segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Memorizar a tabuada: sim, não, talvez...

Recente investigação de mestrado sobre o papel da memória na aprendizagem das tabuadas confirmou o que à partida se supunha: que os professores do primeiro ciclo se dividem quanto à importância dessa capacidade nessa aprendizagem.

Respondem uns que a “memorização é essencial no cálculo mental”, que “os alunos necessitam de memorizar as tabuadas para poderem efectuar as operações numéricas”, que “sem a memorização da tabuada os alunos perdem-se nos cálculos”, que "a memorização das tabuadas permite a resolver problemas com mais rapidez e eficácia”, que, afinal, “todo o ensino tem de ter por base a memorização”.

Outros, ao contrário, respondem que “a criança pode apresentar resultados correctos e até resolver multiplicações sem ter a tabuada memorizada”, ou que “alguém que nunca decorou tabuadas pode facilmente resolver os problemas que a implicam”. Que “a memorização está ultrapassada”, que “já não é importante”, que “ficou há muito tempo de lado” pois “não motiva os alunos” e “o que é importante é compreender”.

Outros, ainda, consideram a memorização relevante “mas não imprescindível ou obrigatória”. E, à semelhança das orientações curriculares, consideram “que “devem ser os alunos a construir as tabuadas”, que “os alunos têm que compreender a tabuada”, pois não é possível “conceber a memorização sem compreensão”. Assim, “só depois de o aluno compreender a tabuada é que a pode memorizar” e que "a memorização é a última etapa da aprendizagem da tabuada”.

Como um trabalho de investigação levanta mais perguntas do que aquela ou aquelas que o desencadearam, este, com carácter exploratório, deixa no ar curiosidade bastante para a realização de outros mais aprofundados.Tão distintas opiniões devem-se a formações diferentes? A leituras diferentes dos documentos da tutela? A reflexões diferentes sobre as práticas? A ethos escolares diferentes?

Referência do trabalho:
Oliveira. A. M. (2011). O lugar da memória na aprendizagem da tabuada: Orientações curriculares e concepções de ensino. Universidade de Coimbra: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Dissertação de Mestrado.

6 comentários:

Anónimo disse...

Associado a este tópico da memorização da tabuada há outro que já suscitou outra série de polémicas mais ou menos inflamadas, relativas - por exemplo - à aprendizagem de algoritmos de cálculo de multiplicação. A multiplicação que eu aprendi na escola é baseada num algoritmo que eu chamo de "tradicional":

11
x 13
----
31
+11
----
141

No entanto há outros pedagogos e professores, que propõem outros algoritmos, baseados na multiplicação de factores:

11 x 13 = (10+1)x(10+3) = 100 + 30 + 10 + 3 = 143

Ambas as "facções" apresentam argumentos prós e contra cada um dos algoritmos.

Os defensores da abordagem "tradicional" dizem que este algoritmo é mais "rápido" uma vez que se obtém o mesmo resultado em menos passos.

Os outros dizem que o método "tradicional" está obsoleto devido às calculadoras e o método alternativo é muito mais pedagógico porque é mais próximo daquilo que o cérebro realiza em termos de operações e tem a vantagem de preparar o aluno para a álgebra mais avançada onde este tipo de operações é mais comum.

Mas ambos exigem o conhecimento da tabuada para realizar cálculos mentais.

Peço desculpa por não incluir referências nem fontes para as minhas afirmações e lamento se referi alguma incorrecção.

Obrigado,

Miguel Pires

Sílvia disse...

Ultimamente tenho-me interessado pela leitura de trabalhos na área da neurociência e a sua possível aplicação à educação. Do que tenho lido parece-me que a memorização da tabuada é uma condição essencial para que os alunos possam depois aplicar esse conhecimento a outros exercícios mais complexos. É necessário ocorrer a automatização de tarefas mentais para que uma maior área do cérebro fique disponível para a realização de tarefas mais complexas.

E.R.Ferreira disse...

certamente:
.11
x13
---
. 33
11
---
143

José Batista da Ascenção disse...

Tantas opiniões diferentes sobre um tal assunto só podem, em meu entendimento, dever-se à formação/deformação profissional recebida por cada docente.

O que é um ser humano sem memória?
Como se raciocina sem memória(s)?

Que (raio de) mal faz a memória?

Haverá ao menos o direito de os pais exigirem que a escola exercite a memória dos seus filhos? Ou pelo, menos, podem esses pais escolher a escola que desejam para os seus filhos?

Ou o que se pretende é que os pobres, as multidões (cada vez maiores) de pobres, não consigam usar a memória?

Luís Bonifácio disse...

A memorização da tabuada é bastante importante para o desenvolvimento cognitivo da criança. É uma informação que terá que ter sempre à mão todos os dias da sua vida.

Também a memorização dos rios, ou das linhas de caminho de ferro é importante nãopela informação em so, mas sim pela capacidade de desenvolvimento cerebral. Não acredito que uma criança que não faça exercícios de memorização consiga mais tarde passar a uma disciplina como anatomia!

Anónimo disse...

"Tão distintas opiniões" são consequência da nossa condição humana - "... foi-nos dado à nascença/ O querer mais longe e alto ir nossa alma" (Goehte,Fausto,v.1092,1093).

Quanto à minha opinião sobre a importância da memorização da matemática, expimo-a através de uma analogia: como pode o aprendiz de músia ler uma pauta musical se não souber de cor as notas musicais? O mesmo se passa com a Matemática.

Continuando com uma argumentação analógica, se a inteligência funciona como um músculo, e este se revigora com o exercício físico e atrofia na sua ausência, então a memorização só poderá ser um exercício revigorante para a inteligência.

Também se coloca aqui a dicotomia de uma pedagogia assente na memorização versus uma pedagogia assente na compreensão. Fausto sofria por se sentir dividido: "Duas almas tenho em meu coração,/ Uma da outra a querer-se separar:/ Uma apega-se, em paixão rasteira,/ Com todos os seus órgãos à matéria;/ A outra quer erguer-se da poeira/ E subir ao reino da sua origem etérea."(op.cit.v1112-1117).
Trata-se, no meu entender, de uma falsa questão, pois uma pedagogia contemporânea não pode negligenciar nenhuma delas. Goethe, no início do século XIX, inverte o sentido do provável ao permitir o resgate de Fausto pelos anjos, mesmo depois de este ter vendido a alma ao diabo e ter usufruído na terra dos benefícios desse contrato. Assim se põe em causa a constrangedora e limitadora dicotomia: abrem-se outras possibilidades ao mundo.

Na actualidade, a evolução do conhecimento cientítico , indissociável da diáspora do conhecimento humano, já atingiu o estágio da desconcertante “verdade provisória”. Isto para concluir que o pensamento que sustenta decisões dicotómicas já não é aceitável.

Não ponhamos, pois, de parte, nem a memorização nem a compreensão, nas práticas educativas: ambas são necessárias como instrumentos para o aluno poder, mais tarde, aceder a um método que o leve a descobrir e a reflectir por si próprio, finalidade última e vital do ensino escolar.
HR

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