sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Investigação Científica e os Cérebros de Galinha



“O melhor conselho que já ouvi para um jovem cientista foi-me dado por um dos meus mentores: ‘Jovem, tome cuidado, não vá você encontrar o que procura’” (Ralph Gerard, “O Homem e a Ciência do Homem”).

Um comentário do leitor Joaquim Manuel Ildefonso Dias leva-me a dirigir-lhes estas palavras iniciais: cá estamos nós,novamente, a dialogar com enorme prazer meu pela forma como expõe os seus argumentos,as sua dúvidas, as suas inquietações. Argumentos e dúvidas que inquietam quem não vive de certezas inamovíveis, qual rochedo de Gibraltar, ou anda ao sabor de opiniões alheias.

Em comentário ao meu post “Quem tem medo de uma Ordem dos Professores?” (10/01/2012) , coloca este leitor em confronto duas atitudes profissionais de dois matemáticos e investigadores portugueses com perspectivas diferentes: emigrar ou ficar no país, referindo-se, respectivamente, à professora Irene Fonseca e aoProfessor José Sebastião e Silva. No que se refere aquela escalpeliza ela as diferenças entre a investigação científica que se pratica nos Estados Unidos e em Portugal,numa entrevista por si dada a um jornal nacional, em início deste mês, aquando de passagem pelo seu país para passar as festividades natalícias.

Nela, apresenta, esta investigadora a trabalhar no outro lado do Atlântico, um rol de razões para não voltar a Portugal, de que destaco: 1. Tempo para investigar; 2. O facto da administração Obama que, apesar da crise económica do país, ter aumentado o orçamento para a ciência; 3. Apesar dos cortes orçamentais feitos na terra do “tio Sam” ter a National Foundation sido poupada.

Pelo contrário,Portugal, por muito que custe dizer e mais em aceitar, em vez de apoiar os seus cientistas, um capital com juros garantidos, ainda que à la longue, mais se preocupa com as suas clientelas partidárias atribuindo lugares de destaque (ou até sinecuras chorudas), ainda que sem generalizações abusivas, a verdadeiros “cérebros de galinha”. Repare-se que as bolsas atribuídas a quem se dedica à investigação são escassas e mal remuneradas,quase diria, com um certo exagero, dando, tão-só, para o pão do dia-a-dia esem garantia de continuidade. Depois, e julgo que foi Otto Glória, treinador do Benfica na década de 50, quedisse que “sem ovos não se fazem omoletas”. Ou seja, sem laboratórios devidamente equipados e pessoal bem pago é muito difícil fazer obra de jeito. A propósito, li algures, em idos tempos, que uma boa biblioteca exige ao lado uma boa cozinha porque nem só do espírito vive o homem, hoje, despojado do dualismo cartesiano.

Compreendo e concordo com as objecções que são feitas pelo leitor acerca desta questão que se coaduna, todavia, com a actual filosofia, espelhada em textos legais, da Comunidade Europeia de livre circulação de pessoas e bens e, mais do que isso,para utilizar um lugar-comum, na aldeia global em que o mundo se tornou e na visão materialista da sua gente para quem o ter se sobrepõe ao ser, - outro lugar-comum.

De tudo isto, relevo, transcrevendo-o, o final do comentário deste leitor:

“O Professor José Sebastião e Silva, -o maior matemático português, mundialmente conhecido – também teve convites para leccionar nas melhores Universidades do Mundo, inclusivamente dos EUA, e a resposta dele foi:“Tenho de ficar. Não posso deixar estes rapazes e raparigas ao abandono, sozinhos naquilo que comecei …”. Referia-se à remodelação do ensino da Matemática, então em curso.

Por isso, os argumentos que os Sr(s) “cérebros” invocam deveriam ser para regressar de imediato, e não o contrário, não é assim, Professor Rui Baptista?

Pois é, mas, como nos ensinou o vate, “mudam-se os tempos,mudam-se as vontades”. O humanismo do Professor José Sebastião e Silva, por este leitor enaltecido, e nunca será demasiado enaltecê-lo, dá o retrato de uma ilustre plêiade (que infelizmente se contam pelos dedos) de homens deste torrão natal que, ainda hoje, não se ajoelham aos pés do trono em vassalagem ao rei Midas.Felizmente que eles ainda os há neste país, por vezes, tão ingrato para quem não devia e tão grato para quem o não merece.

Sinais dos tempos e de uma sociedade que corre o risco de ser vítima da decadência romana sem ter conhecido sequer o apogeu de uma cultura grega. Depois a utopia, como li algures, é um sonho por realizar. Enfrentemos, pois, a realidade nua e crua sem perder o dever de nos manifestarmos porque, como escreveu Miguel Torga, “o homem quando perde a capacidade de se indignar perde a própria razão de ser”!

11 comentários:

António Bettencourt disse...

Só uma observação: Portugal não apoia os seus cientistas, não é bem assim. Se forem cientistas de(pseudo)-ciências da educação têm as bolsas todas que quiserem. Aliás esse é todo um outro escândalo do nosso sistema de ensino. O peso que esses senhores têm no sistema configura contornos de uma verdadeira máfia.

Ah, e se for sociólogo do ISCTE, esse viveiro de ministreaveis, também tem as bolsas que quiser.

Armando Quintas disse...

O que sei é que o estado Português dá bolsas aos alunos, ajuda-lhes na licenciatura (as vezes demais), através de erasmus mundus podem fazer mestrado fora e dentro com bolsa (muito pequena) e depois temos os doutoramentos e pós doutoramentos, com bolsa, tudo muito e muitíssimo bem, aumentamos as qualificações, aumentamos as estatísticas e depois? depois da licenciatura, mestrado, doutoramento e pós doutoramento o que é que o jovem (com cerca de 30 e tal anos) vai fazer? Porque diga-se de passagem que a maioria não está nem estará enquadrada numa instituição que os absorva a médio e a longo prazo, formamos formamos para que finalidade?

Quanto ao que o António afirma, eu acrescento, acabe-se com metade (pelo menos) das faculdades/departamentos/cursos de ciências sociais e humanas..

Rui Baptista disse...

Prezado António Bettencourt: Obrigado pelo comentário. Em verdade, a investigação nas ciências moles está garantida à partida por não envolver grandes gastos. Já nas ciências duras necessitadas de laboratórios bem apetrechados canta outro galo.

Várias vezes, tem sido elogiada a acção do ex-ministro Mariano Gago neste particular. Falecem-me, todavia, elementos para uma análise, devidamente fundamentada, a este respeito. Todavia, a fazer fé na entrevista da Professora Irene Fonseca, Portugal não oferece aos investigadores, aqui nados e criados, as condições encontradas nos Estados Unidos e em outros países.
Isto mesmo tendo em conta as diferenças de poderia económico que separam os dois países. Em Portugal tem-se cortado, até agora, prioritariamente nos custos da investigação por motivos económicos. Na América a contenção de despesas não afecta o campo da investigação pela prioridade que lhe é reconhecida.

Mas para um esclarecimento completo, seria interessante ouvir a opinião dos nossos jovens investigadores que demandam outros continentes e, essencialmente, aqueles outros que por cá ficam sem lhes ser reconhecido o importante papel que a sua massa crítica representa e os vencimentos auferidos quando comparados até com portadores de antigos cursos médios que têm o bordão de uma actividade política desde os verdes anos. Seria interessante, por exemplo, saber quanto ganha um senador americano e um investigador nos Estados Unidos. Mesmo havendo, aí, uma” dècalage” favorável aos representantes eleitos pelo povo julgo não ser tão evidente como em Portugal. Parece-me uma discussão em que haveria toda a vantagem em não cair em saco roto. Até para se saber até que ponto as queixas dos nossos jovens investigadores tem razão de ser. Razão encontro num Prémio Nobel/1992, Niels Bohr, quando defende que “o oposto de uma afirmação correcta é uma afirmação falsa. Mas o oposto de uma afirmação profunda pode bem ser outra verdade profunda”.

António Bettencourt disse...

Caro Rui, eu não iria tão longe. Não são as ciências "moles" porque os meus colegas de letras que se dedicam à investigação também se queixam bastante. São mesmo as ciências da educação e aldrabices afins, e ainda certas e determinadas escolas.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista, sou, não-professor.
Desculpe-me, se este meu comentário é quase todo uma extensa citação de J. Sebastião e Silva, mas, é uma homenagem, a minha homenagem, ao “bom” Professor Universitário de Portugal.
Aos Professores que sabem da importância de uma Orientação Pedagógica, da compreensão do “porquê das coisas” na formação dos jovens, deixo-lhes estas palavras de admiração pelo seu trabalho, porque são a sua realidade.
[…]
“Mas é preciso pensar no problema fundamental das nossas universidades, que é o professor que vive dilacerado por um terrível dilema: esforçar-se por ser bom professor – e então será, como muito bem dizia o prof. Flávio Resende, o inimigo nº 1 da família; ou repudiar esse papel odioso – e então já não poderá ser bom professor. Por “bom professor” (ou “professor ideal”, se preferem), entendo aqui todo o professor universitário que se dedique com entusiasmo e plena eficiência ao ensino e à investigação, e que, além disso, consiga fazer escola, orientando, para os mesmos fins, alguns alunos finalistas e assistentes. Uma solução de compromisso entre os dois extremos – ser bom professor, ser bom chefe de família – é hoje muito difícil e, em qualquer hipótese, exige um enorme esforço físico e psíquico, que conduz facilmente a estados de esgotamento, à morte prematura e até ao suicídio (desgraçadamente parece que não faltam exemplos dos três casos no nosso País!). Há que ter em conta vários aspectos da questão, geralmente desconhecidos da grande maioria das pessoas. Por exemplo, o professor que tenha tomado contacto com meios científicos estrangeiros de elevado nível e adquirido cotação positiva nesses meios (condição essencial a exigir, pelo menos de futuro, a todo o professor universitário) sofre cruelmente – como cientista e como representante do seu País – quando se vê rapidamente ultrapassado em domínios onde a sua contribuição poderia ter sido, pelo menos, equivalente à de colegas estrangeiros. E esse estado de espírito é agravado com os problemas de consciência que lhe advêm de não poder proporcionar aos seus condiscípulos e assistentes todo o apoio que seria desejável; de não conseguir pôr em dia a sua volumosa correspondência, passando por indelicado; de não lhe ser possível retribuir a colegas estrangeiros as atenções e a generosa hospitalidade que estes lhe concedem nos seus países, etc., etc.
Há uma frase que se profere com frequência, mas com diversas intenções: “Missão do professor é um sacerdócio.”
O conceito é exactíssimo, mas as implicações que o não-professor tende às vezes a incluir nesta frase é que são deveras aflitivas. A ideia implícita é em resumo esta: “O professor tem o dever moral de se sujeitar a uma vida de ascese rigorosa.” É óbvio que tal ideia só poderia ter alguma coerência, se fosse previamente decretado o celibato obrigatório para todos os professores; mas, posta de lado uma tal solução (parece que na China é encarada a sério a hipótese), só vejo uma medida razoável que possa permitir ao professor o desempenho da sua missão como sacerdócio: libertá-lo por completo de preocupações de ordem material, especialmente no que se refere ao presente e ao futuro da família.”
Obrigado.

António Bettencourt disse...

Só mais uma observação: penso que o Niels Bohr foi prémio Nobel em 1922. Foi certamente um lapso ou um erro de digitação.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

A citação que eu considerei de homenagem têm também por objectivo despertar todas as consciências no País.
Quando a comunicação social noticia por exemplo “Os três físicos portugueses Nuno Peres, João Lopes dos Santos e Eduardo Castro já publicaram trabalhos com os investigadores de origem russa, galardoados ontem com o prémio Nobel da Física”, não vai ao encontro do problema, e das necessidades imediatas, diga-se que não dá uma verdadeira ajuda aos nossos cientistas, e só o faz porque existe um nome Nobel que lhe é proveitoso.
Dai, que eu considero essencial divulgar, permitam-me, repito “…o professor que tenha tomado contacto com meios científicos estrangeiros de elevado nível e adquirido cotação positiva nesses meios (condição essencial a exigir, pelo menos de futuro, a todo o professor universitário) sofre cruelmente – como cientista e como representante do seu País – quando se vê rapidamente ultrapassado em domínios onde a sua contribuição poderia ter sido, pelo menos, equivalente à de colegas estrangeiros.”

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Reformulo a frase do 1 §.
A citação que eu considerei de homenagem mostra a necessidade que existe, de despertar certas consciências no País.

Obrigado

Rui Baptista disse...

Caro António: Foi um lapso meu que me apresso a corrigir e a agradecer-lhe o reparo. A confusão baseou-se entre a data do Prémio Nobel (1922) e a data da morte de Niels Bohr (1962).

Rui Baptista disse...

Não quis, de forma alguma, secundarizar as “ciência moles” (pelas quais tenho o maior respeito) relativamente às “ciências duras”. Apenas referir o facto de nestas últimas ser necessário muito investimento para a criação dos respectivos laboratórios estatais e sua manutenção.

Ou seja, não comungo, de forma alguma, a opinião do antigo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, quando teve a Literatura Portuguesa como um funil. social para o acesso a certos cursos de curta duração e acesso fácil.

Aliás, a minha discordância para com esta medida mereceu da minha parte um post, neste blogue, em 16 de Julho de 2011, com o sugestivo título: “A Literatura Portuguesa, um funil social?”

P.S.: Relendo o meu post, no que se refere à atribuição do Prémio Nobel, a Niels Bohr, verifiquei que o meu erro não se referia à data desse prémio (1922) nem à data da sua morte (1962), mas ao ano de 1992! Renovo, portanto, o meu pedido de desculpas.

António Bettencourt disse...

Caro Rui, compreendi que a sua intenção não era secundarizar as ciências moles. Aliás, a expressão parece-me feliz neste contexto. Bom fim-de-semana.

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