sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Mrs. Robinson



Minha crónica no "Público" de hoje (no vídeo, a cena mais famosa de "The Graduate"):


Há coincidências impressionantes. No filme de 1967, “The Graduate” (em português “A Primeira Noite”), uma mulher madura, Mrs. Robinson (Anne Bancroft), tenta seduzir um recém-licenciado, Ben Braddock (Dustin Hoffman), 21 anos, filho de um amigo da família. O rapazinho mal tem tempo de balbuciar “Mrs. Robinson, you're trying to seduce me, aren't you?”, antes de se render aos encantos da senhora. Na Irlanda do Norte, aconteceu há pouco, não no cinema mas na vida real, uma espécie de remake, no qual uma outra Mrs. Robinson, 58 anos, política e mulher de um político, seduziu Kirk McCambley, 19 anos, filho de um talhante de quem ela era amiga.

Mas a vida real excede largamente o cinema. O político em causa é nada mais nada menos do que o primeiro-ministro da Irlanda do Norte. E a mais recente Mrs. Robinson, deputada na Assembleia Regional em Belfast e no Parlamento Britânico em Londres, obteve financiamentos de dois empresários da construção civil para ajudar o seu amante a montar um café, para além de ter conseguido a concessão rápida de licenciamento. Pior do que isso: no negócio, cobrou luvas e, uma vez cessada a relação, tentou que o dinheiro fosse devolvido, a fim de ajudar a igreja onde uma sua irmã é pastora.

Para um guionista teria sido difícil combinar, num só enredo, ingredientes tão sensíveis como sexo, família, política, dinheiro e religião. Mas Mrs. Robinson conseguiu fazê-lo com espantosa facilidade. O escândalo norte-americano do Monicagate não tinha dinheiro nem religião. O escândalo português da Casa Pia não tinha família nem religião (a propósito: quando é que o tribunal, finalmente, profere sentença?). Nem Monicagate, nem Casa Pia: o escândalo irlandês é, pura e simplesmente, imbatível. Mrs. Robinson pronunciou-se sobre o primeiro caso, quando Hillary Clinton era candidata presidencial, criticando-a por ela ter perdoado as infidelidades do esposo: “Nenhuma mulher pode aceitar o que ela tolerou ao marido quando este era presidente.” Sobre o caso português, não se pronunciou directamente mas, na mesma altura em que vivia o seu romance com o teen-ager, afirmou em Westminster (foi gravado e encontra-se nos registos oficiais): "Não pode haver acto mais vil, excepto a homosexualidade e a sodomia, do que o abuso sexual de crianças inocentes”.

A mistura da religião excede, porém, bastante a intenção da primeira dama da Irlanda do Norte de dar o dinheiro à igreja evangélica. Acontece que a sua condenação do adultério e da homosexualidade radica na sua militância religiosa. A Bíblia, a começar pelos livros do Antigo Testamento que, levados à letra, condenam à morte tanto os adúlteros como os homosexuais, serve-lhe, no discurso político, de referência permanente. Declarou a um jornal de Belfast: “Pode-se pensar em algo mais revoltante do que um homem com um homem ou uma mulher com uma mulher ou crianças sexualmente abusadas? O que digo baseia-se na Bíblia, na palavra de Deus. Não percebo como é que as pessoas se surpreendem quando cito as Escrituras.”

O marido, que entretanto suspendeu funções, perdoou-lhe, ao que parece. Quem não lhe perdoou foi o partido, o Partido Unionista Democrático (DUP), liderado pelo marido, que não esteve com meias medidas e a expulsou, temendo a contestação política de outros grupos unionistas e dos nacionalistas do Sinn Féin. Tudo isto se passa numa região onde paira o espectro da guerra civil entre os unionistas, protestantes, e os separatistas, católicos, e onde há um recente acordo de paz, que levou a um governo de coligação entre o DUP e o Sinn Féin. Pormenor curioso: o jovem amante de Mrs. Robinson é católico. Quem também não lhe perdoa são os homosexuais britânicos, que fizeram uma oferta a Kirk McCambley para que ele pose para a capa da sua revista.

O refrão de “Mrs. Robinson”, a famosa canção de Simon e Garfunkel que surgiu na banda sonora do filme, diz: “And here's to you, Mrs. Robinson / Jesus loves you more than you will know”. Se Deus é infinitamente misericordioso, pode ser que perdoe os pecados de Mrs. Robinson...

3 comentários:

margarida disse...

...porque será que os seres humanos são TÃO complicados?
Tivesse sido ao contrário (ele sénior, ela Lolita) e a censura seria a mesma?
Haveria amor ou luxúria?
Os seres humanos são... fascinantes.
E sim, Deus perdoa(-nos) tudo.
Tudo.
Nós é que não nos perdoamos.

Anónimo disse...

A direita e os seus falsos moralismos, nada de novo.

António Marques

Eva Gonçalves disse...

Tudo pode ser perdoado... menos a hipocrisia.

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