Claude Lévi-Strauss, um dos grandes nomes da Etnografia e da Antropologia, cujo pensamento e trabalho tem sido estudado nas universidades europeias e americanas por gerações de estudantes e que chegou ao grande público através das suas obras de leitura irresistível, faleceu na semana passada, depois de ter completado um século de vida.
Desde que ontem, ao final da noite, se soube da sua morte, jornais e Internet têm recordado os seus dados biográficos mais marcantes: a sua ascendência judia, belga por nascimento e francês como estudante e professor; itinerância pelo Brasil e Estados Unidos como investigador e, novamente, professor; membro activo de várias academicas com destaque para a Academia Francesa, sendo o primeiro antropólogo a ter ali assento; o contacto próximo com existencialistas marcantes com quem manteve algumas polémicas; os muitos títulos e prémios que lhe foram concedidos; a sua qualidade de fundador de uma nova corrente de análise científica designada por estruturalismo...
É neste particular que me detenho para referir o seguinte: trata-se duma corrente que se tem prestado a entendimentos vários, muitos deles diametralmente opostos ao que Levi-Strauss lhe deu.
Uma dessas interpretações, que está significativamente presente na Educação, é a de que este autor, ao valorizar a dimensão intelectual dos povos indígenas, afirmando que ela não era exclusiva dos ocidentais, confirma a lógica etnocêntrica, segundo a qual cada povo é detentor de uma racionalidade particular e única, devendo ser, nessa medida, respeitada nos seus mais diversos pormenores e preservada no seu contexto. Trata-se de uma lógica de fechamento de cada povo sobre si próprio, de evitamento de contacto a fim de manter a identidade, a genuinidade cultural.
Ora, o que Lévi-Strauss escreveu e disse vezes sem conta é que todos os povos, sem excepção, comungam da mesma humanidade. E, ainda que a humanidade seja diversamente concretizada em ritos, costumes, mitos, conhecimentos, tecnologia, é ela e só ela que permite afirmar a igualdade entre os povos.
Esta é, aliás, uma ideia que Koïchiro Matsuura. Director Geral da UNESCO, fez questão de reforçar quando afirmou: "O seu pensamento mudou a percepção que o homem tem de seus semelhantes, quebrando conceitos tão excludentes quanto a raça e abrindo caminhos a uma nova visão baseada no reconhecimento dos laços comuns que unem a humanidade".
Pode o leitor ver aqui uma interessante entrevista a Claude Lévi-Strauss, feita em 2005 por Fernando Eichenberg, para a emissão do Boulevard Brasil.
Imagem: Claude Lévi-Strauss no Brasil, nos anos de 1930.
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4 comentários:
Existe um outro francês, este vivo, que está dando o que falar nos estudos e análises antropológicos: o René Girard. Só para constar!
Curiosa esta indicação de Leonardo sobre René Girard, a propósito do autor dos "Tristes Trópicos" e "La pensée sauvage", agora falecido.
Filósofo, antropólogo e sociólogo, Lévi-Strauss considerava que a diferença entre os selvagens e os civilizados poucas seriam as diferenças, como entre o homem de hoje e o homem da idade média, a relembrar de certa forma um discurso de Umberto Eco a demonstrar que nada do que se passa hoje difere do que ocorria na Idade Média.
O pensamento de René Girard, que Leonardo em boa hora nos traz hoje, coincide também com tudo quanto aqui se tem debatido, neste blog, sobre a Bíblia, a propósito de Saramago, e o tal "Caim" que afinal mais não é do que o representante do protótipo do homem de todos os tempos (civilizados, selvagens, de hoje ou do passado).
René Girard , filósofo, historiador e filólogo, e que também não desdenha do papel de sociólogo - "eu sou antes de tudo um cientista social" diria numa entrevista - já que aponta a Bíblia como um excelente documento para um estudo sociológico.
Na mesma linha de pensamento de Lévi-Strauss, René Girard considera que o homem colectivo é arrastado para a violência por mimetismo, porque as paixões presentes em cada um adquirem uma força multiplicadora. Seja o homem selvagem, civilizado, do séc. XXI ou do séc. V.
Numa entrevista ao jornal La Croix, considerou que "o cristianismo é o único a realçar o carácger mimético da violência."
Escrevi, na edição de maio da revista ComCiência aqui da Unicamp (Campinas, Brasil), exatamente sobre a questão universal/relativo na obra de Lévi-Strauss. http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=46&id=549
Esta edição é, aliás, um especial sobre Lévi-Strauss cheio de coisas interessantes.
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