sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ariane

No dia 1 de Janeiro de 1940, há 70 anos, Miguel Torga estava preso na cadeia do Aljube, esse “tombo de agonias”.

Logo após a apreensão, no final de Novembro de 1939, com exemplar eficácia em todas as livrarias do país, de O quarto dia da criação do mundo, veio a ordem de prisão do médico-escritor, onde constava a acusação de, nessa obra, “defender ideias subversivas”. Até ao dia em que saiu, a 2 de Fevereiro de 1940, Torga escreveu vários contos, que deram corpo a Bichos, e poemas: Exortação, Lembrança, Pietá, Canção, Claridade e Ariane, que estão entre as páginas 121 e 128 do Diário I.


Ariane

Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro

Na imagem: Fotografias de Miguel Torga da ficha da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado.

3 comentários:

Anónimo disse...

Amigo

Venho hoje aqui para te dizer que continuo a visitar-te, continuo a gostar de o fazer, continuo a achar excelente o teu blogue, continuo teu Amigo. E espero continuar assim durante este 2010 em que já estamos. A maior parte das vezes, não deixo cumentários, com o, porque não chego para as encomendas…

Muito obrigado pelo que me deste, que foi muito, e a que eu talvez não tenha correspondido como tu mereces. Vou tentar ser um pouquinho melhor nos 364 dias que se seguem. Mas, não prometo nada. Sou um malandro. Bom? Penso que menos mau… De qualquer maneira, oxalá o novo ano te traga o que entenderes melhor.

E peço-te desculpa por este ser um texto comum. Com a quantidade de gente como tu, não podia ser de outra maneira. Não sou uma centopeia, para chegar a toda a parte, muito menos um deus para ser omnipresente. Espero por ti, sempre que queiras visitar-me na minha Travessa.

Abs

Anónimo disse...

TORGA... SEM TRELA

Querem de ti fazer... o que não foste,
um poeta de abril ou coisa assim,
vestindo pelo mesmo manequim,
sem nada haver que tanto te desgoste.

Foste o que foste... igual a ti somente,
autêntico, translúcido, sem véus,
em briga permanente, até com Deus,
imune a constrições, independente.

Por isso me indisponho quando vejo
servirem-se de ti como bandeira
de pugnas em que não tiveras parte.

Sempre foi teu propósito e desejo
não prestar culto na literatura
a género nenhum... de ditadura!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

PRISÃO PERPÉTUA

A tua vida, Torga, decorreu
sob o impulso, a bem dizer, terrível
da circunstância que te aconteceu
de seres um Poeta de alto nível.

Pessoas como tu não são benquistas
em parte alguma, porque simplesmente,
ainda que não queiram, dão nas vistas,
a inveja despertando a muita gente.

Metaforicamente me expressando,
passaste atrás das grades a existência
por tua visceral intransigência,

dia após dia em ânsias esperando
o bergantim da tua liberdade
que existiu só... na tua intimidade!

JOÃO DE CASTRO NUNES

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