sábado, 1 de maio de 2010

A liberdade de pensar

Na sequência de dois textos, um da autoria de João Boavida e outro da autoria de Rui Baptista, sobre a pessoa e a obra de Sílvio Lima, invoca-se, aqui, um livro que publicou em 1930, quando tinha vinte e seis anos de idade, e cujo título é Notas Críticas ao Livro do Sr. Cardeal Gonçalves Cerejeira "A Igreja e o Pensamento Contemporâneo" (1).

Notas que, no dizer de um biógrafo seu (2), "se mantiveram sempre ao nível mais elevado, com serenidade intelectual e o facto de os argumentos atingirem grande vivacidade, nunca a contestação das ideias ofendeu a elegância moral e a serenidade de julgamento". Não obstante, essas Notas "de um republicano agnótico" desencadearam uma extensa polémica com pesados custos para a sua carreira de professor. Aqui começava uma perseguição pelo regime político que, em 1935, o havia de afastar da Univerdidade de Coimbra, conjuntamente com outros 32 colegas.

Esta circunstância tinha, aliás, sido prevista pelo próprio Sílvio Lima, quando escreveu no prefácio do referido livro dedicado aos seus amigos António Cesar Abranches e Vitorino Nemésio:
"Com estas páginas outro escôpo não visei senão dilucidar, esclarecer, precisar.
O que entre nós - lusos - mais urge é a criação do espírito crítico.

Sei, antecipadamente, que êste opúsculo - vindo dum nôvo e que aos novos se dirige - há-de acarretar sôbre mim cóleras bravas, impropérios, pedradas brutas.
Não importa. «Tout comprendre pour tout pardonner»"
Aqui se reproduz um pequeno extracto dessas Notas que vale a pena ler ou reler (páginas 71-73):

"O Sr. Cardeal, a páginas 94, escreve: «Foi Comte que o disse: desde que há Sciência, já não pode haver liberdade de pensar». Santo Deus! Pois quê? Comte, Augusto Comte, diria isso mesmo que o Sr. Cardeal nos diz? Revele-me Sua Eminência, mas tal ideia, é decerto deslustrar a sagrada memória dum morto. Que a França o não saiba.

O Sr. Cardeal, porque continua a definir a chamada liberdade de pensar como se fôsse o suícidio da lógica, julga, ou melhor, atribui ao inditôso do Comte êste espantoso raciocínio: «Desde que há Sciência, já não pode haver liberdade de pensar»! Ocioso será dizer, que o pensamento do chefe do positivismo se resume ao seguinte: Deante dum facto, scientificamente demonstrado, ninguem tem o direito de pensar o contrário daquilo que scientificamente, se demonstrou.

Exemplifico: Uma vez demonstrado que todos os corpos caem no vazio com igual velocidade, ninguem (seja clero, nobreza e povo) tem a liberdade de pensar que os corpos caem no vazio com desigual velocidade. Bem. Mas isso não significa que qualquer espírito não tenha a liberdade de verificar, de pensar se tal lei é exacta (...).

A liberdade de pensar não está, pois, como julgou o Sr. Cardeal, em agredir a lógica, em repeli-la qual se fôsse a rainha louca, mas servindo-nos dela como amiga, espôsa e mãe, verificar criticamente os dados da experiência."

Referências bibliográficas:
(1) Lima, S. (1930). Notas Críticas ao Livro do Sr. Cardeal Gonçalves Cerejeira "A Igreja e o Pensamento Contemporâneo". Coimbra: Livraria Cunha.
(2) Pereira da Silva, A. J. (2005). Sílvio Lima, um esboço biográfico. Carregal do Sal: Edição da Câmara Municipal.

10 comentários:

Anónimo disse...

A questão não é pensar,
que ninguém pode impedir,
mas podermos expressar
nossa forma de sentir!

JCN

Anónimo disse...

Não há força ou lei capaz
de impedir-me de pensar:
a única coisa que faz
é proibir-de de falar.

JCN

Anónimo disse...

Corrijo a expressão "proibr-de" por "proibir-me". JCN

Anónimo disse...

No meu cérebro ninguém
é capaz de penetrar,
pois a chave ninguém tem
para dentro dele entar.

JCN

joão boaventura disse...

Há algum parentesco social entre Sílvio Lima e Auguste Comte:

O primeiro, por ter criticado o texto do Cardeal Cerejeira, em regime censório, foi retirado da sua cátedra;
O segundo, por ter criticado o corporativismo universitário perdeu o emprego na Escola Politécnica.

Comte, talvez influenciado pelo Conde de Saint-Simon, de quem foi secretário, teria aderido ao socialismo utópico saint-simonista, e seguido a linha de um "educador do povo", como a formulada por Arnaldo de Matos no 25 de Abril.

Não deixa de ser curiosa a apologia do socialismo que também chegou à Duquesa de Palmela que a ele aderiu.
Numa entrevista com um jornalista explicou as razões da sua prática, apresentando este caso:

"Em 1848 Proudhon foi julgado em tribunal por ser socialista.
Juiz - É socialista ?
Prou. - Sou.
Juiz - Mas o que é então o socialismo ?
Prou. - É qualquer aspiração à perfectibilidade social.
Juiz - Mas nesse caso, somos todos socialistas.
Prou - É exactamente o que eu penso."
(In "Semana de Lisboa, suplem. do Jornal do Comércio n.º 8, 19.02.1893)

Anónimo disse...

Muito bem lembrado! JCN

Anónimo disse...

Continuar a falar
sobre o que todos sabemos
é tempo desperdiçar
a ler livros que já lemos.

JCN

Gerson Machado de Avillez disse...

Louvado sejam os sensatos e verdadeiros intelectuais honestos, que presam o metódo factual e mas do qual se é intereferido por esta corja de extremistas generalistas e monopolizadores do "louvor a injustiça" que matam por concordar ou discordar e criam "destinos" de suma ignorância dum propósito como meras ecos de algo vázio em existência!

Anónimo disse...

Que maneira tão rebarbativa de escrever! JCN

Cláudia S. Tomazi disse...

e da memória descanse em paz
de onde jaz Cardeal Cerejeira
a luz é bondade, é boa intenção
que terra é eira se lavra a acção.

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