quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

AS 10 MAIORES DIFICULDADES do recém-chegado à Astronomia amadora


Novo artigo de Guilherme de Almeida (g.almeida@vizzavi.pt):

José Manuel (nome fictício) acaba de comprar o seu primeiro telescópio. Está entusiasmado com as maravilhas que espera ver através dele e com o que imagina vir a descobrir nessas observações. No entanto, logo na primeira tentativa, passa-se algo de errado: em vez das estrelas esplendorosas que esperava observar, não vê absolutamente nada! A Lua não é nítida como ele esperava e a imagem parece dançar. O que é que está a correr mal? Isto não é raro de acontecer, mesmo com os telescópios mais sofisticados actualmente disponíveis. Este artigo chama a atenção do leitor para as principais coisas que podem correr mal; poderá ajudá-lo a desembaraçar-se desses problemas e a começar as suas observações com sucesso.

Os erros mais frequentemente cometidos pelos principiantes

Em diversas acções de formação sobre astronomia que tenho feito, após os princípios básicos, e depois de se ter explicado como se utiliza um telescópio, passa-se à parte das sessões de observação. E de todas as vezes há sempre alguém que me chama, a dizer, convictamente, que não consegue ver nada através do telescópio. E o que impede as observações é sempre algo simples, mas inesperado para o novato.

Dificuldade número 1: "não consigo ver nada"

O erro mais frequente é, de longe, o de começar com uma amplificação demasiado elevada. Isto resulta de não se conhecerem as oculares, ou de se querer "ver mais". Em Astronomia lida-se com muitos números e alguns são contra-intuitivos: o que parece maior poderá ser menor. Três é mais do que um, não é verdade? Então como é que uma estrela de terceira magnitude é menos brilhante do que uma de segunda magnitude? Isso é uma outra história, mas passa-se algo de parecido com as oculares: uma ocular de 10 mm de distância focal amplifica mais do que uma de 25 mm (no mesmo telescópio), apesar de a primeira ter marcado no seu tubo um número menor. Na verdade acontecem cinco coisas quando se aumenta a amplificação de um telescópio:

1. as coisas passam a ver-se obviamente maiores, mas isso significa que a quantidade de luz do objecto se espalhará, na retina do olho, por uma área aparente maior, por isso, as imagens parecem mais escuras;

2. o observador passa a ver uma porção menor de céu, tal como acontece quando se usa o zoom numa fotografia;

3. torna-se mais difícil apontar o telescópio para um objecto, mesmo que seja um objecto aparentemente grande, como a Lua;

4. as fragilidades da montagem evidenciam-se: o tubo do telescópio oscila facilmente e as imagens não param quietas, sobretudo se o telescópio for de iniciação;

5. as imagens observadas, em geral, já não serão tão nítidas, devido à turbulência atmosférica que se evidencia mais quando se utilizam maiores amplificações.

As baixas amplificações são úteis quando pretendemos olhar através de um telescópio para ver objectos grandes. Portanto, eis um cuidado essencial: quando se quer encontrar um objecto através de um telescópio, convém começar por uma baixa amplificação, o que significa começar por utilizar a ocular que tem o maior número gravado nela, geralmente 20 mm, 25 mm ou até mesmo 32 mm.

Dificuldade número 2: "não consigo apontar para o que quero ver"

A dificuldade mais frequente, logo a seguir, consiste em não saber alinhar o buscador, ou seja, o pequeno telescópio (quase uma miniatura) que está ao lado do telescópio principal, e que está lá precisamente para nos ajudar a apontar o telescópio e a encontrar os objectos que queremos observar. O buscador é quase sempre um pequeno telescópio de baixa amplificação ou (o que é cada vez mais frequente, porque os preços desceram) um apontador de ponto vermelho. E convém saber que os buscadores não vêm alinhados de fábrica e geralmente não vêm montados no tubo do telescópio. Para alinhar o buscador, comece por montar no telescópio uma ocular que dê uma baixa amplificação, digamos, uma ocular que tenha marcado 25 mm, ou um valor parecido. O procedimento essencial consiste em encontrar primeiro alguma coisa distante com o telescópio principal o que é mais fácil de fazer de dia, apontando o telescópio (como se este fosse o tubo de uma arma) para uma janela, um sino, uma antena, etc. Mantenha este objecto no centro do campo de visão do telescópio e ajuste o buscador de modo que esse mesmo objecto também fique bem centrado no campo do buscador. Para isso é que há, em volta dos anéis do buscador, pequenos parafusos de alinhamento. Refine o alinhamento do buscador utilizando uma amplificação maior no telescópio.

Alguns buscadores são aborrecidos de alinhar, e esse é um ponto fraco de muitos telescópios de baixo preço. Mas será mais fácil fazer este ajuste de dia, dado que os objectos terrestres não se movem com a rotação da Terra, como acontece com os astros. Mesmo nos mais sofisticados telescópios com go-to (busca automática de objecto celestes) será preciso alinhar bem o buscador, para poder apontar as estrelas de referência.

Dificuldade número 3: "não se consegue focar este telescópio"

Voltando às observações nocturnas, a partir do momento em que tenha centrado um objecto no seu telescópio o problema número 3 é a focagem desse objecto. Isto é especialmente importante no caso dos telescópios refractores, onde se utiliza quase sempre um espelho diagonal, para que o observador não tenha de se colocar em posições de contorcionismo para observar objectos a grande altura, no céu. Convém saber que o diagonal proporciona uma distância suplementar no focador (os fabricantes de telescópios têm isso em conta) e, sem esse espelho diagonal, pode ser que não consiga focagem. Certifique-se, por isso, de que no caso de um refractor o diagonal está efectivamente montado no focador e a ocular montada nesse espelho diagonal. Mais uma vez, comece por utilizar amplificações baixas, subindo depois, se necessário. A Lua deverá mostrar um bordo bem nítido e as estrelas (pelo menos com baixa amplificação) devem focar como pequenos pontos luminosos, se isso não acontecer, encontrará mais informação nos restantes pontos deste artigo. E há ainda outro problema: é claro que se carregar com as sobrancelhas contra a ocular fará com que o telescópio seja desviado da direcção em que estava: perderá o objecto de vista…

Dificuldade número 4: "as imagens não são nítidas e estão sempre a mexer-se"

Admitamos que o leitor começou agora a fazer as suas observações com um telescópio, mas está insatisfeito com o que está a conseguir ver. Uma coisa que nem sempre é óbvia é que o leitor tem realmente que estar no exterior para obter boas imagens. Não a observar através do vidro de uma janela, nem sequer através de uma janela aberta. Com binóculos, é possível fazer isso quase sempre, mas através de um telescópio, até mesmo amplificando apenas 50x, isso será suficiente para que o vidro da janela arruíne completamente a nitidez das imagens, ou que a turbulência do ar lhe estrague as observações.

Dificuldade número 5: "as imagens continuam pouco nítidas e a oscilar"

O próximo erro é levar o telescópio lá para fora e querer observar imediatamente. A menos que o leitor tenha a grande sorte de ter uma temperatura semelhante dentro e fora de casa, o telescópio estará geralmente a uma temperatura superior à do ambiente exterior à casa e terá de libertar esse calor para o ar nocturno envolvente. Isso causará correntes de convecção dentro do tubo e à sua volta que farão com que a imagem se recuse a ser focada e dance, especialmente quando se quer observar com amplificações mais elevadas. Essa "má visão", como é chamada no mundo das observações astronómicas, pode também ser causada pelas condições atmosféricas. Mas, de facto, o leitor tem de dar tempo para que o telescópio arrefeça primeiro. Deixe-o no exterior (em segurança, é claro) durante cerca de uma hora antes de começar a observar através dele, mas mantenha as superfícies ópticas cobertas, para dar ao telescópio tempo para arrefecer

Dificuldade número 6: "não se vê bem, não é como nas fotografias"

Um problema muito frequente é que o leitor não consegue ver essas imagens fantásticas de nebulosas e galáxias com as cores exuberantes que aparecem nas astrofotografias que ilustram a caixa do telescópio. Isto não é em rigor um erro, porque nenhum telescópio permite mostrar visualmente os objectos do céu profundo da maneira como eles aparecem nessas fotografias. Na melhor das hipóteses, mesmo os objectos mais brilhantes do céu profundo aparecem através da ocular como ténues manchas difusas. Porém, mesmo tendo tudo isso em conta, as pessoas têm muitas vezes grandes dificuldades em encontrar aquilo que é suposto serem objectos fáceis de encontrar no céu.

Pode até acontecer que o leitor tenha um telescópio com go-to (busca automática de objectos), e mesmo assim não os consiga ver através da ocular. Pode acontecer que os objectos estejam apenas demasiado baixos no céu. Quanto mais baixo um objecto estiver relativamente ao horizonte, maior a espessura de ar que a sua luz terá de atravessar até chegar ao telescópio e menos brilhante o objecto aparecerá. Por outro lado, se houver poluição luminosa nesse local, o objecto baixo ficará numa região do céu onde a poluição luminosa será mais severa e o céu será por isso mais claro, dificultando ainda mais a detecção visual desse objecto. No caso de observar planetas, se estes estiverem baixos, a turbulência atmosférica será mais severa e a possibilidade de obter imagens desfocadas e ondulantes será maior, devido á turbulência atmosférica acrescida. Portanto, espere até que o objecto fique mais alto no céu, tão alto quanto seja possível.

Dificuldade número 7: "não consigo ver, mas dizem que este é um objecto fácil"

O erro número 7 consiste em assumir que todas as noites límpidas são iguais. Quando se quer observar objectos do céu profundo, teremos muitas vezes de esperar pelas noites mais límpidas e de ar mais transparente.

As massas de ar frio, que se seguem a uma frente fria, são quase sempre as melhores, pois o ar frio contém menos água do que o ar morno e absorve menos luz. Por outro lado, as noites com alguma nebulosidade ou nevoeiro fino são óptimas para observar planetas, permitindo uma visão muito nítida e firme, sem ondulações, embora os tubos e as ópticas dos telescópios se cubram, nessas noites, de água que se condensa rapidamente sobre tais superfícies (caso não se tomem as devidas precauções, com sistemas activos anti-condensação). Em algumas noites, o leitor terá de desistir de fazer observações do céu profundo e dedicar-se a observar a Lua e os planetas.

Dificuldade número 8: "cheguei junto ao telescópio e não consigo ver nada"

Já foi dito que o telescópio precisa de se adaptar às condições térmicas da noite, para dar as melhores imagens. Os seus olhos precisam de se adaptar à obscuridade, especialmente se o leitor pretende fazer observações do céu profundo (nebulosas, galáxias e enxames de estrelas). O erro número 8 consiste em colocar seu telescópio lá fora a arrefecer, enquanto o leitor se entretém a ver televisão, ou a trabalhar no computador. Os ecrãs, as lâmpadas fluorescentes e as lâmpadas economizadoras de energia emitem bastante luz azul, que destrói (temporariamente, é claro) a adaptação dos olhos à obscuridade, muito mais do que a luz vermelha; portanto, quando o leitor sai desse local a pensar que o telescópio já arrefeceu, e está pronto, os seus olhos não estarão prontos: precisarão de nova espera, para eles próprios se adaptarem à obscuridade e não será capaz de ver grande coisa durante os próximos 10 a 20 minutos. Por isso, enquanto espera, faça-o lá fora aproveitando esse tempo para fazer uma revisão rápida das constelações, ou para relembrar as posições relativas de algumas estrelas.

Para consultar mapas ou ajustar acessórios, uma fonte de luz vermelha atenuada é de grande utilidade para os astrónomos amadores, pois tem muito menos impacto na sua visão nocturna do que a luz branca ou de qualquer outra cor. Tente evitar o mais possível quaisquer luzes prejudiciais na sua vizinhança imediata. Escolha o sítio mais escuro que puder, de tal modo que não estejam lá luzes incomodativas no canto do seu olho. Se for necessário coloque um pano preto sobre a sua cabeça, enquanto observa através telescópio, para evitar todas as luzes parasitas. Não receie ser tomado por idiota, ou alvo de comentários ridículos, pois o ganho na detecção de objectos fracos é apreciável.

Dificuldade número 9: "os outros vêem, mas eu não vejo"

Continua a não conseguir detector os objectos subtis do céu profundo? Aponta o telescópio para lá (para onde pensa que eles estão) e não vê nada? Talvez o leitor esteja a esforçar-se demasiado O erro número 9 consiste em olhar bem de frente e firmemente para sítio onde pensa que o suposto objecto se encontra. Acontece que o centro do campo visual do olho é a sua parte menos sensível á luz. Essa parte central da retina tem predominantemente células cónicas, menos sensíveis à luz, que permitem ver cores e pormenores finos, mas possui poucas células cilíndricas, que são muito mais sensíveis e abundam nas partes periféricas da retina. A visão periférica, chamada visão lateral ou visão desviada, permite explorar essa parte mais sensível do seu campo visual. Portanto, seja a olho nu seja através de telescópios (ou de binóculos), pratique a técnica da visão lateral, que significa que deverá dirigir a sua atenção para um ponto ao lado do objecto (cerca de 10º a 20º), prestando atenção ao que se passa em volta, em especial À região onde pensa que o objecto deverá estar. De repente, ele salta à vista!

Dificuldade número 10: "não consigo encontrar"

Procure ter uma ideia da aparência do objecto que procura. Tente saber qual é o tamanho aparente dos objectos. Não espere que todos os objectos do céu profundo tenham dimensões aparentes tão grandes como a galáxia de Andrómeda, ou a nebulosa de Orionte. Muitas galáxias, como as do enxame da Virgem, são na realidade de dimensões aparentes minúsculas, e muitas nebulosas planetárias também são minúsculas, mesmo as mais brilhantes. Isso exige que se aumente a amplificação, se as queremos ver. Isso não só aumenta o tamanho aparente do objecto (visto com a ajuda do telescópio) como também escurece o céu, facilitando a detecção do objecto.

Se depois de tudo isto o leitor anda não consegue ver os objectos que procura, então sim, é de desconfiar do telescópio. A melhor maneira de começar esta investigação (se for um telescópio tiver um espelho secundário) consiste em retirar a ocular e olhar pelo centro do tubo do focador. O leitor deverá conseguir ver a abertura circular do telescópio, com uma sombra também circular no meio, causada pelo espelho secundário (a menos que o seu telescópio seja um refractor). Se tal sombra não estiver centrada, mesmo que tenha a certeza de que está a espreitar mesmo pelo centro, pode ser que o seu telescópio precise de atenção especial. Nesse caso, o seu telescópio precisará de ser colimado, o que já ultrapassa a temática deste artigo, mas tal informação está contida nas referências abaixo indicadas, onde o leitor encontrará tudo o que precisa de saber sobre a colimação de telescópios e sobre o modo como deverá ser feita.

Guilherme de Almeida
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Referências:

Sobre telescópios:

- Almeida, G.—Telescópios, Plátano Editora, Lisboa, 2004.

Sobre o conhecimento do céu:

- Almeida, Guilherme de —Roteiro do Céu , Plátano Editora, 5.ª edição, Lisboa, 2010.

Sobre astronomia e observações astronómicas em geral:

- Almeida, Guilherme de —Introdução à Astronomia e às Observações Astronómicas (Plátano Editora, 7.ª ed., Lisboa, 2004.

- Almeida, G. e Ré, P.— Observar o Céu Profundo, Plátano Edições Técnicas, 2,ª edição Lisboa, 2003.

1 comentário:

Sílvia disse...

Acontece algo de semelhante com a utilização do microscópio óptico. São instrumentos valiosos no ensino das ciências, mas primeiro é preciso saber como funcionam e os quais os princípios subjacentes a esse funcionamento.

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