A pouco e pouco, os sistemas de ensino ocidentais têm afastado a cultura clássica dos currículos da escolaridade básica, secundária e superior. Uns têm sido mais eficazes do que outros nessa tarefa, sendo que o nosso têm sido muitíssimo eficaz. Criança que entre no Jardim-de-Infância saíndo adulto com Doutoramento poderá nunca ter lido e analisado nos bancos da escola um único texto antigo. Sim, é verdade: em vinte cinco anos de estudo pode não surgir a oportunidade de conhecer o fundacional Homero!
Esta peristente opção política para a educação, aparentemente sem fronteiras, está longe de ser pacífica: tem desencadeado contestação e resistência por toda a Europa e nos Estados Unidos. Um dos resultados é a publicação de diversas obras, muitas delas de divulgação, que insistem na ideia de que não podemos abandonar os Clássicos, sob pena de retrocedermos em termos civilizacionais.
Esse é (também) o mote do livro Voltar a ler os Clássicos, de Roger-Pol Droit (dado à estampa no ano passado com um título diferente deste que a Temas e Debates/Círculo de Leitores lhe atribuiu). Sobre o que acima escrevi, nas páginas 216 a 218 pode ler-se o seguinte:
"Para as humanidades vai tudo mal. O ensino das línguas reduz-se a cada ano. Dos liceus, a decadência ganhou as universidades. Presentemente, afecta a formação e o recrutamento dos professores e a investigação. Não é preciso ser catastrofista para recear o pior. Uma nova idade obscura é possível, mesmo provável. Nada exclui que se deixe de saber, em pouca gerações, o antigo grego, ou mesmo o latim. Decerto que nada morrerá de facto: os velhos textos já passaram por pior. Sabem manter-se sob a poeira dos séculos, no meio do bolor e do esquecimento. Mas viveremos sem eles. Muito pior. Muito menos humanos.
Face a esta eventualidade, todas as moblizações são úteis. Individuais, associativas, profissionais. Todos os meios devem ser utlizados. Desejaria que estas resistências tivessem a amplitude necessária e a inteligência exigida, sem esquecer a tenacidade que é precisa. Para dizer a verdade, duvido. Não da resolução dos investigadores da Antiguidade ou da determinação dos últimos humanistas, mas do seu número e do seu peso.
Quantos esquadrões têm as humanidades? Poucos, afinal. Cada vez menos. Em comparação com as forças do esquecimento, quase nada. Em relação à desumanidade corrente, zero. O mais grave, porém, não é a falta de meios ou de audiência, mas o que está por detrás: uma falta do imaginário. Socialmente a nossa representação da Antiguidade está falida. Os Antigos estão no desemprego. Já não são modelos, nem heróis. Nem objectos de desejo, nem sujeitos de curiosidade, fundem-se na bruma cultural.
Apesar de tudo, e contra toda a razão, parece-me que desesperar não é obrigatório. Pelo contrário. Poderá mesmo acontecer que o princípio da positividade do negativo se aplique à situação presente. Os Antigos já não têm papel a desempenhar? É o momento de os reiventar. Já não são aprendidos de cor? É porque estão em rede disponíveis na Web, de todo o lado e para todos, gratuitamente. Estamos em vias de nos tornarmos bárbaros? Mais uma razão para pilhar os tesouros antigos, sem respeito, sem regras.
Génios que se tratam por tu, itinerários pessoais inumeráveis, Antigos às cores, longínquos mas próximos... talvez seja esse o esboço de uma outra história. Nada impede que comece hoje. Para quem realmente o queira."
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