quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
O Regresso de Chiang Ching
Artigo de Guilherme Valente saído hoje no jornal PÚBLICO:
"Os modelos escolares dominantes de "cultura", de "saber", de "sucesso", de "bom aluno", o modelo dominante de escola, afinal, criam dificuldades e constituem obstáculo ao sucesso dos alunos que pertencem a meios de cultura não letrada."
Ana Benavente (ProfMat, 88)
1. Na educação e qualificação, na requalificação dos cidadãos na vida activa, na motivação e confiança de alunos e professores, no ambiente nas escolas, no empenhamento dos pais, Portugal é uma sociedade fragilizada ou mesmo dramaticamente desarmada. Não apenas nos conhecimentos, mas na atitude e na vontade: a maioria dos portugueses formados na escola do eduquês (1) não estão preparados para enfrentar o trabalho e a vida.
2. Não é necessário insistir nos indicadores. Diremos apenas que em mais de três décadas o ensino em Portugal não saiu dos piores indicadores registados nos países da UE e da OCDE. Chaga das chagas: o número de crianças que foram chegando ao 9.º ano iletrados, semi-analfabetos ou, pura e simplesmente, analfabetos.
3. Entre 2001 e 2011, pela primeira vez em décadas, verificou-se, só em alguns indicadores, um incipiente progresso. Foram anos de uma certa contenção do eduquês, da mitigada adopção de medidas que há muito reclamávamos (directores nas escolas, por exemplo). Mas em vez da criação de uma via de ensino técnico profissional, com igual dignidade, qualidade e exigência das vias de acesso à universidade, com a possibilidade, no seu termo, do acesso a estudos superiores - imperativo que o novo ME terá de cumprir - apenas se permitiu a instalação de cursos tecnológicos profissionais nas escolas cujos directores a solicitassem. Medida insuficiente e logo sabotada pelo aparelho ideológico do ME, não lhe afectando os meios humanos e materiais mínimos. Mesmo assim, contando quase só com o empenho de directores e docentes, foi a oferta desses cursos que determinou uma pequena, localizada, mas esperançosa, descida na percentagem de abandono escolar.
4. Mas esses progressos incipientes não alteraram a realidade: pior do que nós só Malta.
E é por isso que faz vómitos ver responsáveis pela situação a que se chegou terem o despudor de se manifestarem preocupados com a ameaça à qualidade (!!!?) da educação e insistirem no programa de desígnio e efeitos devastadores que durante décadas impuseram (ler "A educação, o País e o futuro", PÚBLICO de 3/12/2011 e Ana Benavente ao PÚBLICO, 13/12/2011).
Surpreende ver o professor Paulo Guinote assinar tal documento. Choca, mas já não surpreende, que o presidente do maior sindicato de professores o tenha assinado. Porque nele se volta a defender o programa que implicou a desvalorização da função de ensinar, a desautorização e humilhação do professor.
Um programa de combate ao conhecimento e aos saberes que contam, à Literatura, à Matemática, à História, à Filosofia, às Ciências, etc., a que voltam a chamar agora, despudoradamente, "conhecimentos básicos". São, pelo contrário, conhecimentos fundamentais, condição de todas as verdadeiras competências. Programa de ignorância e desresponsabilização, cujos efeitos são gritantes na sociedade: Portugal é o país da UE com maior desigualdade entre ricos e pobres, o nível mais alto nos últimos trinta anos; a pobreza nas escolas cresceu mais de 30% na última década.
5. Mas que importa esta realidade dramática? Acabar com "os modelos escolares dominantes de cultura", de "saber", com "o modelo dominante de escola", que "criam dificuldades e constituem obstáculo ao sucesso dos alunos que pertencem a meios de cultura não letrada", acabar, afinal, com a escola reprodutora das desigualdades, instrumento de dominação ao serviço dos poderosos, não é a condição para realizar a sociedade sem classes?
6. Parece inimaginável, mas é esta, documentadamente, a chave para se perceber a natureza do projecto que dominou a educação durante todos estes anos. Uma inversão que determinou a mundovisão dominante sobre o ensino e a escola, embora a generalidade das pessoas não tenha consciência daquela natureza e origens ideológicas.
7. Irracionalidade igualitarista que determinou a inevitabilidade de um facilitismo sempre crescente, impondo uma escola inútil para milhares e milhares de jovens, que a foram abandonando prematuramente, sem qualquer formação ou qualificação. Um ensino público de onde só não fugiu quem não tinha meios para procurar o privado, que floresceu, apesar dos condicionamentos com que também o quiseram controlar.
8. A experiência teve outros ensaios na História, mais nítidos e devastadores. Uma dessas últimas experiências, também centrada na convulsão da escola e na humilhação dos professores, foi a Revolução Cultural chinesa: ódio ao conhecimento, à "cultura burguesa", aos grandes criadores, dos clássicos aos modernos, de Confúcio ao poeta Ai Ching e ao grande dramaturgo Tsau Yu; a Mozart e Beethoven (a Camilo e Eça, se os conhecessem...). Para aqueles que viveram esse tempo nesse lugar, a lembrança impõe-se: é o regresso de Chiang Ching, a mulher de Mao.
Guilherme Valente
NOTA:
(1) Eduquês foi a expressão brilhante criada por Marçal Grilo para designar o discurso incompreensível dos especialistas em "ciências" da educação. Mas a questão não é a linguagem, mas o pensamento que a determina e ela exprime. Foi para designar esse pensamento que comecei a usar a expressão eduquês, fixada, depois, com o contributo de outros autores.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
9 comentários:
Como é habitual nos textos do Guilherme Valente sobre questões de Educação, este é deprimente. É vazio de sentido. Não tem ponta por onde se pegue. Nem sequer dá para responder a nada, porque não apresenta ideias suportadas por nada.
O único objectivo que o Guilherme Valente tem neste texto é comparar a sra. Ana Benavente à mulher do ditador Chinês Mao , a sra. Chiang Ching. É o seu odiozinho de estimação, a sra. Ana Benavente.
Mas é só por este aspecto que vale a pena responder ao Guilherme Valente. Antes de fazer este tipo de comparações com o Regime Chinês de Mao Tse Tung, o Guilherme Valente devia informar-se quem é que, na década de 70 do século vinte, eram em Portugal os grandes apoiantes e simpatizantes do Regime Maoista da China e da Revolução Cultural e do "Salto em Frente".
Pois quem era apoiante dessas ideias todas que refere no artigo eram Pessoas como o Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso , sr. Pacheco Pereira, e os seus amigos o ex-director do "Público" Manuel Fernandes, e o Ministro da Educação Nuno Crato.
Estes Srs. é que andavam nas Faculdades com o Livrinho Vermelho do Mao a dotrinar os seus colegas.
Sim o seu amigo, colega, autor e defensor dessa coisa que chama o Eduquês , esse sim foi um seguidor e praticante dos ensinamentos de MAO. É bom conhecer com quem anda, e não querer apagar a história.
Luis Neves
Caro Guilherme Valente:
No que respeita ao ensino não devemos surpreender-nos com nada nem com (quase) ninguém.
Tem sido assim. Parece uma fatalidade.
Fatalidade que aproveita a alguns.
Com prejuízo de quase todos.
Mas olhe, um dia destes tive uma boa surpresa. Foi a publicação do Despacho_17169_2011.
Ainda agora me parece impossível.
Também me parece extraordinário que no meu país haja um homem que tenha desenvolvido uma luta firme e duradoura contra a loucura do "eduquês", cristalizada na irresponsabilidade e incompetência "rodriguina".
Refiro-me a si.
"Uma dessas últimas experiências, também centrada na convulsão da escola e na humilhação dos professores, foi"
... a política educativa de José Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues, Isabel Alçada, PS e PSD.
Senhor Guilherme Valente:
O senhor diz: «Portugal é o país da UE com maior desigualdade entre ricos e pobres, o nível mais alto nos últimos trinta anos; a pobreza nas escolas cresceu mais de 30% na última década.»
E a culpa é da Escola?
Se se desse ao trabalho de ler os livros e de assistir aos programas de Medina Carreira, e observasse e comparasse os gráficos macroeconómicos sobre vários aspectos da evolução da nossa economia (e também da economia dos países do Ocidente) que ele vem apresentando desde há pelo menos 10 anos, talvez compreendesse a razão verdadeira do crescimento de muita pobreza e das desigualdades que estima em 30% entre nós. As razões não radicam na Escola.
Mais adiante diz: «Diremos apenas que em mais de três décadas o ensino em Portugal não saiu dos piores indicadores registados nos países da UE e da OCDE…pior do que nós só Malta.»
Mas alguma vez estivemos melhor do que os outros?
Nós temos uma terrível história centenária de atraso educativo, de ignorância do conhecimento e de menoridade cultural como país. E a Escola foi sempre o reflexo disso.
Se se desse ao trabalho de ler as «Memórias» de Rómulo de Carvalho, em que ele traça três panorâmicas sobre a tão apregoada qualidade passada do nosso Ensino (anos 10, como aluno no Liceu Gil Vicente, anos 30 e 40, como professor no Liceu Camões, um dos mais conhecidos e qualificados do país, anos 60, no mais conhecido e famoso Liceu Normal do país – o Pedro Nunes. Sobre o Liceu Pedro Nunes, ler ainda os capítulos «Considerações sobre o ensino elementar da Física» e «A Física como objecto de ensino», que o senhor publicou na sua editora ─ mas que parece que não leu ─ no livro «Rómulo de Carvalho – Ser Professor»), concluiria que é um mal de que padecemos desde sempre.
Nas últimas três décadas, apesar de tudo, demos o maior salto qualitativo e quantitativo de sempre (pela primeira vez metemos todos os analfabetos na Escola e hoje já qualificamos com muita qualidade nas universidades, muitos jovens que estão a dar cartas no estrangeiro, por exemplo, e entre nós, em muitas novas empresas de base tecnológica) e o senhor vêm com um discurso generalista em que toma sempre a parte má (por maior que seja) pelo todo.
Enfim, a dado passo acaba por reconhecer: «Entre 2001 e 2011, pela primeira vez em décadas, verificou-se, só em alguns indicadores, um incipiente progresso. Foram anos de uma certa contenção do eduquês, da mitigada adopção de medidas que há muito reclamávamos (directores nas escolas, por exemplo).»
Mas logo remata que foi resultado da tímida derrota do eduquês (embora o discurso contra ele continue a todo o gás, é preciso combatê-lo mesmo depois de morto) e da introdução dos directores (esta tem piada, a medida é posterior a 2001 mas teve efeitos retroactivos).
É evidente que os progressos são pequenos ainda, continuamos com problemas gravíssimos (a maior parte deles que entram na escola vindos da sociedade, outros são gerados dentro da Escola por deficiências internas). É evidente que houve muito eduquês e que a qualificação dos professores e da Escola em muitos aspectos baixou (mas passámos de umas centenas de milhar de alunos para mais de 2 milhões, e de poucos milhares de professores para centena e meia de milhar, todo o crescimento rápido induz ele próprio diversos problemas).
Para terminar, direi que as dicotomias nos matam, porque inutilizam o diálogo e a discussão. Cada um dos lados (dicotómicos) fecha-se nas suas verdades não atendendo às do outro lado. Eu prefiro outra abordagem em vez da dicotómica eduquês (culpado de tudo) / não-eduquês (paraíso na Terra)
Sugiro-lhe que leia: «Desafios do trabalho do professor no mundo moderno», António Nóvoa. Obtém o PDF na Internet com este título.
Sobre a nossa (triste) história educativa (e cultural, em sentido lato), sugiro-lhe o livro «Evidentemente», António Nóvoa, Editora ASA, recoloca-nos na (nossa) realidade.
Oh, coisa triste e dolorida!
Agora é que fico incapaz de ler os comentários mais longos.
Caríssimos senhores: o texto dos comentaristas não pode aparecer com as linhas mais espaçadas?
Assim não sou capaz: não mo permitem os meus olhos, que, com as letras maiores ou menores, saltam inevitavelmente de umas linhas para as outras.
Enfim, fico em situação de "apagão".
O fulano que escreveu isto de facto não tem muito jeito para convencer os outros de que o que vai elocubrando tem um mínimo de interesse universal... Já o Medina Carreia tem imenso jeito, mas como é um profundo imbecil, acaba por acrescentar a outros imbecis profundos a convicção de que afinal também podem ser inteligentes, sempre que repetem as opacas cretinices do Medina.
Senhor José Baptista da Ascensão:
Se desejar ler o meu comentário é fácil. Copie-o para um ficheiro Word e aumente os espaços e o tamanho das letras. Depois elimine o ficheiro.
Senhor Pirandelo:
Eu comentei o que entendi sem ofender ninguém. Fui educado para não ofender ninguém, muito menos quem não conheço.
A ofensa gratuita não é argumento para nenhuma discussão.
Caro António Pereira,
Tente leccionar uma (literalmente) aula numa escola pública e depois tente fazer o mesmo numa escola onde o eduquês ainda não tenha entrado.
Depois diga qualquer coisa.
Caro Fartinho da Silva:
Quando queremos discutir os assuntos com argumentos argumentamos, quando não queremos, usa-mos slogans.
Facilitam-nos muito a vida, poupam-nos de pensar, melhor, evitam mesmo que pensemos, é essa ideia que subjaz ao slogan (que como sabe foi criado pelos publicitários para impingir produtos, tantas vezes supérfluos, só os compramos porque nos embalamos na melodia do slogan e não pensamos).
O termo eduquês funciona como um slogan que, servindo diversas agendas político-partidárias, nos poupa de pensar.
Eu nunca alinhei em slogans, detesto-os mesmo.
Se pensar na educação/ensino como um contínuo no tempo longo talvez destrua certos mitos (e certas mentiras) que, por serem propalados insistentemente, passam a verdades incontestáveis.
Sugiro-lhe veementemente que leia os dois livros do Rómulo de Carvalho que indico no comentário anterior, «Memórias» (Gulbenkian) e «Rómulo de Carvalho – Ser Professor» (Gradiva), assim como a comunicação no Brasil de António Nóvoa (obtém-se gratuitamente o PDF na Net) e o livro deste autor «Evidentemente» (Edições ASA).
São excelentes leituras, e destruidoras de mitos e de mentiras por excelência (Rómulo de Carvalho, por ser um céptico que não acreditava no Homem ─ paradoxo de quem escreve Pedra Filosofal e outros poemas ─ nunca votou depois do 25 de Abril, não era salazarista nem oposicionista, o que lhe dava uma grande liberdade ideológica para analisar as coisas com outros «óculos», os «óculos» da realidade e da sua evolução; António Nóvoa é, para mim e para muitos outros, a pessoa mais bem preparada em Portugal quanto ao conhecimento profundo da evolução da educação/ensino, da realidade actual e da comparação com os restantes sistemas educativos dos outros países; tal como Rómulo de Carvalho, é isento partidariamente, caso raro hoje, mas vantagem incomparável em relação a certos papagaios que para aí ouvimos, alguns deles em cargos públicos relevantes na educação.
Quanto ao eduquês, sossegue que não sou adepto, mas também não sou dos anti-eduquêses de meia-tijela que pululam a repetir slogans sem saberem muitos deles o que significam.
Quanto à minha experiência pessoal/profissional, abstenho-me de dela falar em público, pouco conta como critério de autoridade.
Enviar um comentário