Fez um leitor alusão a uma história clássica que evidencia duas grandes tendências que têm acompanhado a educação formal, tanto quanto se sabe, desde a Antiguidade, e que se apresentam como opostas: a clássica e a prática. Reproduzimos, de seguida, essa história numa versão de 1939, retomada em 1993. Mas há outras versões, como se pode perceber aqui.
“No Paleolítico, uma tribo desenvolveu um curriculum educacional baseado nas necessidades de sobrevivência. Os jovens eram ensinados a espantar os tigres dente-de-sabre com tições incandescente, a abater cavalos de pêlo comprido para se vestirem e a pescar com as próprias mãos.
No entanto, conforme os anos passavam, iniciou-se a Era Glaciar e as necessidades de sobrevivência mudaram: os tigres morreram devido ao frio, os cavalos fugiram e os peixes desapareceram na água enlameada. Em seu lugar, apareceram enormes ursos ferozes que não se afugentavam com o fogo, antílopes que corriam velozes como o vento (os cavalos de pelo comprido eram desajeitados e lentos) e novos peixes se escondiam na água enlameada.
A tribo depressa se deu conta que o curriculum educacional deixara de ser relevante. Afugentar tigres, abater cavalos e apanhar peixes eram relíquias dos dias antigos. A tribo precisava agora, de aprender a fazer armadilhas para os ursos, a enganar os antílopes e a fazer redes de pesca. ~
Contudo, o sistema educativo da tribo declarou em tom altivo: Não sejam tontos... Nós não ensinamos a apanhar peixes para apanhar peixes, mas para desenvolver uma agilidade generalizada que nunca se poderia desenvolver através do simples treino de fazer redes. Não ensinamos a abater cavalos para abater cavalos; ensinamo-lo para desenvolver uma força generalizada que não se poderia obter fazendo uma coisa tão prosaica e especializada como é uma armadilha para enganar antílopes. Não ensinamos a afugentar tigres para afugentar tigres; ensinamo-lo para dar aquela coragem nobre.”
Referência:
Peddiwell, J. A. (1939) in Sprinthall & Sprinthall (1993). Psicologia Educacional: uma abordagem desenvolvimentista. Lisboa: Mc Graw-Hill.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
13 comentários:
A meu ver, a Helena toca no cerne do problema que enferma o nosso sistema educativo: um curriculum educacional baseado nas necessidades de sobrevivência, utilitarista e irrelevante face aos desafios do futuro. Parabéns.
Julgo que devemos diferenciar o conteúdo da forma.
No exemplo, parece-me que os conteúdos se desactualizaram. O currículo perdeu objectividade e o conteúdo do que era ensinado desadequou-se porque o mundo, o contexto, mudou, mas o currículo não acompanhou essa mudança (embora também faça parte do mundo).
Já não interessará aprender a "afugentar dentes de sabre", mas sim ursos. São eles que passaram a fazer parte do contexto. Mas isso será suficiente para alterar a forma de ensinar, quando sabemos que "o melhor ensino apenas pode ser feito quando há uma relação individual directa entre um estudante e um bom professor"? (como diz o Feynman, ali no post em baixo, com o qual concordo plenamente).
E há outra questão: se reduzirmos o ensino apenas ao seu carácter utilitário, não passarão as universidades a ser apenas escolas de formação profissional? Mas queremos formar o homem integro e universal, ou apenas a sua dimensão ligada à profissão?
Ora o Homem é mais do que aquilo que faz. É aquilo que sente, aquilo que pensa, aquilo que sonha, aquilo que diz e muito mais.
António Duarte
Ensinar dactilografia ou informática é uma resposta às mudanças ambientais (actualmente, sociais).
Mas não sucede o mesmo com a Matemática ou a Física (por exemplo). Com ou sem Glaciação, com tigres dentes de sabre ou com ursos polares, é preciso dominar alguns saberes fundamentais.
Ou melhor: é preciso que muitas pessoas dominem. Não necessariamente todas. Algumas podem preferir algo mais prático: caçar e construir os utensílios necessários para a caça, seja de tigres dentes de sabre seja de ursos polares. Ou seja: algumas podem preferir, ao estudo da Matemática e da Física, um Ensino Profissional (que se distinga pelo carácter prático e profissionalizante e não pelo facilitismo, como sucede em Portugal).
Ou será que vivemos tempos em que o currículo varia tão rapida e tão mal fundamentadamente que (quase) nada (do que) se aprende é verdadeiramente válido?
Por outro lado, falar e escrever bem (pelo menos) uma língua, especialmente a língua mãe, dominar conceitos matemáticos, perceber os fundamentos da matéria e energia (físico-química), entender aspectos importantíssimos da biologia (a higiene, a saúde, a ecologia...), ser sensível às àrtes (o desenho, a pintura, a música...), não mantêm a sua (real) pertinência durante todo e qualquer tempo? Ou mudamo-las porque há uns entendidos que nos mandam mudá-las?
Pois, pois...
Dito de outro modo, por que é que os sistemas educativos, sob a capa de serem públicos, se tornam coisas autoritárias, impostas a todos os cidadãos, mesmo àqueles que as consideram a mais crua deseducação?
Será que um cidadão tem que entregar as suas crianças nas mãos de quem não tem conhecimentos para ensinar-lhes?
Aprende-se a tocar piano e a ensinar a tocar piano estudando principalmente teorias sobre como tocar piano? Ou é preciso mesmo tocar piano?
É de facto o mesmo, o fogo que serve para afugentar tigres e aquele que serve para produzir electricidade. Nas palavras de Edgar Morin, "O dever principal da educação é o de armar cada um para o combate vital para a lucidez."("Os Sete saberes necessários à educação do futuro").
"íntegro" ou "integral"?... JCN
No comentário que produzi anteriormente, onde escrevi "Ou mudamo-las porque há uns entendidos que nos mandam mudá-las?", devia ter usado o género masculino.
Isto de escrever num rectângulozinho cujo tamanho não se pode maximizar, "encanita-me"...
As minhas desculpas
Caros senhores: olhem que o ser humano não chegou a conhecer... o tigre dentes-de-sabre"! Onde ele já ia! Limitem-se aos ursos! JCN
No Brasil faria sucesso!
Além de ser bem própria para realidade educativa, a qual devida a violência que encontra-se por vias do absurdo, você tem que de fato ter esta psicologia por defender-se...
Então mas afinal, os comentários em verso são proibidos ou permitidos?
Com efeito, cara Senhora, enquanto o tigre dentes-de-sabre é um bicho do Terciário, o homem é uma besta do Quaternário: não se conhecerm! JCN
Tomando em consideração que há pessoas incapazes de distinguir uma gralha de um erro de ortografia, apresso-me a corrigir a gralha "conhecerm" por "conheceram". "Por si las moscas"! JCN
Se você fosse Pedagogo(a) da escola das crianças da tribo paleolítica, que soluções apresentaria para resolver o problema da mudança climática e sua interferência no currículo da escola? Apresente a solução em um mini projeto que descrevas as ações necessárias para solucionar o problema.
Enviar um comentário