segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

DE PÉ SOBRE AS CINZAS

Minha crónica semanal no "Diário de Coimbra":

Há cerca de quatro milhões de anos, numa região da Etiópia conhecida por Afar, uma espécie no tronco da nossa árvore filogenética conhecida por Australopithecus afarensis, ou “macaco meridional de Afar”, explorava as potenciais vantagens de conseguir caminhar sobre os membros posteriores, antepassados das nossas pernas, e, do alto dos seus cerca de 1,22 metros de altura, antecipar o horizonte.

Há evidências de que as flutuações climáticas características do período designado por plio-plistoceno, com sucessivos períodos de glaciação, tiveram um impacto na vegetação e fauna da África austral, alterando o habitat do A. afarensis. Plantas herbáceas altas terão substituído a floresta densa e uma forte pressão selectiva terá ocorrido sobre os nossos antepassados, "beneficiando" aqueles que emergindo erectos da vegetação conseguissem antecipar o perigo de um predador, ou avistar, primeiro do que a concorrência, uma árvore com frutos nutritivos para si e sua descendência.

Nesta mudança dramática no ecossistema, as alterações anatómicas e fisiológicas que permitissem uma locomoção bípede, para além de libertar os membros anteriores, que ficam livres para a descoberta de outras vantagens, garantiam reduzir para cerca de metade a energia do trabalho muscular associado ao andar. A energia sobejante fica disponível para outras funções, ou, noutro registo, é necessário menos alimento para sobreviver.

Antecipar o perigo, detectar melhor a localização de alimento, reduzir a energia necessária à locomoção, aumenta a probabilidade de deixar uma maior descendência fertilizada com a variação bípede, garantia de uma melhor adaptação à mudança.

Há cerca de 3,7 milhões de anos, uma caminhada de 50 metros de uma família constituída por dois adultos e uma criança ficou registada num piso de cinza vulcânica, posteriormente endurecida talvez pela chuva, perto do desfiladeiro de Olduvai, no norte da Tanzânia. É o facto mais antigo a confirmar os primeiros passos bípedes dos nossos longínquos antepassados. Mas é um trilho solitário, talvez de uma família a fugir de uma erupção vulcânica, atravessando as cinzas á procura de um paraíso verdejante. Mas havia, até há pouco tempo, dúvidas sobre os caminhantes por falta de evidências fósseis factuais: seriam A. afarensis?


O esqueleto do exemplar mais famoso do género Australopithecus, Lucy, descoberto em 1974, com uma idade de 3,2 milhões de anos, dava já indicações de uma arquitectura esquelética capaz de permitir o bipedismo.

A escassez de outras evidências fósseis, para uma postura bípede, foi agora dissipada pela publicação na revista Science da análise efectuada, nos últimos 15 anos, de 35 indivíduos da espécie A. afarensis, econtrados no sítio da “primeira família”, designação por que é conhecida o local arqueológico 333 na região de Hadar, na Etiópia.


A análise de ossos fósseis dos membros equivalentes aos pés, permitiu identificar no quarto metatarso (osso da palma do pé que está ligado através do cubóide, outro osso, ao calcanhar), o arco ou curvatura suficiente para permitir, quer uma função de alavanca rígida necessária à articulação e propulsão do andar, quer a absorção dos impactos resultantes do contacto com o chão.

Esta investigação suporta a teoria de que o A. afarensis era capaz de “pisar bem o chão” e, em simultâneo com a análise do restante esqueleto, manter uma postura vertical.

Fica agora também grandemente dissipado o nevoeiro que envolvia os caminhantes sobre as cinzas vulcânicas, os quais, de cabeça erguida, avançaram bípedes em direcção ao nosso horizonte.

António Piedade

12 comentários:

Anónimo disse...

Será que o "nevoeiro" se dissipou... ou antes se adensou? JCN

Anónimo disse...

TUDO EM ABERTO

Não basta um osso, um seixo mal talhado,
uma pegada num qualquer lugar,
para acerca do homem dissertar
e seu começo dar como provdo.

É fácil por denais especular
em teoria, pondo-se de lado
o dado arqueológico encontrado
em condições de nos elucidar.

Quem sabe até, perante as evidências
da pré-história, se ele por acaso
não terá tido várias existências?!

Tudo em aberto está neste momento,
não se devendo pôr no mesmo vaso
a fantasia e o sólido argumento!

JOÃO DE CASTRO NUNES

باز راس الوهابية وفتواه في جواز الصمعولة اليهود. اار الازعيم-O FLUVIÁRIO NO DESERTO disse...

reduzir a energia necessária à locomoção...e redução da velocidade de escape...
e Afar é um território tribal transnacional mais do que uma mera divisão da Etiópia
postura bípede tem vantagens e muitas desvantagens

Anónimo disse...

«Minha crónica»
«Antecipar o horizonte» / «antecipar o perigo de um predador»
«Há evidências de que...» / «falta de evidências fósseis»
«detectar melhor a localização de alimento»
«uma forte pressão selectiva terá ocorrido sobre os...»
«A escassez ... foi agora dissipada »

Não se poderia evitar este género de escrita?

Anónimo disse...

Todo o meu apoio ao anónimo das 17:48. Generaliza-se a mania de utilizar a palavras protuguesas como se tivessem o mesmo significado que as inglesas com a mesma raiz latina. Suponho que é para armar em carapau de corrida mas não há nada melhor do que utilizar as palavras simples e comuns. É claro que uma imensa quantidade de portugueses sabe pouco de inglês e pensa que antecipar significa de facto antecipar e não antecipate.
Quem tem esta mania é, em geral, o pessoal que esteve na Inglaterra ou Estados Unidos como bolseiro. Mas uma boa percentagem de portugueses não os entende. Entendem-se eles uns aos outros e ...basta.

Escrivaninha disse...

Não me manifestaria sobre mais um post que leio com agrado se não tivesse aberto a «caixinha» dos comentários em busca de alguma interessante discussão. Perante os vários comentários que considero descabidos, quase todos de anónimos, apeteceu-me «aparecer» para dizer que me parece estranho que alguém escreva para dizer que não gostou da escrita que acabou de ler...voluntariamente, creio.

Anónimo disse...

Ó da Escrivaninha: então um tipo tem de gostar de tudo o que leu voluntariamente?

Escrivaninha disse...

Não, não...é a liberdade de expressão. Talvez tenha sido mais a minha desilusão de não ter aprendido mais nos comentários...
Ou talvez tenha aprendido a ficar calada se não puder aduzir nada de útil...
Perdão, espero que não torne a acontecer.

Oscar Maximo disse...

Entre uma chita e um dessses homnídeos com o mesmo peso, quem gasta menos energia na locomoção? Tenho dúvidas. É como falar da tracção integral num carro. Há mais perdas de energia? Nem sempre directamente, ás vezes só há aumento de peso.
Uma explicação do género: o uso muito especializado das mãos tornou-as impróprias para a locomoção, seria muito mais plausivel.

Anónimo disse...

Também não percebo, parece que o objectivo é encontrar defeitos. Qual é o problema com "antecipar"?

http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/antecipar

http://dictionary.reference.com/browse/anticipate (escreve-se com "i", não com "e")

Anónimo disse...

Boa Noite

E a hipótese aquática como justificadora do bipedismo? Onde a integra?

Jorge Oliveira

Anónimo disse...

Uma inocente pergunta: será que o ser humano propriamente dito já não terá surgido bípede? JCN

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