quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
MUSEUS DE CIÊNCIA EM REVISTA
A revista “Museologia.pt” (dirigida por Clara Camacho), da responsabilidade do Instituto dos Museus e da Conservação (dirigido por João Brigola) e que se encontra à venda nas lojas dos Museus Portugueses e nas melhores livrarias (a distribuição é da editora QuidNovi do Porto), mais parece um livro, um livro muito bem desenhado e apresentado. Tenho nas mãos o volume 4, com data do ano passado, que, embora na mesma linha dos três primeiros, se distingue pela inclusão de um extenso dossiê sobre Museus de Ciência. Quem quiser conhecer o “estado da arte” dos museus de ciência portugueses, e mesmo dos museus congéneres a nível internacional, terá de ler este dossiê, diligente e competentemente preparado por Marta Lourenço, museóloga do Museu de Ciência da Universidade de Lisboa.
Os museus de ciência, tanto os modelos mais tradicionais como os modernos centros interactivos como ainda os modelos contemporâneos que combinam os dois tipos, estão na ordem do dia, como mostra o acréscimo de visitantes registado pelas estatísticas oficiais. Começa, de facto, a ser visível entre nós o reconhecimento do valor do património científico e técnico guardado e exposto nos museus com raízes históricas. O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra tem vindo a conquistar não apenas visitantes como a admiração do país e do mundo, como indicam os vários prémios alcançados: já tinha em 2008 ganho o Prémio Micheletti do Forum Europeu de Museus para o melhor museu europeu de ciência e tecnologia e acabou há dias de ser distinguido com um prémio nacional da APOM para o melhor serviço educativo. Ao mesmo tempo está bem lançado, no terreno, o projecto da sua extensão do Laboratório Químico para quase todo o edifício do Colégio de Jesus, um dos colégios jesuítas mais antigos do mundo e onde existem colecções de valor internacional (a identificação recente de uma colecção de peixes tropicais do século XVIII mostra que ainda existe entre nós valioso património ignoto). E colaborou com a Biblioteca Geral da Universidade na organização de uma exposição sobre a Royal Society que exibe instrumentos científicos do século XVIII na Biblioteca Joanina. Nos Museus da Politécnica da Universidade de Lisboa, está em curso um processo com vista à definição do conceito e do estatuto para a entidade que vai tomar o lugar do actual complexo museológico, que integra, além do Museu de Ciência (é “de” e não “da” como em Coimbra), o Museu Nacional de História Natural, e o Jardim Botânico com o Observatório Astronómico de ensino. Essas entidades já beneficiam de uma logística conjunta, mas poderão beneficiar de uma sinergia mais profunda, que permita atrair mais visitantes. Finalmente, na Universidade do Porto, talvez mais atrasada neste processo de renovação museológica, tem havido algumas exposições que não deixam margem para dúvidas sobre o enorme potencial museológico existente nos múltiplos espaços em que as suas colecções históricas estão divididas. A passagem em 2011 dos 100 anos das Faculdades de Ciências das Universidades de Lisboa, Coimbra e Porto será decerto uma ocasião para mostrar mais algum do rico património científico que as Universidades portuguesas mais antigas albergam e que escapou a catástrofes como fogos ou a esse fogo não menos doloroso que foi, por vezes, o esquecimento e a incúria. Há ainda colecções de ciência noutros sítios, como no imerecidamente escondido Museu da Academia das Ciências de Lisboa, no ingratamente extinto Museu Nacional da Ciência e da Técnica, em Coimbra, cujo espólio tarda em integrar no Museu da Ciência de Coimbra, e nas inexplicavelmente olvidadas colecções de outras escolas, desde as Escolas Politécnicas de Lisboa e Porto até às escolas secundárias espalhadas pelo país que herdaram um passado onde as ciências eram ensinadas numa base experimental. Para já não falar, porque seria outra conversa, dos muitos museus das técnicas, em geral de pequena dimensão (o Museu da Electricidade na Central Tejo, em Lisboa, é a excepção que confirma a regra), que estão também disseminados pelo território nacional.
O dossiê no mais recente número da “Museologia.pt” expõe com concisão e rigor a situação desse património: história, conteúdos, panorama actual e perspectivas. Centra a sua atenção nos museus ligados às ciências básicas (Matemática, Física e Química, incluindo a Astronomia na Matemática ou na Física, e incluindo na Física a Geofísica), deixando por isso um pouco de lado os não menos importantes museus de História Natural (que, como mostra o caso de Coimbra, são indissociáveis dos primeiros), os museus das técnicas (cujas temáticas, na maior parte dos casos, dificilmente se podem separar das ciências) e os chamados centros de ciência (aos quais alguns autores insistem em não chamar museus, por não possuírem património histórico, mas que têm muito em comum com os museus tradicionais, designadamente a defesa da cultura científica).
Marta Lourenço é a autora, além da Introdução sobre “Os Museus de Ciência hoje”, de um texto de fundo sobre “O Património Invisível. História, organização e preservação do patrimónuio científico em Portugal”. Pedro Casaleiro, museólogo que trabalha no Museu da Ciência de Coimbra, lança um olhar sobre algumas das experiências mais inovadoras na cena internacional da museologia científica (na qual, sem injustificadas modéstias, coloca o “seu” museu, ao lado de museus como a Wellcome Collection, em Londres, a Science Gallery na Irlanda, o Svalbard Museum, na Noruega, a Cosmocaixa, em Barcelona, e o Musée des Confluences, em Lyon), no seu texto “Museologia da Ciência. Perspectivas cruzadas numa década de excelência e inovação”. Ana Delicado, socióloga, escreve depois sobre “Museus, Divulgação da Ciência e Cultura Científica” acentuando o papel dos museus na apropriação da cultura científica pela sociedade. E Miguel Telles Antunes, geólogo, descreve a verdadeira “arca do tesouro” em vários domínios da ciência que se encontra na Academia de Ciências de Lisboa, a instituição que remonta ao final do século XVIII e que foi a nossa resposta à Royal Society e outras famosas sociedades científicas, no seu texto “História Antiga e Património da Academia das Ciências de Lisboa”. O dossiê é completado por uma secção internacional, que integra textos de dois grandes especialistas internacionais, o francês Michael van Praët, o coordenador da Comissão de Programa do Museu de Ciência de Coimbra, que escreve sobre “Museus e património das Ciências Naturais em França”, e o italiano Paollo Brenni que escreve sobre “Considerações sobre o restauro de instrumentos científicos”, um tema que interessa sobremaneira aos museus nacionais. Os museus de História Natural acabam por entrar nos artigos de Casaleiro, Antunes e van Praet. E os centros de ciência são também discutidos no artigo de Delicado. Na minha opinião, os modernos museus de ciência terão de saber integrar sabiamente as colecções com origem nas várias ciências, assim como escolher em cada caso as melhores maneiras de as mostrar. A ciência de ponta é hoje interdisciplinar, ainda que nem sempre o pareça dada a proliferação dos saberes especilizados, e a museologia científica, tem pela frente o difícil mas aliciante desafio de casar harmoniosamente o antigo com o novo.
Tudo lido e digerido, o leitor não pode deixar de extrair a conclusão, para onde a coordenadora aliás nos conduz logo de início, de que é assaz relevante o nosso património científico e que ele deve merecer especial carinho de todos nós, desde os simples cidadãos aos governantes. Fica com a ideia que, se têm sido feitos notáveis progressos nos últimos tempos, é a altura de esperar de nós próprios e dos responsáveis da res publica novos progressos, desejavelmente maiores, que consolidem e prossigam a obra encetada. Assim como a cultura científica é uma componente essencial da cultura, o património científico é uma componente essencial do nosso património, sem o qual não há nenhuma possibilidade de cultura. É altura de dar um grande futuro ao nosso passado.
- “Museologia.pt”, nº 4, 2010, Edição do Instituto Português dos Museus e da Conservação.
Na imagem: Sala do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
Sem comentários:
Enviar um comentário