domingo, 8 de janeiro de 2012

Educação, corporativismo e gestão


Novo artigo do físico Armando Vieira:

A educação em Portugal parece viver em crise permanente. Muitas são as causas e muitas as receitas propostas. Na minha opinião o problema central da educação é essencialmente um problema de gestão, sobretudo de gestão do seu principal activo: os recursos humanos.

Em qualquer empresa, o factor crítico de sucesso está indexado aos talentos que consegue captar. Reter os melhores funcionários e criar uma atmosfera onde as suas capacidades possam ser aproveitadas ao máximo é o que muitas vezes dita a diferença entre a sobrevivência ou a morte. No ensino o factor humano é ainda mais crítico. Nenhum computador ou livro pode substituir o entusiasmo e a energia de um professor que sabe motivar os seus alunos e lhes pôr um brilho nos olhos.

As máquinas são importantes mas meramente reactivas. Um bom professor é activo e incita a curiosidade, estimula a dúvida e faz acordar o desejo de saber mais. Pelo contrário, um mau professor pode ter o efeito perverso contrário de matar essa curiosidade ou mesmo ditar o abandono escolar, até de alunos brilhantes. Os maus professores são um activo tóxico numa escola e, mesmo em pequeno número, se não forem removidos, acabarão por destruir o esforço da equipa.

O princípio de premiar e reter os bons professores e dispensar os maus parece uma verdade insofismável de boa gestão de recursos humanos. Porém ele não se aplica às escolas. Não se aplica ao nível do recrutamento dos melhores, quer sobretudo a nível da dispensa dos piores. Uma vez contratado, um mau docente pode ficar o resto da sua vida a leccionar sem que ninguém o possa impedir.

Eu pergunto: que tipo de qualidade pode uma empresa esperar atingir se, depois de contratar alguém, não o puder despedir? Já que não se pode despedir, a contratação acaba por ser o factor crítico que devia obedecer a critérios exigentes e rigorosos. Porém, não é isso que acontece. No caso do ensino secundário a contratação é um mero processo administrativo gerido por uma monstruosa máquina burocrática e a progressão salarial é feita por antiguidade. Ou seja, independentemente do seu esforço, aos olhos da administração, para um professor ser bom basta ser velho. No caso do ensino superior o processo é melhor mas também com imensas deficiências, como já referi em artigos anteriores.

Não é de espantar que nas escolas a meritocracia tenha sido substituída pela burocracia. As escolas estão na mão de burocratas que mantêm o ensino aprisionado num denso e ineficiente labirinto de interesses corporativos. Os sindicatos preocupam-se em defender os “interesses dos professores” sem nunca questionar a sua qualidade ou do serviço prestado. Os administradores, directores ou responsáveis sectoriais agem mais como comissários do ex-regime soviético do que como gestores de uma empresa moderna.

Não tenho dúvidas que, se as escolas fossem uma empresa, estariam há muito falidas. Mas é claro que não são, nem o devem ser. Mas o facto de não estarem obrigadas a critérios de lucro não significa que não devam ser eficientes na gestão do dinheiro público e na formação das próximas gerações. Para isso acontecer muita coisa tem de ser mudada. A mais simples e eficaz é as escolas terem o poder e a autonomia de seleccionarem os seus professores e, sobretudo, pôr na rua os maus professores ao mesmo tempo que recompensam os melhores. É lamentável que estejamos a formar talentos de grande qualidade e que, quase sempre, os melhores acabem por partir para o estrangeiro.

Existem milhares de ideias, projectos, tecnologia e pessoas competentes que querem lutar por modernizar a educação e elevar os standards de qualidade dos alunos. Infelizmente, enquanto não mudarmos radicalmente a organização das escolas, dando-lhes mais autonomia para que sejam geridas de uma forma moderna e eficiente, todos esses esforços de pouco valerão.

Armando Vieira

6 comentários:

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

O que é um bom professor? É o que melhor contribui para a prossecução dos objectivos da escola. Não da Escola, sublinho, mas sim da escola assim mesmo, com minúscula: da escola em que trabalha. Numa escola que não tenha identidade própria, nem objectivos definidos, coerentes, consensuais e compreendidos por todos, é impossível distinguir um bom professor dum mau professor.

No contexto duma Escola abstracta, de que ninguém sabe bem o que é nem para que serve, todos os professores são igualmente bons - o mesmo é que dizer igualmente maus. E sendo assim torna-se impossível recompensar uns e afastar outros.

Mas numa escola como as que eu gostaria que predominassem isto já seria possível. E, sendo possível recompensar os bons, porque não incluir entre as recompensas uma promessa de estabilidade profissional e progressão material? Não se trataria de beneficiar injustamente os mais velhos, mas sim de dar aos mais novos um incentivo comparativamente barato para perseverarem na carreira.

José Batista da Ascenção disse...

Teoricamente, sim. Mas, na prática?...
Quem são os actuais diretores das escolas?
Que competência têm? Quem a atestou?

Autonomia das escolas? Sim, mas quem a mandar nelas?
Os diretores? E quem remove os diretores incompetentes?
Fazê-las depender das câmaras?
Mas quem são os presidentes de câmara? Os que encheram o país de rotundas e respetivas "obras de arte"? Que idoneidade revelariam nesse novo capítulo?

O nosso país é medularmente corrupto. A todos os níveis e em todas as instituições. Sabêmo-lo bem demais...
O que não significa que toda a gente seja corrupta, obviamente... Mas eu não tenho dúvida de que a maioria das pessoas do meu país é passiva perante os casos comuns de "pequena" corrupção. Exemplo? - Veja-se a economia paralela e a fuga aos impostos...

Outra ideia escandalosa: imagine-se o que seria se os professores a quem foi atribuído "excelente" pelo ignóbil modelo de avaliação usado nos dois últimos biénios fossem sujeitos a provas de língua portuguesa e, em alguns casos, da própria matéria que têm que ensinar...

Como se resolvem tamanhos problemas?
Eis as questões.

Mas não é, seguramente, com ministérios mastodônticos, cheios de setores inçados de "especialistas" de nada, que não dão aulas, nem isso lhes interessa, e presididos por arrivistas da política mais ou menos voluntariosos e geralmente incompetentes. É ver a história das últimas décadas.

A única atenuante é que o remédio não é fácil de encontrar. E se fosse, nós não o "tomaríamos".

Mas nada nos dispensa de o procurar.

Francisco J. A. de Aquino disse...

Nossa, até parece que o texto se refere ao Brasil! Temos os mesmos problema deste lado de cá do oceano.

Armando Quintas disse...

Essa é a diferença para com as escolas privadas, não mostram serviço, rua!
Portugal chegou a um nível excessivo de estado social em algumas áreas e esta é uma delas!

Anónimo disse...

Se no motor de busca pesquisarem:

Anexo Técnico nVI –UMa – IPS.tif – GPC – Universidade da Madeira

Vão encontrar um ficheiro PDF, que encerra um documento que ficará para a história do ensino superior – PÚBLICO - e nessa medida, caso nele tenham interesse, aconselho que façam a sua impressão, enquanto está disponível. Documento este, que nos permite perscrutar o modus operandi seguido para o Doutoramento em Ciências do Desporto, da Escola Superior de Desporto de Rio Maior, do Instituto Politécnico de Santarém, em parceria com a Universidade da Madeira. E, com alguma ironia, até concluir que, no ensino superior público português, é muito mais fácil ministrar um Doutoramento do que uma Licenciatura.

Não fora este documento ser o princípio do fim deste modelo de ENSINO SUPERIOR PÚBLICO, nomeadamente da Universidade Pública; quantos mais empreendedores, precisamente com os mesmos “vice-versas”, num futuro próximo não seriam tentados com a fazer parcerias idênticas quer para ministrarem Doutoramentos, quer para ministrarem Mestrados.

Anónimo disse...

Será que não é tempo para agir…?

O anterior Ministro com a Tutela do Ensino Superior, Sr. Prof. Mariano Gago, em entrevista ao Expresso, publicada no 1º Caderno, pp. 14-15, na edição de 18/4/2009, assegurou que as garantias de transparência nos concursos nas carreiras docentes do ensino superior eram impostas, pela primeira vez, de forma muito exigente nos estatutos.

De alguma forma, o Governo assim fez ao estabelecer na lei a nulidade dos concursos de recrutamento de docentes, no ensino politécnico e universitário, que não contenham nos editais os critérios de selecção e seriação dos candidatos.

O artigo 29º-B, n.º 2 e nº 3, do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico, e o artigo 62º-A, n.º 2 e n.º 3, do Estatuto da Carreira Docente Universitária, nas redacções respectivamente dadas pelo DL n.º 207/2009 e pelo DL n.º 205/2009, ambos de 31/8, que cominam a sobredita nulidade, entraram em vigor em 1 de Setembro de 2009.

Basta tão só comparar editais de recrutamento de docentes para ensino superior público para o leitor poder aperceber-se quais os editais em que constam os critérios de selecção e seriação dos candidatos e os editais em que não constam os critérios de seriação dos candidatos que deles deviam de constar.

Em apreço estão os concursos para o recrutamento de docentes para a carreira do ensino superior politécnico público, alguns deles para a nova categoria, criada pelo DL n.º 207/2009 de 31/8, de Professor Coordenador Principal, com vencimento equivalente ao de Professor Catedrático, cujos editais se encontram plasmados na 2ª Série do Diário da República, desde 1 de Setembro de 2009, e em que, com os critérios de selecção e seriação dos candidatos constantes dos editais, é insusceptível ordenarem-se dois candidatos…

Insanável, a nulidade é arguível a todo o tempo.

As autoridades administrativas podem, a todo o tempo, declarar a nulidade, bem como qualquer Tribunal.

Será que não é tempo para o Ministro da Educação, com a Tutela do Ensino Superior, Sr. Prof. Nuno Crato, agir…?

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