Prezado Amigo:
Sinceramente. Nunca respondi a um comentário seu por nunca ter reparado, porventura erradamente, que me tenha dirigido algo que se parecesse com um argumento.
Disse-me que há "ciências" da educação boas e más. E eu concordo. Designadamente no estrangeiro. Mas nunca nunca me apercebi que algum desses bons "cientistas" da educação, que aparentemente deveria haver também entre nós, se tenha erguido contra as ideias e as políticas inqualificáveis impostas pelos colegas co-responsáveis pela hecatombe da educação. Ideias e políticas obscurantistas porque cegas aos resultados sempre piores, à degradação sempre crescente do ambiente nas escolas, à frustração e desmotivação dramática dos professores.
Penso muito mal da formação dos "cientistas" da educação portugueses? Penso sim, pois sei como foi, durante quanto tempo, e aonde foi formada a ninhada inicial. E penso ainda pior da sua reprodução. Fui conhecendo a cultura obscurantista de seita, o ambiente impositivo, dominantes nas escolas de formação de professores. No meu livro insiro uma carta de uma professora numa dessas instituições, que num iluminado (mas, infelizmente, oscilante) momento de libertação o refere. Aponte-me, meu Amigo, três ou quatro textos de referência reconhecidos publicados na área por algum dos nossos "cientistas" da educação. Mas, claro, mudar esta realidade está na mãos dos próprios, pois tudo depende da inteligência e da vontade dos homens.
Para terminar: apercebeu-se, seguramente, que escrevo a expressão "cientistas" da educação colocando sempre a palavra "cientistas" entre aspas. Faço-o porque não considero as "ciências" da educação ciência. Embora aceite que essa área de investigação - estudos sobre educação, era como devia ser designada - deve recorrer a algumas disciplinas às quais não me repugna que se chame científicas. Recurso que nas "ciências" da educação em Portugal me parece, aliás, quase sempre, pouco informado. Mas, pelo facto de, em rigor, não serem ciências, os bons estudos realizados nessa área não deixam, claro, de ser relevantes e úteis. Produzindo mesmo, de acordo com o seu objecto de estudo e no espaço e tempo de contextos e circunstâncias bem determinados, conhecimento porventura verificável e generalisável. Como seguramente saberá, o sucesso do método científico, os resultados verificavelmente universais da ciência, as surpreendentes realizações de descoberta do mundo e do cosmos e de auto-conhecimento humano que a ciência continua a permitir, fizeram com que muitas outras disciplinas procurassem, de algum modo, nos seus procedimentos de investigação, aproximarem-se desse método e desse modelo. Realidade de que as manifestações que conhecemos, teóricas e práticas, das "ciências" da educação em Portugal são, lamentável e tragicamente, o inverso.
E são ainda mais detestáveis por se servirem enganosamente dessa prestigiada designação para imporem aos incautos e inadvertidos ideias e práticas que são, elas próprias, precisamente, o exemplo expressivo do que a ciência não é. É claro que nem só a ciência tem valor e é relevante para a realização e o progresso humano. Há muitas outras realizações admiráveis do génio humano, e até mesmo a poesia e a arte podem ser vistas ou usadas também como geradoras de conhecimento.
Sabe, meu Amigo, o mundo, a história, a filosofia, estão cheios de todos os géneros de ideias, das mais admiráveis às mais sinistras, criminosas ou simplesmente tontas. Terrível é quando as peripécias da História, a realidade das culturas, as circunstâncias políticas ou, muito simplesmente, a ignorância, a indiferença, o interesse inadvertido, o ressentimento ou a distracção das pessoas as deixam chegar ao poder. Foi isso que aconteceu na nossa querida Terra. E o que era apenas tolice e acabaria por desaparecer como tal, tornou-se poder e crime, cujos efeitos agravaram medonhamente o mal de que já sofríamos e irão perdurar por muito tempo.
Guilherme Valente
6 comentários:
Subscrevo, admitindo embora que possa haver matérias cuja pesquisa mereça o estatuto de ciência(s) da educação. Mas, a pedagogia não se faz com fórmulas nem com algoritmos. Ou não se faz fundamentalmente com isso. E, se se fizer, então não se vislumbra (ainda) qualquer "Einstein" que nos ilumine...
E a "pessegada" que tem existido entre nós não só não merece o menor crédito (porque acerta menos e é ainda mais estúpida que a astrologia...), como deve ser firmemente denunciada e desmascarada.
Assim me pronuncio, em exercício (livre) do que entendo ser um dever de cidadania.
E na esperança de não ofender ninguém.
Termino com o meu agradecimento tão habitual quanto sentido à luta porfiada de Guilherme Valente.
Ensinar tem com certeza alguma coisa de arte e de técnica, mas também de ciência. Se aceitarmos isto, por Ciências da Educação devemos entender uma área multidisciplinar do conhecimento que tem como objecto de estudo fundamental o desenvolvimento de métodos e de ferramentas que possam melhorar o processo de ensino. É um campo relativamente recente e tem tido contributos de várias disciplinas, particularmente da Psicologia, da Pedagogia, da Didáctica, da Linguística, entre outras, e, cada vez mais, das Neurociências.
Por exemplo, julgo que através das Neurociências é hoje possível confirmar a conclusão de Vygotsky: “o único tipo correcto de pedagogia é aquele que segue em avanço relativamente ao desenvolvimento [da criança] e o guia”; que deve visar não tanto as funções maduras, mas as funções em vias de maturação”
Como acontece em qualquer outra ciência, nem a orientação da pesquisa nem as aplicações das Ciências da Educação são imunes aos interesses e aos jogos de poder entre pessoas e grupos. Por isso é necessário distinguir claramente as pesquisas sérias que têm sido feitas e os conhecimentos já consolidados nesta área, dos discursos dos que aparentemente falam em seu nome.
Caro Guilherme Valente
Agradeço o tempo que dispensou ao comentar o meu comentário, apesar de no mesmo não ter pedido qualquer resposta. De facto, no comentário que efetuei, limitei-me a constatar dois factos: a sua crítica feroz e continuada a tudo o que é pedagogia ou ciências da educação (pedindo-lhe uma atitude mais moderada de modo a que seja possível uma discussão construtiva sobre questões educativas); e o facto de eu, por várias vezes, ter colocado questões relativas a alguns textos que seguiam o mesmo diapasão dos seus, sobretudo da autoria de Carlos Fiolhais e de Jorge Buescu, e nunca algum se ter dignado responder às mesmas. Devo, no entanto, dar-lhe os parabéns por tomar uma atitude diferente dos citados, tentando, de um modo correto, apresentar argumentos defendendo a sua posição.
Relativamente ao que escreveu terei que efetuar alguns reparos, se me permite. No que concerne às ciências da educação, eu não faço qualquer tipo de distinção entre as nacionais e as estrangeiras. Sou um leitor assíduo de livros sobre educação e posso dizer-lhe que a nacionalidade dos seus autores nunca foi critério para mim. De facto, é interessante verificar que, seja qual for a realidade em que os mesmos viveram ou vivem, praticamente tudo se adapta perfeitamente à nossa realidade. E leio porque acredito que posso aprender não só com a minha experiência, mas também com aquela vivida por pessoas mais experientes que eu, sobretudo pelas que efetuaram experiências de foro pedagógico que obtiveram resultados interessantes sobre diversos aspetos. Como professor sou um profissional da educação, e não poderei ceder à arrogância de considerar que o meu senso comum, limitado à minha experiência pessoal, é suficiente para que eu seja o melhor profissional possível dentro da minha área.
Por outro lado, afirma: «nunca me apercebi que algum desses bons "cientistas" da educação, que aparentemente deveria haver também entre nós, se tenha erguido contra as ideias e as políticas inqualificáveis impostas pelos colegas co-responsáveis pela hecatombe da educação». Apesar de ser uma frase bastante categórica a mesma peca por ser pouco rigorosa. Qualquer medida de qualquer equipa ministerial da educação é automaticamente seguida de mensagens de crítica ou apoio por parte de todos aqueles que fazem parte do mundo educativo. Sempre assim foi, sempre assim será, e tal é perfeitamente natural. No entanto, peço-lhe que seja um pouco mais preciso sobre quais as «políticas inqualificáveis», e quais as «ideias e políticas obscurantistas porque cegas aos resultados sempre piores». Faço-lhe este pedido porque todas as equipas ministeriais levaram a cabo boas e más medidas. Mesmo aquelas equipas ministeriais que fizeram muita burrada, e eu sei do que falo porque senti os seus efeitos diretamente, também tomaram medidas acertadas. Acredito que não viva num mundo a preto e branco onde ou tudo é bom, ou tudo é mau. Para além disso, custa-me a crer que os “cientistas” que refere sejam responsáveis por todos os males que as nossas escolas vivem. De facto, pensando rapidamente em todas as equipas ministeriais da educação, são mais os indivíduos que entraram em tais equipas por questões de ordem política do que pelo seu conhecimento sobre educação. Aliás, em muitos casos era bastante constrangedor observar a ignorância que demonstravam sobre questões educativas, sobretudo as relacionadas com o ensino não superior.
Relativamente às suas palavras sobre uma suposta «ninhada inicial» de «“cientistas” da educação portugueses», devo dizer que não sei a quem se refere, nem quem são a «sua reprodução». No entanto, devo dizer-lhe que não me revejo na forma como se refere aos mesmos nesse parágrafo. Acredito que para haver diálogo entre opiniões antagónicas terá de haver correção na forma como nos referimos aos demais, pois a utilização de linguagem a roçar o insulto é claramente um entrave para uma exposição serena de argumentos. Para além disso, tal como afirmei no meu comentário, considero perigosa a generalização que faz no seu discurso sobre os cientistas da educação, tendo o Guilherme Valente especificado agora no seu texto que se refere aos portugueses. Pessoalmente sou crítico de toda e qualquer generalização que se faça pois a mesma é sempre injusta. Como exemplo deste facto poderei dar um pessoal: apesar de, indubitavelmente, os piores professores que tive terem sido os do ensino superior, nunca afirmaria que todos os professores do ensino superior são maus. Com uma afirmação idiota destas seria injusto com alguns dos meus professores, com muitos mais que não conheço diretamente e com outros dos quais nem tenho conhecimento da sua existência.
O facto de não considerar as «"ciências" da educação ciência» não é novidade para mim. Todo o seu discurso evidencia esse facto. Se se sente mais confortável em chamar-lhe «estudos sobre educação», tal não me faz qualquer diferença. Não vou perder tempo a discutir a semântica da palavra ciência, apesar de etimologicamente a mesma provir da palavra conhecimento e este se dever à investigação e ao estudo...
Por fim, o Guilherme Valente afirma que as «"ciências" da educação em Portugal» «são ainda mais detestáveis por se servirem enganosamente dessa prestigiada designação para imporem aos incautos e inadvertidos ideias e práticas que são, elas próprias, precisamente, o exemplo expressivo do que a ciência não é». Perdoe-me a minha ignorância mas terei de lhe perguntar concretamente a que «ideias e práticas» se refere. Isto porque já ouvi este discurso por muitas vezes mas nunca ninguém me soube explicar claramente a que se referem.
Em linha com o que afirma André Pacheco, parece-me que a crítica às ciências da educação é algo como: O sr. Guilherme Valente tem uma opinião sobre o assunto. Essa opinião é contrária ao que afirmam muitos estudiosos das ciências da educação. Então, o sr. Guilherme Valente trata de dizer que as ciências da educação nem sequer são ciências. E argumentos, não há...
Fico com a impressão de que, nestas questões de educação e de ciências da educação, se fazem cavalos de batalha em que a ciência é o pretexto, mas a crítica feroz não deixa margem para (dúvidas) avanços. As opiniões talvez sejam o mais importante meio de conhecermos as pessoas, mas serão a melhor forma de conhecermos as coisas?
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