do preparo! Generoso preparo: delineado, norteado, esmerado e, elaborado a par cientistas escritores, qual a Editora Gradiva oferecê-nos da oportunidade em lançá-lo; de compreender-mos Ciência a nem só. Então, por querer-mos, avaliar-mos e assimilar-mos do que tracta-se "Ciência" apontando-nos, da outra?! Sinceramente, tenho curiosidade. Assumo minha grata curiosidade ao que entendo da melhor escolha à quem busca e descreve-nos, através de exemplos históricos, momentos históricos; trazendo-nos e expondo homens que fizeram história! Fazendo-na através da Ciência que acolhera o valor ético. O actual é sempre úctil do valor e qualidade. Pois, comparando-os (cientistas) através das potencialidades, aproximá-nos deste reservado e selecto ímpeto, dígno da mais abrangente e firme perspectiva e que sagra de compreensão, o pensamento humano.

Parabéns ao escritores e a Editora.

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