terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Entrevista a Guilherme Valente

Com a devida vénia, transcrevemos a entrevista que Guilherme Valente, editor da Gradiva e colaborador habitual deste blogue, deu ao Blogtailors:

O que une José Rodrigues dos Santos a Rogério Casanova? Guilherme Valente, fundador e editor da Gradiva, sabe e conta-o nesta entrevista. Não gosta do título de editor independente e admite que este é o momento de recorrer ao mealheiro. E como sobreviverá uma editora, que aposta na divulgação da ciência, num país em que desaparecem os leitores?

P- Qual a maior dificuldade que um editor independente sente no dia-a-dia?

R- Não acho adequado o sentido com que anda a ser usada a expressão «editor independente». Independente de quem ou de quê? Todos os editores, que eu saiba, são independentes, não estão a cumprir qualquer desígnio que não seja editarem.

P- Qual a situação mais delicada por que passou enquanto editor?

R- Delicada, no sentido de difícil, só me recordo da situação que vivíamos antes do 25 de Abril, um tempo em que chegavam a apreender livros (nas editoras onde então trabalhei) por causa do texto numa contracapa. Ou seja, uma contingência sempre imprevisível, até ao ridículo. Muitas vezes percebia-se a razão (e podíamos prevê-lo), mas outras estupidamente — ou talvez não, porque o objetivo era sempre também fragilizar a editora. Um exemplo: num pequeno livrinho duma coleção das Publicações Dom Quixote, dedicado à questão da Irlanda, de que fui autor, escrevi na contracapa, para ilustrar a fotografia de um edifício em chamas, algo como isto: «Não há exército que consiga apagar o incêndio que devasta a Irlanda.» E o censor terá visto no meu texto uma alusão à guerra colonial… e viu bem.

Mas conseguíamos passar muitas mensagens, claro, muitas vezes no fio da navalha. Um exercício de criatividade, cujo êxito nos divertia muito.

Se a pergunta se refere a dificuldades económicas na minha condição de editor da Gradiva, respondo que temos sabido antecipar-nos sempre. Treino a antecipação todos os sábados no jogo de futebol com os meus Amigos.

Num outro sentido acrescento ainda que a maior dificuldade para uma editora como a nossa é a morte da escola, o domínio do analfabetismo e do iletrismo, a perda do desejo de saber, da curiosidade e da liberdade intelectual. Por isso é tão relevante publicar livros que façam leitores. Para acompanharmos um espírito livre em permanente inquietação e indagação intelectual — esse é um intelectual! — e, já agora, para nos apercebermos da miséria da nossa realidade intelectual dominante de hoje, leiam-se as cartas de António José Saraiva para Luísa Dacosta, um livro que acabámos de publicar, de que os especialistas em livros não irão falar, claro. Um bálsamo para quem o ler.

P- O que devem os editores saber rapidamente, sob pena de desaparecerem?

R- Disse-me um dia um grande editor americano que a atividade empresarial da edição é a mais difícil de todas. Quem tiver êxito nesta atividade empresarial terá em qualquer outra, disse-me. Uma editora como a Gradiva vive com gente culta e de talento. E depende da sobrevivência de leitores, de curiosidade intelectual e desejo de saber.

P- Como é a sua relação com o autor bestseller José Rodrigues dos Santos?

Perfeita. É um homem com uma inteligência brilhante e muito pragmático.

P- O que esteve por detrás da ideia de criar a Gradiva?

R- Contribuir para mudar a cultura portuguesa, pensando desde logo na promoção da cultura científica e na educação. Parecia uma ambição delirante, mas não esqueço o que o meu Amigo Professor Sedas Nunes me disse quando considerei a possibilidade de criar uma editora, hipótese que ele muito encorajou e apoiou: «O País precisa mais de um grande editor do que de mais um grande professor, não hesite.» O Professor Sedas Nunes era muito meu Amigo, de qualquer modo, sem falsa modéstia, acho que não o teria dececionado completamente.

Na verdade, não conseguimos tanto como sonhámos, mas tive testemunhos de que o nosso trabalho terá contribuído para a descoberta de algumas vocações e para suscitar outras iniciativas. Curiosa e surpreendentemente, nem só de Portugal. E houve mesmo um tempo, breve, em que o resultado da nossa intervenção se manifestou nas escolas. Depois veio o eduquês, e aconteceu o que Mário de Sottomayor Cardia bem previu, bem antes de eu o ter começado a combater — o eduquês com o seu efeito de idiotização geral. E a Gradiva trouxe-me Amigos fantásticos, que alimentam hoje a minha vida, a minha vontade de continuar a combater.

P- É dos poucos editores que não têm medo de dizer que ganham dinheiro com o seu trabalho. Quais os segredos da Gradiva e afinal quanto vale a editora?

R- Não me ficará mal revelar um dos segredos: as pessoas, as pessoas competentíssimas e generosas (generosas também porque conseguem ser minhas Amigas) que me rodeiam, o espírito da Gradiva, que também a mim me condiciona e de que se apercebe logo quem vem conviver connosco. Se há atividade em que a qualidade intelectual, profissional e humana das pessoas é decisiva, é a edição.

A editora, como caso singular que é, não tem preço. Quanto ao dinheiro que a Gradiva ganhou, podemos agora, temos agora, de começar a ir ao mealheiro.

P- Que projetos podemos esperar para o futuro da Gradiva?

R- Grandes livros, ainda mais rigorosamente selecionados, nos vários géneros que publicamos, desde logo na ciência (agora, uma verdadeira resistência). Enfim, livros de que a generalidade da crítica de hoje não é capaz de falar, mas que os nossos leitores esperam de nós e sabem apreciar.

Acho, aliás, ao contrário do que muita gente nesta atividade me parece continuar a pensar, que muito em breve só haverá mesmo lugar para os grandes livros.

Os e-books não serão capazes de salvar a leitura na dimensão que estou a referir. De facto, temos estado a assistir (há muitos indicadores disto) ao fim da leitura enquanto fenómeno generalizado, instrumento estruturante praticado, promovido, pela escola. Restará uma elite cada vez mais restrita. Repare que mesmo nas universidades já se lê muito pouco — não apenas os alunos, mas também os professores. Vou anualmente a uma Universidade participar em aulas ou conferências e todos anos vou verificando crescentemente isso. E os meus Amigos professores sentem e verificam o mesmo. A partir de 1500 (período em que grandes especialistas consideram ter ocorrido a única revolução total) não houve nenhuma grande manifestação humana, nas artes, nas ciências, etc., que não implicasse, de algum modo, a leitura e o livro. Estaremos a viver o fim dessa era?

P- Se pudesse fazer uma pergunta ao atual secretário de Estado da Cultura, qual seria?

R- Com o meu Amigo Francisco José Viegas tenho muitos temas para agradáveis e enriquecedoras conversas. Ao Secretário de Estado da Cultura não tenho nada para perguntar.

P- Dê-nos uma boa ideia para o setor editorial português.

R- Ter boas ideias próprias. Além da vergonha que devia ser andar atrás das boas ideias e dos bons autores que outros descobriram, a falta de ideias próprias traduz-se numa empobrecedora falta de diversidade editorial e, logo, intelectual e cultural.

P- Como vê as críticas que apontam a inclusão de José Rodrigues dos Santos como um fator de deterioração do catálogo da Gradiva?

R- Li com muito interesse e sempre com grande proveito todos os livros de José Rodrigues dos Santos. Se não fosse assim, não o publicaríamos. Recusei muitos livros que sabia irem ser best-sellers (perdoem-me não dizer quais). Também sempre achei incompreensível aquela ideia que se tornou quase um slogan: «Publicamos os maus para podermos publicar os bons.

Hoje, infelizmente, não leio tanta ficção como gostaria, mas estou a ler cada vez mais outra vez, sobretudo os clássicos que não li na altura própria — eu que julgava ter lido tudo. Tenho uma filha que é leitora compulsiva e se mete muito comigo por não ter lido o que ela já leu… Leio igualmente alguns autores contemporâneos, autores que o nosso meio literato promove muito, e interrogo-me: será que daqui a 50 anos alguém falará neles ainda? Que autores resistirão ao julgamento isento do tempo? A História está cheia de revelações surpreendentes.

Sabe, José Rodrigues dos Santos comete o pecado que entre nós, Portugueses, é o mais difícil de ser perdoado: o do êxito.

A inveja é um sentimento humano universal. Mas entre nós, na nossa cultura dominante, manifestamo-la de um modo terrível, autoflagelador (esse sentimento — ao contrário do que no meio popular se costumava ouvir — fere é quem o sente e exerce): tenta-se destruir os que invejamos, em vez de se tentar perceber o que os faz serem o que são e conseguirem o que conseguem e, assim, ir-se mais além, para benefício próprio e de todos. A visão do outro traduz-se, deste modo, numa dialética negativa, de que resulta uma diminuição de nós próprios, em vez de se traduzir numa dialética positiva, a superação das nossas próprias limitações.

E já agora, porque falamos em José Rodrigues dos Santos e estamos na época das prendas, vou oferecer ao Blogtailors uma «cacha»: não é José Rodrigues dos Santos, de facto, o autor dos livros publicados com o seu nome. O verdadeiro autor é… Rogério Casanova!

NOTA BIOGRÁFICA:

Guilherme Valente nasceu em Leiria a 1 de julho de 1941. Licenciado em Filosofia e pós-graduado em Relações Interculturais. É um dos editores mais prestigiados, no país e no estrangeiro, cultural e empresarialmente. Trabalhou nas Publicações Europa-América, nas Publicações D. Quixote e na Editorial Presença, editoras em que assumiu várias funções, tendo sido responsável pela publicação de inúmeras obras e por inúmeras iniciativas de promoção do livro e da leitura. Criou a editora Gradiva em 1981, um projeto editorial cuja novidade, qualidade e ação cultural têm sido amplamente reconhecidos. Criou e dirige na sua editora várias colecções pioneiras dedicadas à divulgação científica, à ciência, à matemática. Foi condecorado, em 1993, pelo presidente da República Dr. Mário Soares, com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, pelo contributo continuado e diversificado que tem prestado para a valorização da cultura portuguesa. Em 1998, foi agraciado pelo presidente Dr. Jorge Sampaio com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo trabalho pioneiro e continuado persistentemente na valorização da cultura científica e do interesse pela ciência, particularmente entre as novas gerações.

15 comentários:

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Instigo o Dr. Guilherme Valente, para publicar os livros do Professor José Sebastião e Silva; Obra de grande valor e que certamente constituiria a melhor referencia no catálogo da Gradiva na área das matemáticas.

Talvez este pedido revele ingenuidade da minha parte, pois talvez hoje como ontem, existirão, como dizia o Professor Andrade Guimarães (…) “Sujeitos ignorantíssimos, bem instalados nos meios habitualmente monopolistas da publicação de compêndios para o ensino secundário, ousaram defender os seus misérrimos interesses emitindo pareceres pejorativos sobre os compêndios originais de Sebastião e Silva”.

Mas são seguramente os melhores livros de matemática que existem em Portugal. São livros que estimulam os alunos talentosos, e como dizia C.G. Jung “O Talentoso, porém, é aquele que carrega o facho luminoso, e a própria natureza o escolheu para esse encargo”.

Oxalá possa a Gradiva, também aqui, ajudar a iluminar a caminho, publicando a Obra de José Sebastião e Silva.

Cláudia S. Tomazi disse...

Portugal elevastes o patrimônio
Per quais horizontes oh’inteligência
legastes vosso bem a humanidade
fora implacável de tua agência

Palavra é raiz de ramificada honra
o desígnio e a vida fazem-na crescer
qual ciência fora ética por editar
como fruto quisestes o tenro saber

vencer limites é conduzir a semente
por contínuo quão a rosa dos ventos
espalhar-se-á no labor do sentimento

que cultivas em sagrado movimento
terno vigor fora água aos sedentos
a luz do ventre que irradia toda mente!

José Batista disse...

A Guilherme Valente devemos, deve o país,

muitos e bons livros.

E devem os professores, e deve o país, uma luta

estrénua contra o "eduquês", traduzido na

idiotização das escolas.

Digo que lhe devemos, mas não creio que

ele pense que lhe devamos o que quer

que seja.

E por isso é muito grande a minha gratidão.

Pelas suas posições (contra o "eduquês) e pelos

livros.

Anónimo disse...

Só não percebo a preocupação de Guilherme Valente com o futuro do ensino: felizmente agora o eduquês já está a ser varrido das escolas e em breve tudo voltará ao normal.

António Pedro Pereira disse...

Caro Anónimo:
Ao contrário de si, eu acho que faz sentido G. Valente estar preocupado com o futuro da Educação, tal como todos nós, pois os problemas de que padece são muitos e graves, mas deles não fala G. Valente, porque simplesmente os não conhece ou porque tem receio de se distrair da sua cruzada contra o seu Diabo de estimação (o chamado «eduquês).
Eu, em conversas de amigos, costumo servir-me de um exemplo simples mas bem ilustrativo: se rasgarmos uma bandeira nacional ao meio, mostrar-mos uma metade a uma criança pequena que acabe de aprender a distinguir as cores e lhe perguntarmos de que cor é a bandeira nacional ela responderá, p. ex. verde; repetindo o exercício com a outra metade e outra criança ela dirá, vermelha. Ambas têm razão (metade da razão) e ambas estão erradas (metade erradas), a bandeira é simultaneamente verde e vermelha.
Este é o drama dos fanáticos da cruzada anti-eduquêsa, estão tão ideologicamente empenhados na luta (de morte) contra o eduquês que se esquecem, melhor, não conseguem sequer ver os restantes problemas, tão graves ou mais ainda do que o eduquês. E para piorar a situação, atribuem a causa de todos os males de que padece a nossa Educação ao eduquês, o que só um fanatismo dos mais vesgos que seja possível imaginar justifica.
Mas infelizmente é este o paradigma de análise e de actuação nos restantes sectores da nossa vida pública, em que as pessoas se dispensam de pensar, de pensar em conjunto e de identificarem claramente os problemas para que seja possível encontrar-lhes solução.
Restam as desconversas, os remoques, as atribuições de culpas, os insultos, uma verdadeira «guerra civil com punhos de renda», às vezes não só, com agressões verbais gratuitas.
Fazia-lhes bem conhecerem um pouco da nossa história educativa, felizmente que há já muitas obras (e fontes) para tal. Teriam certamente algumas surpresas, mas se se conseguissem primeiro despir dos preconceitos ideológicos que lhes condicionam as atitudes.

José Batista da Ascenção disse...

Ele há indivíduos que não são vesgos.

E dão lições sobre todas as coisas, mesmo que ninguém

lhas peça e todos lhas dispensem. Embora eu fale

(apenas) por mim.

E tanto escrevem "mostrar-mos", como "usa-mos" como

dão soberbas lições de etimologia. Eu já fui vítima

de uma "lição" dessas. Não quero maçar ninguém

expondo a prova do que afirmo. Porque me espanta e

me faz doer. Mas, se alguém duvidar do que escrevo,

pode confirmá-lo aqui:

http://dererummundi.blogspot.com/2011/10/contra-estes-exames.html

Dê-nos Deus santa paciência para aguentar situações que

não seriam expectáveis.

Que pode um mortal fazer?

De qualquer modo, farei tudo para não voltar a este

assunto.

António Pedro Pereira disse...

Senhor José Batista da Ascensão:
Confirmo mais uma vez que o senhor pertence ao grupo das pessoas infalíveis, quer na forma (escrita), quer no conteúdo (ideias) do que escreve.
Quanto à forma, nunca deixa escapar nenhuma gralha nos seus escritos (provavelmente nunca deixou e jamais deixará).
Quanto ao conteúdo, a sua maneira de pensar é a única que está sempre certa, a verdade acompanha-o sempre.
É um felizardo, foi ungido pelo Divino.
Parabéns.
Apesar de o que acabo de afirmar, o seu reparo foi-me útil por duas razões:
1.ª – Sempre me preocupei em ser claro nas ideias que expresso e na forma escrita (ou oral) que uso, pelo que tomo nota de todas as observações para não repetir as gralhas nem as ideias erradas (se me convencerem de que são erradas). Mas não tenho a menor ilusão de não voltar a dar um erro, deixar escapar uma gralha ou defender uma ideia errada;
2.ª – A sua observação veio dar-me razão: os donos da verdade única não suportam a presença de uma ideia que lhes perturbe um pouco, um pouquinho que seja, a sua narrativa, quanto mais aceitarem um ponto de vista diferente. Gostava de saber exactamente do que discorda em relação ao que expressei no meu comentário.
Isso sim, isso teria interesse para o debate de ideias, o único propósito deste espaço de diálogo aberto e livre: a troca de pontos de vista.
Talvez eu aprendesse algo nesse debate, nessa troca de ideias diferentes: a unanimidade é empobrecedora.

P. S. Em relação à «ofensa» da minha parte de que se sentiu alvo, a qual não conseguiu esquecer apesar de ter passado tanto tempo, em vez de publicar o link para que os restantes leitores se fossem inteirar sobre o que estava em causa, podia ter relido a primeira frase da resposta que lhe dei na altura: «Eu estou sempre aberto a aprender com os outros e a dar o braço a torcer quando me provam que não tenho razão.»
Mas cada um opta pelo que quiser, e o senhor tem toda a liberdade de fazer as suas opções, mas lembro-lhe também o que o senhor disse então: «O que mais me custa é que o corajoso, lúcido e honestíssimo texto de entrada não merece ser desdourado com discussões deste género».
Agora repetiu o erro que me apontou ao desviar o debate das ideias para uma questiúncula acerca de uma gralha.
A minha observação de então não era sobre uma gralha, antes sobre uma interpretação acerca da melhor escolha de uma palavra que considero rebarbativa.
Que mais quer que lhe diga senão repetir o que lhe deixei na altura?
«Eu estou sempre aberto a aprender com os outros e a dar o braço a torcer quando me provam que não tenho razão.»

Anónimo disse...

...quando não tenho razão, ou metade dela...

A terceira margem do rio.

Moral da história: Mesmo fraccionado o aprendizado deve ser integral.

António Pedro Pereira disse...

A afirmação de K. Popper que abaixo transcrevo tem-me servido (e continua a servir-me) como um guia de vida.
Discutir apenas com quem (eventualmente) pense como eu, para nos congratularmos com a coincidência de pontos de vista, para trocarmos «galhardetes», penso que é demasiado empobrecedor.
Mas não só há quem assim não pense como quem se incomode com as opiniões de que discorda, ora manifestando o seu desagrado, ora tentando escorraçar o «intruso», ora usando ironias mal assumidas. E estamos num espaço público e aberto, livre, de discussão de ideias; mais, entre pessoas de uma certa craveira intelectual, não entre pessoas simples do povo, iletradas ou perto disso.
Que faria se não estivéssemos?

«Afirma-se muitas vezes que a discussão só é possível entre pessoas que têm uma linguagem comum e que têm pressupostos básicos em comum. Penso que isto é um erro. Tudo o que é necessário é uma prontidão para aprender com quem discutimos, o que inclui um desejo genuíno de compreender o que essa pessoa quer dizer. Se esta prontidão existir, a discussão será tanto mais frutuosa quanto mais diferirem os pressupostos de fundo de quem discute.»
Karl Popper

José Batista da Ascenção disse...

António Pedro Pereira:

Nos seus textos nunca encontrei nada que rebater.

Nós não falamos a mesma linguagem nem abordamos os

mesmos conteúdos. Há-de (agora escreve-se há de)

ser impossibilidade minha.

Não precisa torcer o braço, que

sempre era um braço a menos.

Quanto aos erros que referi, que

para mim são inacreditáveis, se os vê como

gralhas menos incómodo é o seu.

A esse respeito, os defensores do "eduquês"

dizem que o importante é comunicar. E todos

revelam sempre alguma coisa, quando se

pronunciam.

Que eu, mais que defensores do "eduquês",

encontro muitos exemplares típicos, no

discurso e na ação, o que, se não é

deletério é, pelo menos, insuportável.

Aos leitores peço desculpa por me ver obrigado

a redigir um texto assim.

A si peço o favor de não colidir comigo.

É pequeno o mundo, mas suficientemente lago.

Não consigo ser mais franco.

Com pesar.

Ponto final.

José Batista da Ascenção disse...

No comentário que fiz anteriormente, onde escrevi "lago" queria, obviamente, ter escrito "largo".

Luís Ferreira disse...

O triste resultado que se vê por toda a parte - intolerância e agressividade, pobreza de argumentos e ilusão dogmática de certezas absolutas - nas escolas e nas universidades, na blogosfera e nos cafés, é sintoma degenerescente da nossa incapacidade filosófica e da nossa propensão para inquinar as mais sérias discussões. Um exemplo é esta reificação do eduquês e do não-eduquês. Sem querer alimentar a polémica acima, ou tomar partidos, não posso deixar de fazer a pergunta: digam-me quando, em 200 anos de escolarização compulsória, houve um momento "normal"? Dá-me vontade de rir, "como quem tem chorado muito", diria o Pessoa.

António Pedro Pereira disse...

Senhor José Batista da Ascenção:

Como há muito tempo percebi o seu extremo incómodo pelo que aqui deixo, há precisamente esse (muito) tempo que não me dirijo a si para discutir qualquer ideia (a excepção foi uma mera razão instrumental [Jan 12, 2012 04:28 PM]); nem tencionava jamais fazê-lo se não me tivesse interpelado (ainda que ignorando o meu nome [Feb 1, 2012 07:28 AM]), pelo que se torna redundante este seu aviso/pedido para que me «afaste» de si.
Quanto a confirmar a minha ignorância na escrita correcta do Futuro Imperfeito do Conjuntivo, usar-mos [Jan 15, 2012 02:33 AM], e mostrar-mos [Feb 1, 2012 02:02 AM], não admitindo que seja uma gralha cometida por distracção, pela pressão da escrita ou pelo computador (quantas vezes o Word o faz sem que nos apercebamos), que acaba por ficar no texto devido à falta da respectiva revisão, este facto mostra bem as suas qualidades de «tolerância» em relação a alguém de quem discorde e que o tenha interpelado [Oct 25, 2011 02:57 AM] e a quem fica com rancor.
Não contradiz as ideias que o outro expõe mas aproveita-se de uma minudência para o apoucar. Aliás, o paradigma é semelhante ao usado com o «slogan» do eduquês, atira-se com ele à cara do contendor e finda a discussão, tudo se resume a essa palavra (conceito) mágica que evita o acto de pensar, a discussão sobre os problemas (no caso todos os problemas que afectam a Educação).
Ao contrário de si, não lhe chamei a atenção para «Ele há indivíduos»;
Nem considerei inacreditável «lago» em vez de «largo», uma evidente gralha.
Fique tranquilo que não tenho por hábito «colidir» com ninguém, costumo discutir ideias, não agredir fisicamente ninguém (nem verbalmente). E quando reconheço ter-me equivocado não receio ficar sem os braços, ainda tenho os dois e já me equivoquei e pedi por isso desculpa muitas vezes.

António Pedro Pereira disse...

Senhor Luís Ferreira:

Isto é um espaço de discussão de pontos de vista diferentes, o que é normal.
Mas sempre que alguém aqui vem apanha logo com o eduquês nas orelhas.
E não o pode contestar, senão acontece o que o senhor acabou de ler nos comentários anteriores (e nos anteriores destes anteriores).
Se já tivesse lido o que aqui escrevo de vez em quando, confirmaria que o meu ponto é coincidente com o que enuncia no seu comentário: «digam-me quando, em 200 anos de escolarização compulsória, houve um momento "normal"?»
Eu respondo-lhe: NUNCA.
Ao longo do desenvolvimento do moderno Sistema de Educação, consideremos o período desde a Reforma de Passos Manuel, de 1836, em que a Educação e a Escola se passaram a assemelhar com o que hoje temos (embora a data fundadora tenha sido mais precisamente 1894, com a Reforma de Jaime Moniz), a única fartura que tivemos foi de problemas, que conviveram com a falta de meios e as insuficiências de toda a ordem, especialmente de resultados. Daí o nosso permanente atraso educativo, isto se nos compararmos com os nossos semelhantes do mesmo espaço civilizacional, cultural e geográfico.
E as extremas dificuldades, problemas e fracos resultados estão expressos, quer nos preâmbulos das milhentas reformas educativas feitas (1836, 1844, 1860, 1863, 1868, 1872, 1873, 1880, 1886, 1888, 1894, 1896, 1905, 1914, 1917, 1918, 1919, 1920, 1921, 1923, 1926, 1928, 1931, 1936, 1947, 1973, 1989, só aponto as mais importantes), quer na abundante e firme história da educação entretanto produzida.
Mas não, para certas pessoas só há problemas desde que o eduquês invadiu a Escola (especialmente a partir da Reforma Veiga Simão) e as coisas nunca estiveram tão más como estão hoje (e em certos aspectos sim, mas será só por causa do eduquês?) Quando os relatórios internacionais (p. ex. Education at a Glance) atestam o nosso atraso são apontados como exemplo que o confirma; mas quando atestam alguns progressos (ainda que ténues) estes só aconteceram porque o eduquês já está a ser combatido.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Do livro “O desenvolvimento da personalidade de C.G.Jung, retiro o seguinte texto (talvez ajude na questão do eduquês, através da reflexão).

“(…) Acresce que a criança, durante o seu desenvolvimento psíquico, deve percorrer as etapas da série de seus antepassados e apenas pode ser educada até ter atingido mais ou menos a etapa moderna da cultura e da consciência. O adulto, porém, já se encontra nesta etapa e se considera portador da cultura actual. Por isso se sente muito pouco inclinado a reconhecer um educador que lhe seja superior, tal como a criança. É também importante que não o aceite, pois de outra forma recairia facilmente num estado infantil de dependência.
O método educacional apropriado ao adulto não pode ser o directo, mas apenas o indirecto, que consiste em fornecer-lhes os conhecimentos psicológicos que lhe possibilitem educar-se a si próprio. Não podemos esperar tal tarefa da criança, mas devemos espera-la da parte de um adulto, sobretudo ao tratar-se de um educador. O educador não pode contentar-se em ser o portador da cultura apenas de modo passivo, mas deve também desenvolver activamente a cultura, e isto por meio da educação de si próprio. Sua cultura não deve jamais estacionar, pois de outro modo começará a corrigir nas crianças os defeitos que não corrigio em si mesmo.”

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