terça-feira, 18 de outubro de 2011

Parar o sistema - 2

Texto na continuação de um anterior.

Na verdade, nunca mais me esqueci da solução simples que um director avançou para pôr ordem o sistema educativo: “pará-lo”.

À medida que tenho aprofundado o conhecimento do nosso sistema e doutros geográfica e ideologicamente próximos, tenho também interiorizado essa solução: num primeiro momento, pará-los; num segundo momento, reconstruí-los a partir do zero.

Parar um sistema educativo significaria fechar o ministério da Educação e todas as suas dependências, bem como todas as escolas, sem excepção.

A sociedade, habituada que está a deixar crianças e os adolescentes todo o dia na escola ver-se-ia confrontada com o enorme problema de não saber o que fazer; seria um caos, talvez... porém, um caos visível, e não mais preocupante do que aquele que, embora por vezes invisível, está instalado e que se tenta constantemente iludir.

Os professores teriam umas férias alargadas e, nessas férias, fariam aquilo que entendessem para recuperarem saberes, forças e ânimo, voltando os que quisessem mesmo ensinar, os que tivessem saudades da sua escola, da sua sala de aula, dos seus alunos.

Certas orientações internacionais para a educação, as centenas ou milhares de documentos normativo-legais (com excepção dos princípios constitucionais básicos para a educação) e de documentos curriculares e programáticos, e de outros que não são nem uma coisa nem outra, e mais os documentos avulsos, e também as centenas ou milhares de manuais escolares, sem esquecer os projectos educativos, curriculares de escolas, de turmas e os planos de actividades… tudo seria guardado num grande, enorme armazém para memória futura, mas nada disso deveria servir sequer para consulta. Não iria adiantar de muito e poderia, talvez, prejudicar, a pretendida clareza.

Entretanto, um grupo restrito, mesmo muito restrito, de pessoas legitimamente empenhadas na educação escolar, trabalharia muitíssimo para acertar, antes de mais, os princípios de onde se deveria partir e os fins que se deveriam perseguir. Era coisa para filósofos e epistemólogos, certamente, mas também para sociólogos e para representantes de diversas instâncias da sociedade (professores, certamente; encarregados de educação também… e profissionais de várias áreas).

A orientação seria a que esse grupo entendesse por certa. Não deveria estar obrigado a seguir estar ou aquela orientação a priori, apenas deveria estar obrigado a produzir uma orientação inequívoca. Afinal cada sociedade tem de determinar o que quer para a educação das novas gerações e das gerações mais velhas, e tem de se comprometer com esse objectivo, assumir a responsabilidade de o cumprir.

Uma vez chegados a um acordo consistente, traduzido em meia-dúzia (não mais) de enunciados curtos e claríssimos, era hora de os operacionalizar, de lhes imprimir funcionalidade, por quem, de facto, soubesse fazer isso.

Isto, pela ordem que se segue:
(1) produção de um número muitíssimo restrito de documentos curriculares e programáticos, breves e claros, materializados em palavras rigorosas, num todo com sentido, de modo que toda a gente os entendesse à primeira, pudesse ver o alcance e vislumbrar a transposição para a prática;
(2) formação de professores, muito pragmática; produção de documentos didácticos funcionais; e organização de escolas. Estas três áreas em simultâneo e em consonância com as directrizes dos ditos documentos. Trabalhar-se-ia intensivamente para que o sistema educativo voltasse a funcionar o mais depressa possível;
(3) depois disso, teria de se apostar no acompanhamento: análises honestas e muito concretas que poderiam justificar reajustamentos, mas sem acrescentar papéis, apenas reformulando aqui e ali os existentes…

É uma utopia? Talvez. Mas em período de crise as utopias não podem ser dispensadas.

Há, porém, neste raciocínio directo, apenas um problema: E, se o sistema recomeçasse a ser auto-gerido, a perder-se com novas entropias, como parece ser a sua tendência intrínseca?

4 comentários:

Anónimo disse...

O compromisso da escola deve ser o de garantir que as novas gerações tenham acesso ao que de mais significativo os nossos antepassados pensaram e exprimiram na odisseia do conhecimento e das artes, acreditando que só assim se pode garantir um continuum civilizacional realmente portador de futuro. A escola deve oferecer o húmus da civilização humana a todos os seus cidadãos.

No entanto, se se hipotecar a experiência do presente, como até aqui se tem feito, o sistema implodirá. O presente tem que se comprometer de forma inequívoca com a matéria prima com que a escola trabalha, ou seja, alunos e professores. Partindo do princípio que só voltariam à escola os professores “que quisessem mesmo ensinar, os que tivessem saudades da sua escola, da sua sala de aula, dos seus alunos”, seria preciso focalizar de forma responsável as necessidades das crianças e adolescentes, não lhes retirarando a maior dádiva da existência humana: a experiência de viver o presente.

É do senso comum que as crianças precisam de brincar, e ninguém se sente desconfortável com a ideia. Por que será que as necessidades da adolescência criam tanto desconforto nos adultos? Este novo sistema que aqui imaginamos também teria que se precaver para não admitir professores que se enojassem com o cheiro dos adolescentes e que se atrapalhassem até à raiva com o humor incisivo e frequentemente corrosivo dos mesmos. A escola só poderia admitir professores que gostassem de crianças e de adolescentes.

Entretanto, os intervenientes neste sistema que aqui continuamos a imaginar teriam de ser permeáveis às entropias que certamente surgiriam, pois são intrínsecas à natureza humana. Será que mentes com uma cultura geral eclética e sólida formação ética não poderiam tirar partido das inevitáveis entropias, albergando-as como possibilidades criativas? Talvez fosse possível para os sucessores de algumas boas décadas de ensino de qualidade.

Ou terá, ao invés, a condição humana de se conformar com uma existência dentro do inevitável paradigma de declínio e regeneração subsequente?
HR

José Batista da Ascenção disse...

Parar o sistema educativo não é uma utopia, é uma impossibilidade.

E se, em vez de pará-lo, à espera que um grupo de sábios nos conduzisse a uma espécie de "dia inicial, inteiro e limpo", se determinasse que ninguém é dono dele, logo que ninguém pode impor metodologias únicas, ao serviço de interesses instalados, possibilitando às pessoas a escolha da escola e dos métodos que julguem mais adequados, sujeitos os consequentes resultados a controlo universal (e consensual) de rigor, podendo mesmo os encarregados de educação, em caso de concluirem que a escola lhes deseduca crianças e jovens, e após cumprida uma escolarização mínima, dos seis aos catorze anos, por exemplo, retirar os seus educandos da escola?
Então, talvez o(s) sistema(s) educativo(s) começasse(m) a fazer sentido.
Ou, pelo menos, a merecer o respeito de crianças, jovens e adultos.

Jaime Carvalho e Silva disse...

Cara Helena
É impossível haver "um número muitíssimo restrito de documentos curriculares e programáticos, breves e claros, materializados em palavras rigorosas, num todo com sentido, de modo que toda a gente os entendesse à primeira, pudesse ver o alcance e vislumbrar a transposição para a prática".
Já para não falar das ambiguidades próprias da lingua portuguesa, a prática é demasiado complexa, em cada disciplina curricular, para se poder reduzir a poucas palavras, supostamente rigorosas e claras. Nem em Matemática que é supostamente rigorosa e sintétitica. Em nenhum país do mundo isso acontece: ou os documentos oficiais são longos ou se são curtos são acompanhados de inúmeros documentos complementares de esclarecimento e exemplificação.

Fartinho da Silva disse...

Cara Helena,

E os lobbies iriam viver de quê?

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