segunda-feira, 7 de março de 2011

SÓ É PARVA QUEM QUER


Texto de opinião recebido de Elsa Ligeiro, que dirige a editora Alma Azul:

O novo Reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, afirmou na sua tomada de posse, e em tom claro, o seguinte: A Universidade é o lugar certo para pensar e mudar o mundo. Sabe bem escutar da voz de quem chega para liderar a mais antiga Universidade do País um discurso tão positivo quanto ao futuro. Apesar de o Ensino Superior viver dias difíceis, de falta de dinheiro, mas não só.

A qualificação e a excelência em Portugal continuam a ser uma excepção e não a norma. E estas de pouco valem sem maturidade. Não se pode abordar o ensino universitário sem passar por um ensino secundário tão pouco dado à qualificação e à excelência. Como olhar o ensino e o seu 12.º ano sem o constrangimento de ver alunos com nota alta que garante a entrada no Ensino Superior sem saberem ler, ou escrever, com o mínimo de destreza? E a Matemática, grande formadora da razão, completamente marginalizada pelos alunos de humanidades?

E que dizer do Pensamento? Do saber pensar de que fala o novo Reitor, que não é tarefa só para universitários, mas deve ser uma componente nuclear desde o ensino primário (1.º ciclo), sobretudo quando em Portugal até se glorifica a ironia de alguém se chamar a si própria de parva.

E que pensar dos que opinam sobre a sociedade portuguesa que, a julgar pelos jornais e redes sociais, é uma terra de ninguém. Sem responsáveis. Com gente que não escolhe, não vota. Com a imagem do senhor Sócrates a servir de bombo a todas as pancadas sonoras que livram (ou libertam) professores, pais, e os próprios jovens de 30 anos à procura do seu primeiro emprego, que julgam um direito adquirido ao nascer. Igual ao de serem homens e mulheres livres, com a responsabilidade cívica que tal direito os obriga. Sobretudo para com o país que os qualificou.

Um Ensino que não clarifica o pensamento; que não se preocupa com o pensar. Que não ajuda as crianças e os jovens a sentir a diferença entre trabalho e emprego; que não os ensina a lidar com os valores da liberdade e da solidariedade (só com a enigmática Bolsa de Valores que até há pouco todos glorificavam e que agora ninguém se responsabiliza por ela); que não lhes exige o esforço da escolha e da responsabilidade desde cedo: na família, no infantário, na Escola, na comunidade. Um Ensino que desde o primário ao secundário se transformou numa produção de funcionários para empregos (se possível) no Estado, dificilmente chega ao nível Superior fornecendo capacidade e vontade para pensar e mudar o mundo, como deve e pode ser também em Portugal.

Elsa Ligeiro

16 comentários:

Anónimo disse...

"A Universidade é o lugar certo para pensar e mudar o mundo." Não é! A Universidade não muda o mundo, só por brincadeira se pode acreditar nisso. Mas pode ser um lugar para pensar. Porém está a sê-lo cada vez menos. Reproduzo uma frase de Prado Coelho (salvo erro). É assim: " as questões fundamentais têm a ver com a existência de uma Universidade que seja apenas uma peça da sociedade de mercado ou que permaneça, segundo a melhor tradição, como um lugar de pensamento que resiste a todas as tentativas de instrumentalização". A tendência é para que seja apenas uma peça da sociedade de mercado. O Reitor não começa bem, ou é ingénuo...

Luis Alves da Costa disse...

Quantas das pessoas que estão nos lugares de decisão portugueses foram sujeitas a qualquer tipo de percurso académico?
Esse seria um dado estatístico importantíssimo, no Censos 2011, mas nós não temos pressa: pode ficar para o Censos 3011

Anónimo disse...

E o que pensar de alguém que avalia os seus concidadãos com tanta ligeireza?!
Esta já não é a primeira “geração parva”. A dos pais deles (a minha) também foi, porque pensou que o 25 de Abril iria permitir que se revalorizasse o mérito de um conjunto de cidadãos com capacidades e qualidades, morais e cívicas, capazes de fazer deste país um sítio bom para viver, trabalhar, evoluir, criar filhos… Sim, porque a antiga escola os formava capazmente, não era?! Era, era… Assim que terminámos os cursos, já cá tínhamos o FMI, os recibos verdes e as empresas de trabalho temporário.
A dos avós foi outra, porque partiu para França para poder trabalhar (… só nós…) e a dos bisavós para o Brasil…
Estes parvos que vão para a Alemanha, para a América do Obama ou para outra terra qualquer, porque este nosso mundo a bem não muda e a mal os nossos brandos costumes não permitem.
Parvos são aqueles que, com ironia, se apelidam de parvos. Mais parvos não serão aqueles cujo pensamento, clarificado por outros pais, outros professores e outros países, os qualifica para desqualificar os primeiros.

Parva por herança

Carlos Albuquerque disse...

Acho espantosa a necessidade generalizada de contrariar a canção dos Deolinda. Trata-se de uma canção com muito mais profundidade do que a maioria das leituras que têm sido feitas dela e devia fazer-nos pensar mais na maneira como estamos a organizar a sociedade.

Fartinho da Silva disse...

Este texto é deveras curioso. A ligeireza com que é tratado tão importante assunto é assustador. Antes de se produzir tão eloquente artigo e de se atirarem as responsabilidades para ..., convém estudar os assuntos com muito maior profundidade.

Do jornalismo pós-moderno em que os jornalistas são especializados em... jornalismo já nada espero, mas de um blog como este esperaria muito mais.

Quem é a geração parva? Não serão licenciados em áreas tão úteis para o mercado como:
- ciência política;
- ciências da educação;
- sociologia;
- manutenção de campos de golfe;
- relações internacionais;
- relações económicas;
- comunicação multimédia;
- educação básica;
- educação infantil;
- direito;
- comunicação e relações públicas;
- animação sociocultural;
- restauração e catering;
- turismo e lazer;
- gestão hoteleira;
- análises clínicas e saúde pública;
- dietética;
- educação ambiental;
- educação social;
- engenharia biotecnológica;
- engenharia química e biológica;
- fitofarmácia e plantas aromáticas e medicinais;
- gestão de negócios internacionais;
- gestão e administração pública;
- guia intérprete;
- informática e comunicações;
- línguas para relações internacionais;
- etc.

Atenção que TODAS estas licenciaturas são REAIS em Portugal.

Portanto, parece que a culpa é do ensino... não superior!

Quando o populismo e a demagogia criou tantas escolas superiores e um número tão vasto de cursos superiores estávamos à espera de quê? Mais cedo ou mais tarde apareceriam os licenciados nestas "coisas" a sentirem-se completa e absolutamente enganados pela geração que criou um sistema de ensino completamente absurdo. As expectativas eram altas e de repente deparam-se com a dura realidade, a realidade de que não há lugar (como era e é evidente) no mercado para estas pessoas.

O ensino não superior está, também, cheio de demagogia e populismo. Foi transmitida a ideia que aprender não exige esforço e a ideia que todos poderiam seguir o mesmo trajecto académico. O resultado é de todos conhecido.

Mas o ensino superior também colaborou nesta enorme farsa. Primeiro com o discurso muito pós-moderno em que se misturou ciência com ideologia e burocracia e se colocaram as escolas do ensino não superior públicas ao serviço de experiências, primeiro pessoais e depois de grupos de pressão. E em menos de um fósforo apareceram escolas superiores em todos os cantos do país com licenciaturas tão diversas e importantes para o país como "restauração e catering" e com formas de acesso a cursos como Engenharia Electrotécnica como "uma das seguintes provas: Matemática A, Desenho A, Geometria Descritiva"!

Estávamos à espera de quê?

Não! A culpa não é da sociedade!

Fartinho da Silva disse...

Aqui está mais um péssimo exemplo de tudo aquilo que tem sido feito em Portugal com os resultados que todos conhecemos. O curioso é que se insiste, e insiste, e insiste, e insiste, e insiste. Parece a publicidade das pilhas duracell.

"A CooLabora, cooperativa de consultoria e intervenção social, e a Universidade da Beira Interior, vão lançar um programa de voluntariado para os estudantes universitários promoverem acções contra a violência nas escolas da região.

Os organizadores esperam juntar um grupo até 20 voluntários para intervir "em cinco escolas do concelho junto de alunos a partir dos 10 anos e até ao ensino universitário inclusive", explicou à Lusa, Graça Rojão, técnica social. A intervenção "vai centrar-se na dinamização de jogos pedagógicos nos recreios escolares, tendo em vista prevenir problemas como o bullying ou a violência no namoro", sublinhou. O objectivo passa por "reforçar a capacidade dos alunos e alunas de resolução não-violenta de conflitos".

A iniciativa intitulada Ubicool está incluída no Ano Europeu do Voluntariado e da Cidadania Activa. De acordo com Graça Rojão, as fichas de inscrição de voluntários já estão disponíveis e a Coolabora pretende "desafiar os jovens universitários a realizar actividades de promoção de uma cultura de paz e de não-violência em contextos educativos".

A partir do momento em que se inscrevam, "os voluntários são convocados para uma reunião inicial e um processo de selecção". Daí em diante, realiza-se um trabalho em conjunto coordenado pela Coolabora, concluiu."

Fonte:
http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1800663&seccao=Centro


Os pais dos alunos violentos que lêem esta notícia ficam a pensar o quê? Ficam a pensar que não têm que fazer nada, porque a CooLabora e a UBI resolverão!! Se os resultados forem aqueles que quem lecciona ou leccionou no ensino não superior público espera, ou seja - resultados nulos, ou muito próximos disso - estes pais atirarão com as responsabilidades para os outros, neste caso a escola, a CooLabora e a UBI.

Anónimo disse...

Mais que um país de parvos... somos um país aparvalhado! JCN

Anónimo disse...

Muita é a ciência de senhores(as) que têm a barriga cheia e tempo para o ócio. Podem dar-se ao "luxo" de pensar e ter certezas sobre tudo e todos.

doce laranja amarga disse...

Eu estou com um dos anónimos.
Sempre ouvi os meus pais a dizer mal da minha geração e realmente fizémos erros vários, mas eles também já os tinham feito e sérios.
Educámos mal os filhos (generalizando), demos-lhes facilidades de mais e não lhes explicámos que a vida não é fácil.
No entanto, a geração dos meus filhos também já fez erros, aceitando de mão beijada o que lhes era oferecido sem mada porem em causa.
Faz parte da condição de filho e de adolescente contestar os pais e a sociedade em geral, porque tanto uns como outros erram.
O grande erro da minha geração, foi sonhar diferente e acabar por fazer mais do mesmo e educar mal a geração dos meus filhos.
Pela parte que me toca, as minhas desculpas.
Por isso, gerações parvas sempre as houve, mas penso que nenhuma até hoje ficou sentada à espera que lhe caísse do céu as oportunidades. Bateram-se por elas, mesmo tarde, mas bateram-se.

Anónimo disse...

Caro Carlos Albuquerque:
A profundidade estará na sua reccionarice? Vem na linhas dos que pensavam que uma licenciatura era passaporte para um bom emprego e que criam que um licenciado era superior ao seu semelhante e deveria estar dispensado de trabalho manual, tratado por Senhor Doutor pelos outros etc. Diz ela (salvo erro, cito de cor): tenho de estudar para ser escrava. Respondo, pois que não estude se não gosta e lhe dá uma trabalheira. Só estudar já é um grande bem em si.

José Batista da Ascenção disse...

Li este texto ("post") várias vezes e entendi que não valia a pena comentá-lo.
Há coisas que não se abordam com tamanha ligeireza...
Agora fi-lo, mas apenas porque não podia deixar de agradecer a Fartinho da Silva.

Marta Carvalho disse...

Tenho trinta e quatro anos e, supostamente, pertenço a duas gerações: a rasca e a parva. Antes de mais gostaria de dirigir as seguintes palavras ao Sr. anónimo que comentou o texto do Sr. Albuquerque: Estudar em Portugal é extremamente fácil. Não requer nenhum tipo de esforço ou dedicação. Podem-no comprovar alunos com o nono ano de escolaridade que não sabem ler nem escrever. Mas, quem quiser aprofundar os seus conhecimentos em qualquer coisa menos óbvia que direito, medicina, comunicação social e afins tem um caminho árduo pela frente. Não é possível lutar por trabalhos que não existem.
A minha geração é mesmo parva e e divide-se em dois grupos maioritários (tal como na política); os que se aproveitam dos outros empoleirando-se nas costas de não importa a quem e os que, não sabendo ou querendo fazer isso, são aniquilados pela sua ética ou outro princípio qualquer que não encaixa na motivação de mercado dos primeiros. O governo não governa nem nunca governou. Este país pertence a todos aqueles que não se preocuparam com a dignidade das suas carreiras e a trocaram ao longo de muitos anos por meia dúzia de tostões. O rei vai nu e todos nos rimos sem dar conta da nossa nudez.

ABS disse...

Mudam-se os instrumentos, recicla-se o visual. Sim, alguns elementos tecnológicos serão diferentes. E contudo, alguns dos que, entre nós, têm mais anos e conservam a memória, pensarão: geração após geração somos, estatística, moral e eticamente iguais. Iguaizinhos uns aos outros. As diferenças, essas, são acessórias.
O que fazer, então? O que sempre fizemos desde o princípio dos tempos: lutar contra a entropia no nosso bocadinho de espaço e de tempo. Já não é mau.

Portanto, força, gente nova. Daqui a uns anos serão como os que cá estavam antes. E isso não é necessariamente mau.

Anónimo disse...

Somos o fruto de uma geração
que não cuidou de nós como devia
quer no diz respeito à educação
quer aos princípios da cidadania!

JCN ( a continuar)

Anónimo disse...

Pois também penso que se deve ouvir a letra dos Deolinda com mais atenção. E também acho que,: "de que estávamos à espera"? Rui Baptista já o deixou claro algures por aqui, as consequências serão inevitáveis, "os mais novos acabarão por cobrar a factura"...

O universl humano da estranha condição do homem (para o bem e para o mal) é um universal, como tal, acompanhar-no-á sempre... mas o livre arbítrio, vindo de um contexto com momentos tão atrozes como a inquisição, é uma das pérolas da bíblia.

Na verdade, somos fruto do nosso interior (genético e qualquer coisa mais muito pópria de cada um) e do que nos rodeia, que pode ser favorável ou não. Cito Sérgio Godinho" (que curiosamente faz parte da lista de autores de letras no novo programa de português que entra em vigor já no próximo ano lectivo: "Dizem que os pintos não voam / este voou sobre as casas / os que não voam não querem / ou lhes cortaram as asas".
HR

Mas, - o interessante de andar por aqui é trocar ideias que nos enriqueçam sem o trauma de ter que ter razão - A geração que acreditou no 25 de Abril não foi parva, naquela altura, e depois de 50 anos de ditadura com uma polícia potlícica institucionalizada que torturava, e matava - é que seria, a meu ver, quase impensável.

Anónimo disse...

Concordo com o Fartinho da Silva quando lembra a importância de licenciaturas em restauração e catering, manutenção de campos de golf ou turismo e lazer :)))
Mas olhe que agora abunda desemprego para enfermeiros, engenheiros de design industrial, veterinários, biólogos...

Mais uma parva

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...