quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
Parecer da Sociedade Portuguesa de Física sobre a Revisão da Estrutura Curricular dos Ensino Básico e Secundário
A Sociedade Portuguesa de Física (SPF) emitiu um parecer, com o qual concordo, sobre a mudança curricular que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) tem em discussão pública. Saliento dois pontos, que poderiam e deveriam ser revistos na proposta do MEC:
- Eliminação de uma disciplina anual do 12.º ano (actualmente os alunos escolhem 2 disciplinas anuais no 12.º ano e a proposta prevê apenas a escolha de uma, não indicando as opções): esta eliminação pode representar uma diminuição drástica da Física que já tão diminuída está;
- e a alteração do modelo dos desdobramento (turnos) nas aulas experimentais do 3.º ciclo, que poderá piorar o nosso já de si tão débil ensino experimental das ciências.
Mas nada melhor do que transcrever na íntegra o parecer da Divisão de Educação da SPF (os comentários em baixo são bem-vindos):
"A proposta de revisão da estrutura curricular apresentada pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) procede à alteração dos planos de estudo dos ensinos básico e secundário sem a necessária reformulação dos programas das disciplinas. A SPF considera que uma revisão da estrutura curricular se deveria basear numa perspetiva articulada do elenco disciplinar e dos programas das disciplinas dos planos de estudo.
É amplamente reconhecido pela comunidade de professores de ciências físico-químicas e de ciências naturais que a atual estrutura curricular para o 3.º ciclo do ensino básico, atendendo à carga horária atribuída, demonstrou ser danosa ao desenvolvimento da qualidade das aprendizagens na área das ciências ditas experimentais [1]. Um bloco de 90 minutos semanal é prejudicial a uma aquisição de conhecimentos que satisfaça os objetivos curriculares e não permite o desenvolvimento das capacidades científicas necessárias para o ensino secundário, tais como as capacidades de análise e/ou construção de gráficos, tabelas, esquemas, diagramas; de cálculos simples, conversão de unidades e noção de estimativa e de interpretação/produção de textos. Por isso, considera-se que o aumento da carga letiva semanal no 3.º ciclo do ensino básico é urgente e imprescindível.
Uma vez que esta revisão dará lugar à produção de nova legislação que regula o currículo e o seu funcionamento, deve ficar inequivocamente expresso na legislação a aprovar, ao contrário do que sucede na atual estrutura curricular, a obrigatoriedade dos desdobramentos. [2]
A eliminação da disciplina de formação cívica no 3.º ciclo do ensino básico e no 10.º ano, mantendo a relevância dos seus conteúdos de modo transversal, assim como a eliminação da formação a decidir pela escola, prevista para o 3.º ciclo do ensino básico [3], são boas medidas que podem ajudar ao reforço da aprendizagem das disciplinas essenciais, nomeadamente via um reforço da respetiva carga horária.
1. 3.º ciclo do ensino básico
O aumento da carga horária das ciências experimentais no 3.º ciclo do ensino básico, prevista na proposta do MEC (“aposta no conhecimento científico através do reforço de horas de ensino nas ciências experimentais no 3.º ciclo do ensino básico colmatando, neste nível de ensino, uma clara insuficiência de carga horária”), é uma medida que poderá melhorar a qualidade das aprendizagens nesta área e que se prevê poder conduzir a uma melhoria do desempenho dos alunos no ensino secundário. A SPF congratula-se com esta medida, nomeadamente com o aumento da carga letiva semanal previsível para a disciplina de físico-química: de 90 minutos para (90 + 45) minutos [4].
Quanto à proposta de alteração do modelo de desdobramento de aulas nas ciências experimentais do 3.º ciclo, através de uma alternância entre as disciplinas de ciências naturais e de físico-química, considera-se que é uma medida que desincentiva o trabalho prático-laboratorial [5]. A aprendizagem das ciências experimentais pressupõe que os alunos “façam”: ora uma das fragilidades do atual currículo do ensino básico está precisamente no ensino pouco experimental das ciências experimentais, o que decorre, fundamentalmente, da reconhecida insuficiência horária. Assim, se por um lado, o aumento da carga horária das disciplinas de físico-química e de ciências naturais cria condições que permitem uma maior disponibilização do tempo necessário para as atividades experimentais, por outro, a alteração do modelo de desdobramento dificulta a realização das atividades experimentais, dado que não é possível desenvolvê-las, com qualidade, com toda a turma ou utilizando apenas uma aula de 45 minutos [6].
É de salientar que a importância que se quer dar ao ensino das ciências experimentais implica a manutenção dos atuais moldes do desdobramento das disciplinas de físico-química e de ciências naturais: semanalmente os alunos têm cada uma destas duas disciplinas num bloco de 90 minutos com desdobramento (turnos). A este bloco, com atividades prático-laboratoriais, acresceria uma aula de 45 minutos com toda a turma.
2. Ensino secundário
A formação científica dos cursos científico-humanísticos deve ser adequada às necessidades de prosseguimento de estudos no ensino superior. Deve também garantir-se, ao longo do ensino secundário, uma progressiva aproximação ao esforço definido para os cursos do ensino superior. Assim, o plano de estudos do 12.º ano deveria propiciar o desenvolvimento de hábitos de estudo que se aproximassem mais do que virá a ser exigido aos alunos no primeiro ano do ensino superior.
A eliminação de uma disciplina de opção no 12.º ano é contrária às necessidades de um ensino exigente, prejudica a formação dos alunos e também a sua preparação para o ensino superior, prevendo-se que contribua para o aumento do insucesso nesse grau de ensino.
A proposta de revisão da estrutura curricular sofre de um grave desequilíbrio na distribuição da carga horária e do número de disciplinas ao longo do ensino secundário: assim, nos cursos científico-humanísticos, os 10.º e 11.º anos ficam com maior carga horária (17 a 18 blocos de 90 minutos), maior número de disciplinas e dois exames nacionais (disciplinas bienais da componente de formação específica [7]), enquanto o 12.º ano fica com menor carga horária (10 blocos de 90 minutos), menos disciplinas e na componente de formação específica apenas com um exame nacional (matemática A no curso de ciências e tecnologias). Este desequilíbrio no plano de estudos do ensino secundário implica uma evolução do esforço exigível aos alunos em contraciclo com a evolução da maturidade cognitiva e das competências sociais, atitudinais e axiológicas dos alunos ao longo dos três anos de escolaridade do ensino secundário.
No atual plano de estudos, a diversidade de opções [8] da segunda disciplina anual do 12.º ano contribui para que a escolha dos alunos obedeça, fundamentalmente, a um critério de obtenção da melhor média possível no final do ensino secundário, isto é, a escolha da disciplina em que o aluno previsivelmente obterá melhor classificação com menor esforço, em vez de se basear num critério de uma melhor formação de base para o curso pretendido no ensino superior. Esta diversidade de oferta é prejudicial a uma desejável racionalidade conceptual do plano de estudos assim como a uma gestão racional dos recursos humanos.
A SPF considera que se devem manter as duas disciplinas anuais de opção do 12.º ano a bem da formação dos alunos e do equilíbrio do seu plano de estudos, sendo antes necessário reduzir a diversidade de opções da segunda disciplina anual a um núcleo essencial. No curso de ciências e tecnologias esse núcleo duro deveria ser constituído pelas disciplinas de base das ciências físicas e naturais: física, química, biologia e geologia. Contribuir-se-ia, assim, para a redução da dispersão curricular, “centrando mais o currículo nos conhecimentos fundamentais e reforçando a aprendizagem nas disciplinas essenciais” conforme preconiza o MEC na proposta de revisão de estrutura curricular.
Caso o MEC mantenha apenas uma disciplina de opção no 12.º ano é imprescindível, por razões de racionalidade de gestão de recursos e consistência interna do plano de estudos, a redução do número de opções disponíveis a um núcleo essencial de disciplinas que no caso do curso de ciências e tecnologias seriam as já referidas: física, química, biologia e geologia.
O MEC refere uma “atualização do leque de opções da formação específica, no ensino secundário, tendo em conta o prosseguimento de estudos e as necessidades do mercado de trabalho, criando disciplinas como, por exemplo, Programação informática”, mas não explicita a necessidade de redução do leque de opções a nível da disciplina anual do 12.º ano.
Dada a centralidade do trabalho prático-laboratorial nas ciências experimentais (física, química, biologia e geologia), não se compreende a eliminação do reforço da carga horária da disciplina anual do 12.º ano. As atividades experimentais nas disciplinas de física e química A e de
biologia e geologia, dos 10.º e 11.º anos, são desenvolvidas numa aula de 135 minutos, enquanto no 12.º para as disciplinas de física, química, biologia e geologia as atividades, de acordo com a proposta do MEC, teriam que ser desenvolvidas em aulas de 90 minutos. Dada a maior complexidade de exploração das atividades prático-laboratoriais desenvolvidas nas disciplinas de física e de química do 12.º ano, esta redução de 135 para 90 minutos das aulas prático-laboratoriais é prejudicial à consolidação das aprendizagens.
18 de janeiro de 2012
Divisão de Educação da Sociedade Portuguesa de Física
NOTAS
[1] Com a carga letiva atual, um bloco de 90 minutos semanal, ocorrem situações caricatas em que uma turma pode estar duas semanas seguidas sem ter aulas de físico-química e de ciências naturais, por exemplo, devido a feriados.
[2] Embora o atual currículo do ensino básico preveja a obrigatoriedade das atividades experimentais no ensino das ciências, o ponto 5.8 do despacho n.º 14 026/2007 refere que, para esse efeito, “é autorizado o desdobramento…”. Esta redação permitiu que em muitas escolas do ensino particular e cooperativo e mesmo em algumas escolas públicas se optasse pela simples eliminação dos desdobramentos. No ensino secundário ministrado no ensino particular a situação é também heterogénea indo desde a ausência de desdobramento ao desdobramento numa aula de 90 minutos e não de 135 minutos como estabelecido no atual currículo. Esta diversidade na implementação do currículo é lesiva do direito de igualdade dos alunos e é bem exemplificativa da fragilidade da regulamentação emanada pelo Ministério da Educação.
[3] De acordo com o Decreto-Lei n.º 94/2011 de 3 de agosto esta carga horária a decidir pela escola poderia ser distribuída pela disciplina de língua portuguesa ou de matemática, mas também poderia ser utilizada para atividades de acompanhamento e estudo, de acordo com a opção da escola.
[4] No 9.º ano do currículo em vigor, a carga letiva semanal dos alunos é de (90 + 45) minutos para uma das duas ciências físicas e naturais, ou ciências naturais ou físico-química. Esta diferença de carga letiva destas duas disciplinas é de difícil fundamentação e é geradora de conflitos de interesses nas escolas, sendo que pressupõe que o mesmo programa possa ser dado em cargas horárias diferentes de acordo com a opção de cada escola.
[5] A proposta do MEC não especifica como é que se operacionaliza a alternância. Prevê-se que a aplicação da alternância aos desdobramentos deverá originar não só um desfasamento entre as componentes teórica e prático-laboratorial da disciplina de físico-química como também outros desequilíbrios resultantes de, por exemplo, feriados ou visitas de estudo.
[6] O desenvolvimento das competências processuais e conceptuais inerentes ao trabalho “experimental” requer tempo, espaços próprios e materiais específicos, o que apenas se torna exequível em pequenos grupos e no segmento letivo de maior duração. Com a turma toda não é possível garantir a realização das atividades com a necessária segurança.
[7] O Decreto-Lei n.º 50/2011 de 8 de abril introduz a possibilidade de o aluno substituir o exame de uma das disciplinas da componente da formação específica, por exemplo física e química A, por um exame à disciplina de filosofia (componente de formação geral) de acordo com a opção do aluno. Esta possibilidade contraria a importância que a formação específica deve ter a nível do ensino secundário e pode prejudicar a equidade pretendida na obtenção da média final do ensino secundário no mesmo curso científico-humanístico.
[8] No atual curso de ciências e tecnologias, as opções do plano de estudos para a segunda disciplina anual do 12.º ano são as seguintes: física, química, biologia, geologia, antropologia, aplicações informáticas B, ciência política, clássicos da literatura, direito, economia, filosofia A, geografia C, grego, língua estrangeira I, II ou III e psicologia B (Decreto-Lei n.º 272/2007, de 26 de julho e Declaração de Retificação n.º 84/2007, de 21 de setembro; o Decreto-Lei n.º 50/2011 de 8 de abril não introduziu nenhuma alteração a esta dispersão de oferta que ao ser gerida de acordo com o Projeto Educativo de cada escola origina grandes disparidades).
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6 comentários:
Se o aumento da carga semanal, para os alunos, das disciplinas de Ciências Naturais e de Físico-Química é de salutar, já o modo como se irá proceder ao desdobramento das aulas de ciências deixa muitas dúvidas.
É importante discutir qual o modelo de desdobramento que será implementado, se pretendermos a realização de trabalho experimental que conduza a uma aprendizagem científica significativa. Uma actividade laboratorial investigativa, ou qualquer outra actividade prática, deve estar integrada na unidade temática, deve ter um antes e um depois. Não pode ser realizada de forma isolada do restante processo de ensino e aprendizagem. A actividade laboratorial não pode ocorrer dias ou semanas antes, ou depois, do conhecimento científico ser introduzido ou desenvolvido nas aulas de ciências. Deve existir uma relação entre teoria e prática.
Em termos de condições organizacionais, a realização de actividades laboratoriais investigativas requer, entre outros aspectos, de aulas com a duração de 90 minutos e turmas divididas em turnos. No entanto, a divisão da turma em turnos não poderá ser feita quinzenalmente – numa semana um turno tem Ciências Naturais e o outro turno tem Físico-Química, na semana seguinte trocam os turnos. Como é que é possível dar continuidade à discussão de uma actividade laboratorial na aula seguinte, se metade dos alunos da turma ainda não a realizou? Se optar por este modelo de desdobramento, o MEC não está a valorizar o ensino experimental das ciências. Se assim for, o MEC está a defender um ensino segmentado da teoria e da prática nas ciências. Esperemos que assim não seja!
De acordo.
Relativamente ao ensino secundário refira-se que
atualmente já se verifica uma fuga de alunos de física,
química ou biologia para psicologia B, especialmente
nas escolas onde as classificações nesta disciplina
aparecem às vezes deslocadas para o topo da escala, com
pautas onde há autênticas "razias" de vintes e
dezanoves... Há casos escandalosos de alunos que ainda
nos inícios deste mês de janeiro pressionavam as
escolas para "transferirem" a matrícula de química para
psicologia B!
E há professores das disciplinas de física, química e
biologia (menos de geologia, porque a procura por parte
dos alunos também é relativamente menor...) que, ante
a perspetiva de os alunos de ciências poderem optar
apenas por psicologia B, deitam as mãos à cabeça, por
dois motivos: a possibilidade de, a curto prazo,
ficarem com horário zero (obviamente...) e por motivo
do crime que se estaria a cometer relativamente à
formação dos alunos.
É claro que alguns professores de psicologia esfregam
as mãos e não se cansam de exaltar, até perante os
alunos, as virtudes da sua disciplina.
Meu Caro José Batista da Ascenção: O seu comentário, sobre a disciplina de Psicologia B, tem a suportá-lo:
1. O ditado popular "quem feio ama, bonito lhe parece".
2. Depois, em chamada a um dito popular, "se não for eu a gabar-me, quem me há-de gabar?"
3. Num ensino regular, em competição desleal com as "Novas Oportunidades" e "Exame de Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos", quem pode apontar o dedo a esses alunos (já o facilitismo dos respectivos professores para angariarem clientela é diferente!), apropriando-se do título de uma carta de Émile Zola, para exclamar num grito de razão e de revolta: “J’accuse”!
Eu julgava, na minha ignorância, que o Ministro Nuno Crato seria o salvador da educação nacional, o verdadeiro messias da 5 de outubro. Aparentemente o senhor ministro não tem o perfil e o peso políticos para se impor junto dos seus colegas, em particular junto do ministro das finanças, recebendo um orçamento que representa um retrocesso histórico de proporções gigantescas. Como se lia num artigo que veio no Público, assinado por várias pessoas de diferentes sensibilidades ligadas à educação: "O corte de 864 milhões de euros em 2012 na educação e ciência atira Portugal para a retaguarda da União Europeia em matéria de investimento no ensino. Em 2010 as despesas do Estado com a educação representavam 5% do PIB; passarão agora a apenas 3,8%. Na UE, a média é de 5,5% e na Eslováquia, que estava no final do tabela, rondava os 4%."
Esta reforma curricular não toca no essencial (que deveria passar por uma reorganização dos ciclos de ensino, o que implicava uma alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo), suprime disciplinas no ensino secundário e deixa de fora o reforço de línguas estrangeiras, suprimindo uma escolha no 3º ciclo e não aumentando a carga horária do inglês. Em síntese: esta proposta de reforma é um "flop".
Espero que pessoas como o Professor Carlos Fiolhais mantenham uma postura de distanciamento crítico face ao atual ministro da educação, colocando de lado questões de natureza pessoal. É cedo para fazer juízos de valor sobre um consulado que ainda está no seu início, mas pelos indicadores iniciais não podemos estar muito otimistas.
A proposta de supressão de uma disciplina da componente de formação específica em escolas de pequena dimensão (uma a duas turmas de Ciências e Tecnologias no 12.º ano) fará desaparecer as disciplinas de Física e de Química com a consequente descontinuidade pedagógica no décimo segundo ano.
Este fato não contribuirá, de certeza absoluta, para uma aposta no conhecimento fundamental para todos os alunos que pretendam prosseguir estudos na área da Física da Química e das Engenharias.
Concordo com a generalidade dos comentários e subscrevo o postado por Sílvia
Regina Gouveia
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