quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Química na Literatura

Texto recebido de Sérgio Rodrigues, professor de Química na Universidade de Coimbra:

O interessante texto que o Carlos Fiolhais escreveu para o jornal Sol sobre Química e Literatura, a propósito do Ano Internacional da Química, encontra uma perspectiva complementar num texto que escrevi em 2008 na Aba de Heisenberg, o qual apresento aqui ligeiramente editado:


A química, em comparação com a física e a biologia, aparece relativamente pouco na literatura. Embora esteja presente em todo o lado na síntese e transformação de quase todos os materiais que nos rodeiam e ainda na análise das composições e detecção de perigos, não aparece ao leigo como uma coisa assim tão espectacular. Falta-lhe buracos negros e viagens no tempo, manipulação genética e resssureição de dinossaurios. Embora, actualmente, com as séries e livros de criminologia, a química seja mais visível, esta aparece na perspectiva técnica da realização dos crimes e sua descoberta, e não como uma forma de criação. Mesmo o Sherloque Holmes de Conan Doyle, personagem quase linear mas com o seu fundo de contradições, praticava a química para fazer novas descobertas no campo da criminologia; não era apenas um utilizador de técnicas químicas.

De facto, a química tem perdido na literatura a sua imagem de ciência de criação, no sentido filosófico, para se tornar uma ciência de criação de problemas concretos e práticos e sua resolução. A tradição alquímica ainda fornece temas, mas estes estão cada vez mais esbatidos. O cientista que se confunde com a sua criação, Frankenstein, ou O estranho caso do Dr Jekyll e Mr Hide, deram lugar à química prática da vida completamante controlada (embora à beira do abismo) do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. O cientista louco (muitas vezes um químico com a ideia megalómana de dominar o mundo) está em desuso. A loucura hoje em dia é ficcionada nas pequenas acções domésticas ou nas acções aparentemente inocentes do colectivo. Não é o cientista louco que vai destruir o mundo, somos todos nós aqueles que predamos os recursos e vamos sendo alienados pelo conforto moderno. E por aqui os químicos até podem começar a ser os bons; os que descobrem os problema a tempo e apresentam soluções mais verdes.

Numa vertente mais poética e profundamante ligada à filosofia e à procura de verdades profundas sobre nós e sobre o mundo, encontramos por vezes a química e os processos químicos como metáforas e imagem da vida. Por exemplo, As Afinidades Electivas de Goethe ou O Sistema Periódico de Primo Levi. Também os poemas de António Gedeão nos trazem a química para a vida. E não podemos esquecer a obra do químico Isaac Asimov e o singular Tio Tungsténio de Oliver Sacks.

Na ficção moderna, desde uma contaminação causada por industriais maus, que despejavam benzeno nos rios na narrativa linear de Robin Cook, e um acidente com um produto químico que nunca se sabe o que é, na sociedade alienada de Ruído Branco de Don Dellilo, até ao acidente radioactivo que origina o comentário que é o título de Morrem Mais de Ataque Cardíaco... de Saul Bellow, há bastantes perspectivas dos problemas humanos que envolvem a química.

Bibliografia consultada (para além dos livros referidos):

- Roslynn Haynes, "The Alchemist in Fiction: The Master Narrative" HYLE 12 (2006) 5.
- Peter Weingart, "Chemists and their Craft in Fiction Film" HYLE 12 (2006) 31.
- Philip Ball, "Chemistry and Power in Recent American Fiction" HYLE 12 (2006) 45.
- Charles A. Lucy, "Analytical Chemistry: A Literary Approach" J. Chem. Educ. 77 (2000) 459.

Sérgio Rodrigues

1 comentário:

Anónimo disse...

http://www.infowars.com/the-government-is-already-geo-engineering-the-environment/

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