Andy Hargreaves é um investigador da Lynch School of Education (Boston College) que se tem dedicado ao estudo do ensino e às condições em que é exercido. Uma das pesquisas mais relevantes em que se envolveu incide no impacto de reformas curriculares em escolas canadianas - Ontário - e norte-americanas - Nova Iorque - do ensino secundário. Os resultados, que se encontram publicados no livro Teaching in the knowledge society: education in the age of insecurity, quando cruzados com outros apurados em estudos realizados em Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia por outros autores, permitem-lhe retirar conclusões como as que se seguem:
"Os professores são tratados e funcionam não como trabalhadores de conhecimento com elevada competência e capacidade, mas como produtores de desempenhos estandardizados, obedientes e estreitamente vigiados.
Sócrates dizia que uma vida que não é examinada não vale a pena ser vivida. Para os professores, o problema reside no exame excessivo da vida. Os professores cujas vidas profissionais estão sujeitas a um exame excessivo queixam-se da erosão da autonomia, de criatividade perdida, flexibilidade restrita e reduzida capacidade de exercerem o seu julgamento profissional.
Baixam as cabeças, avançam sozinhos e afastam-se do trabalho com os colegas. A reforma imposta pode originar picos de trabalho em equipa, sob pressão, mas o mero peso das exigências significa que isto em breve se dissipa, mal a tensão diminui. A comunidade profissional soçobra, o tempo de reflexão esvai-se e o amor de aprender desaparece.
Os professores perdem a fé nos governos, agarram-se a qualquer oportunidade para se aposentarem e chegam a dizer aos filhos que não sigam o exemplo.
Na nossa amostra de 480 escolas secundárias de Ontário, embora só 28% dos professores tivessem mais de 50 anos, 73% do total da amostra afirmaram que os efeitos da reforma por decreto os tinha levado a pedir a aposentação antecipada. Não eram só os professores mais velhos que estavam a ficar cansados, cínicos e resistentes à mudança.
Tantos os professores jovens como os mais velhos da nossa sondagem declararam também a sua triste intenção de abandonar a profissão."
Infelizmente, todas estas palavras poderão usar-se para caracterizar a nossa própria realidade, sinal de que a "doença" dos sistemas educativos, para usar a expressão do pedagogo espanhol Quintana Cabanas, ultrapassa as fronteiras dos países e, mesmo, dos continentes.
Referências bibliográficas:
- Citação retirada de: Hargreaves, H. (2004). Ser professor na era da insegurança. In A. Adão & É. Martins (Orgs). Os professores: identidades (re)construídas. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, páginas 13-36.
- O referido livro encontra-se traduzido em português: Hargreaves, A. (2004). O ensino na sociedade do conhecimento. A educação na era da insegurança. Porto: Porto Editora.
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6 comentários:
Se num futuro relativamente próximo, digamos 100 anos, tivermos outro historiador magistral como Hobsbawm, ele irá nos explicar o que se passou nesse tempo:
Todo o avanço humano e social do iluminismo está a ruir, porque o estão a destruir, se o conhecimento cientifico está a avançar, o desenvolvimento civilizacional está a regredir.
Nunca antes a humanidade enfrentara uma coisa assim, tanta violência, ignorância e irracionalidade a par de um poder de destruição cada vez maior!
Se não determos este ataque contra a herança do iluminismo podemos chegar a caminhos muito perigosos.
A escola está em todo o mundo a ser alvo de ataques massivos, para a destruir, standartizar ao gosto dos caprichos políticos e descredibilizar por completo.
O objectivo a médio prazo é fechar a escola às massas.
Todos os avanços democráticos pós segunda guerra mundial estão em perigo, estão a ser atacados e reduzidos um a um a meros nadas, figuras de retóricas, por regimes cada vez mais autoritários mas muito mais subtis que os rudes e arcaicos fascismos..
Portugal não é excepção, a escola precisa de ser domesticada, então têm sido seguidas várias estratégias, uma delas é a má formação e excesso de docentes, para criar instabilidade profissional, outra a separação dos professores através da criação de professores titulares, para os professores não pensarem sequer em tal problemática são afogados em trabalho burocrático.
Os mais velhos, mais experientes e reivindicativos são forçados a pedirem aposentação, pois os mais novos são mais facilmente manipuláveis e aliciaveis para o sistema do compadrio.
Depois é esperar que estas e outras acções mostrem os resultados, para incentivar à frequência de escolas privadas, fazendo políticas nesse sentido como a proposta do cheque educação ( lembram-se?), quando for efectivo as massas são afastadas da escola porque na escola pública não se aprende nada e mais vale ir trabalhar.
E depois isto continua na universidade..
No meu caso, não foi necessário dizer aos meus filhos para não enveredarem pela docência:bastou-lhe estarem atentos ao dia-a-dia da mãe. Antes mesmo de saberem o que queriam ser, sabiam o que definitivamente não queriam ser.
Sabendo que a profissão dos pais influi significativamente na opção dos filhos, não deixa de ser significativa esta rejeição frontal.
Isabel Martins
Não estamos perante a catástrofe, mas sem dúvida que estamos perante um caminho de desumanização, em que o homem não é mais que um agente do darwinismo social que o liberalismo, isto é, os senhores do dinheiro, promove. O homem de hoje está, como nunca, transformado numa máquina de fazer dinheiro.É esse o sentido das reformas do ensino, como a que a D. Maria de Lurdes queria impôr.
Sr. Armando Quintas, e o fim do mundo está aí à porta também. Eu acho que apesar de não ter muita idade, tenho quase a certeza que já vivemos crises e tempos bem piores.
A profissão docente nas escolas públicas em Portugal foi destruída há muito, pena tenho que quem tomou de assalto o poder efectivo destas instituições não tenha percebido que a longo prazo até o seu ganha pão irá ruir...!
Isto é uma pergunta e não uma afirmação: uma das causas da insegurança que caracteriza esta "era" não será a universalização do ensino? Alguma vez houve uma sociedade em que se propusesse a todos aprender Matemática, Física e Filosofia? Julgo que não e que as consequências dessa novidade não costumam ser equacionadas.
A universalização do ensino é uma coisa boa, mas como conciliar isso (e os fenómenos associados - como o aumento do número de alunos por professor, o maior número de níveis e disciplinas que cada professor tem de dominar, a diversidade social e cultural dos alunos, etc.) com a qualidade do ensino e a existência de condições de trabalho para os professores?
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