Segunda e última parte do texto de Neil de Grasse Tyson inserto no livro "Morte pelo Buraco Negro e Outros Embaraços Cósmicos" (Gradiva, 2010):
"VISTO QUE OS CIENTISTAS OSTENTAM níveis tão elevados de cepticismo, algumas pessoas poderão ficar surpreendidas por saber que os cientistas atribuem as suas maiores recompensas e elogios àqueles que, de facto, descobrem falhas em paradigmas estabelecidos. Essas mesmas recompensas também vão para aqueles que criam novas formas de compreender o universo. Quase todos os cientistas famosos, escolham o vosso favorito, tiveram este tipo de elogios ao longo das suas vidas. Este caminho profissional para o sucesso está nas antípodas daquilo que existe em quase todas as outras organizações humanas — sobretudo a religião.
Nada disto significa que o mundo não contenha cientistas religiosos. Numa sondagem recente acerca de crenças religiosas em profissionais de matemática e ciências (Larson e Witham, 1998), 65 por cento dos matemáticos (a percentagem mais elevada) declararam ser religiosos, tal como 22 por cento dos físicos e astrónomos (a percentagem mais reduzida). A média nacional entre todos os cientistas é de cerca de 40 por cento, e ficou essencialmente inalterada durante o século passado. Para referência, cerca de 90 por cento do público americano afirmam ser religiosos (uma das percentagens mais elevadas na sociedade ocidental), de forma que, ou as pessoas não-religiosas se sentem atraídas para estudos em ciência, ou estudar ciência nos faz menos religiosos.
Mas então e aqueles cientistas que são religiosos? Os investigadores de sucesso não obtém a sua ciência das suas crenças religiosas. Por outro lado, os métodos da ciência não têm actualmente nada a contribuir para a ética, a moral, a beleza, o amor, o ódio ou a estética. Esses são elementos vitais da vida civilizada e centrais para as preocupações de quase todas as religiões. Isto significa que, para muitos cientistas, não há conflito de interesses.
Como em breve veremos em detalhe, quando os cientistas falam de Deus geralmente invocam-no nas fronteiras do conhecimento, regiões onde deveremos ser o mais humildes possível e onde o nosso maravilhamento é máximo.
É possível cansarmo-nos desse maravilhamento?
No século XIII, Afonso, o Sábio (Afonso X), o rei de Espanha, que era também um académico importante, sentia alguma frustração relativamente à complexidade dos epiciclos de Ptolomeu, necessários para explicar um universo geocêntrico. Sendo menos humilde do que outros que também investigavam as fronteiras do conhecimento, Afonso disse uma vez: «Tivesse eu estado presente na criação, teria dado algumas dicas úteis para um ordenamento melhor do universo.» (Carlyle 2004, liv. II, cap. X).
Completamente de acordo com as frustrações do Rei Afonso com o universo, Albert Einstein escreveu, numa carta a um colega, que «Se Deus criou o mundo, de certeza que a sua preocupação principal não foi tornar a sua compreensão fácil para nós» (1954). Quando Einstein não conseguiu entender a razão pela qual um universo determinista pudesse requerer os formalismos probabilistas da mecânica quântica, ele disse que «É difícil conseguir dar uma espreitadela às cartas de Deus. Mas que Ele quisesse jogar aos dados com o mundo... é algo em que não consigo acreditar por um momento que seja» (Frank 2002, p. 208). Quando mostraram a Einstein um resultado experimental que, se estivesse correcto, teria derrubado a sua nova teoria da gravidade, Einstein comentou que «O Senhor é subtil, mas não é malicioso» (Frank 2002, p. 285). O físico dinamarquês Niels Bohr, contemporâneo de Einstein, finalmente fartou-se dos comentários de Einstein acerca de Deus e disse que Einstein deveria parar de dizer a Deus o que ele tinha de fazer! (Gleick 1999)
Hoje em dia ouve-se um ou outro astrofísico original (talvez um em cem) a invocar Deus em público quando lhe perguntam de onde é que todas as nossas leis da física vieram, ou o que é que havia antes do big bang. Tal como temos vindo a antecipar, essas perguntas englobam a fronteira moderna das descobertas cósmicas e, de momento, transcendem as respostas que os dados e as teorias de que dispomos nos podem dar. Já existem algumas ideias promissoras, como por exemplo a cosmologia inflacionária e a teoria das cordas.
Essas ideias poderão, em última análise, acabar por dar-nos as respostas a essas perguntas, empurrando para ainda mais longe o limite do nosso deslumbramento. As minhas opiniões pessoais são completamente pragmáticas e ecoam parcialmente as de Galileu, a quem é atribuída a responsabilidade de ter dito, durante o seu julgamento, que «A Bíblia diz-nos como ir para o Céu, não como os céus funcionam» (Drake 1957, p. 186). Galileu disse mais ainda, numa carta para a grã-duquesa da Toscânia: «Em minha opinião, Deus escreveu dois livros. O primeiro livro é a Bíblia, onde os seres humanos podem descobrir as respostas para as suas questões acerca de valores e de moral. O segundo livro de Deus é o livro da natureza, que nos permite usar observações e experiências para responder às nossas próprias questões acerca do universo» (Drake 1957, p. 173).
Eu limito-me a seguir aquilo que resulta. E aquilo que resulta é o cepticismo salutar que está incorporado no método científico. Acreditem quando lhes digo que se a Bíblia se tivesse revelado uma fonte riquíssima de respostas científicas e de compreensão do universo, nós estaríamos a miná-la diariamente para fazermos descobertas cósmicas. Contudo, o meu vocabulário de inspiração científica sobrepõe-se imenso ao dos entusiastas da religião. Eu, como outros, sinto-me humilde na presença dos objectos e dos fenómenos do nosso universo. E vêem-me lágrimas aos olhos devido à admiração que sinto pelo seu esplendor. Mas faço-o sabendo e aceitando que, se eu propuser um Deus que conceda a sua graça ao nosso vale de desconhecimento, pode bem chegar o dia em que, devido ao poder dos avanços da ciência, já não sobrem vales nenhuns."
Neil deGrasse Tyson
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
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4 comentários:
Será que um dia... Deus entregará ao ser humano a chave do mistério?!... E depois? JCN
sempre bom ver fazer jus a uma das grandes figuras da história da cultura... científica, literária, historiográfica... embora seja estranho ver dizer rei de espanha...
É-me completamente incompreensível e anti-científico que estes grandes divulgadores científicos acreditem numa entididade como Deus. Aqui há gato...
@escritas de mp.b Porque anti-científico ? Se você releva Deus como hipótese de existência , não é em absoluto anti-científico. Pode não ser experimental ( não sei se Deus gosta de aparecer em tubos de ensaio, mas enfim ... )como os ateus gostariam que fosse, mas é hipótese, e a não ser que você prove que é impossível que Deus possa existir. Se têm algo mais anti-científico que existe é o proprio ateísmo. Onde já se viu afirmar que a realidade material é única sendo que não têm nada que possa confirmar esse fato. Ateísmo se baseia somente na "esperança" que Deus não exista, e não na "certeza" que Deus não existe. E se não têm certeza e ainda assim fala como se fosse certeza, quem está pensando anti-cientificamente aqui ?
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