domingo, 1 de novembro de 2009

O rumo das letras

Depoimento que dei ao Jornal Universitário de Coimbra A Cabra, para preparação dum artigo da autoria de Vasco Batista e João Ribeiro, intitulado O rumo das letras, publicado em 20 de Outubro passado.

P: Actualmente encaram-se os cursos de letras como segundas opções?

R: Penso que podemos dizer que sim, que os cursos de Letras, de Humanidades, de Ciências Sociais e Humanas são, no presente, menos requeridos do que os de Ciências Físicas e Naturais e de Tecnologias. Haverá duas razões para tal, as quais, parecendo muito diferentes, estão interligadas. Uma é a desvalorização que, no plano social, fazemos dos primeiros. Entendemos que, em geral, esses cursos são teóricos, muito abstractos e centrados em saberes distantes da nossa realidade, como é o caso das Clássicas ou da História. Ora, nós queremos resolver problemas concretos do nosso quotidiano e entendemos que saberes das letras não nos podem ajudar, pelo menos no imediato; entendemos que aqueles que nos ajudam são os saberes científicos e técnicos. A outra razão é que esses cursos não parecem ter utilidade para a entrada no mercado de trabalho e, nessa medida, não os entendendo como uma mais valia em termos de enriquecimento pessoal, nem como uma possibilidade de, como humanidade, mantermos viva uma parte da nossa cultura, consideramo-los como um investimento sem retorno.

P: É por isso que as médias são em geral bastante baixas na Universidade de Coimbra?

R: Não é uma característica distintiva desta universidade, está presente em todas as universidades do país, pois o modo de pensar social que referi está longe de ser regional. Por outro lado, nem todos os cursos de Letras, de Humanidades, de Ciências Sociais e Humanas exigem a mesma média de entrada.

P: A Universidade de Coimbra vive de um estatuto adquirido pelo seu passado ou ainda faz jus à sua fama?

R: Essa pergunta tem sido recorrente nos últimos dias, devido à publicação do ranking das universidades. É muito difícil responder... Uma coisa é certa: a Universidade de Coimbra tem investigação de ponta em alguns sectores. Outra coisa é certa: há sectores que estão apostados em melhorar, em chegar a um nível de excelência.

P: Que estratégias deveriam ser adoptadas pela Universidade de Coimbra para atrair estudantes e adequar-se às novas exigências dessas áreas?

R: Não lhe sei responder de modo preciso sem pensar mais demoradamente sobre o assunto. Nem me parece que alguém saiba. Toda e qualquer medida que se tome nesse sentido não passa só pela Universidade. Há um modo de pensar que, como referi acima, me parece estar instalado e que vai no sentido de desvalorizar as áreas de que falamos. O que não significa que a Universidade deva abster-se de fazer qualquer coisa para atrair estudantes e reforçar as suas equipas de investigação. Isso pode ser feito e está, de facto, a ser feito em vários núcleos. Estou a lembrar-me concretamente do excelente trabalho que o Instituto de Estudos Clássicos tem desenvolvido no sentido de divulgar o saber clássico, de modo que as pessoas o conheçam e o valorizem… por este caminho poderão captar alunos e permitir que se perceba que esse saber é importante também em termos sociais.

2 comentários:

Miguel Galrinho disse...

Cara Helena Damião,

Permita-me discordar com a razão inicial que apresenta na primeira resposta. Isto porque, embora esse tipo de pensamento de facto exista, também existe, por parte de outras pessoas, o pensamento oposto.

Estudei música durante 13 anos e cheguei a frequentar a Escola Superior de Música de Lisboa, antes de sair para ingressar num curso de engenharia. Para além disso, no ensino secundário frequentava as aulas da turma de economia, pelo que conheço exemplos de diversas áreas. E o que tenho verificado é que, da parte de muitas pessoas que não são de ciências ou de tecnologias, algumas fogem dessa área com medo sobretudo da matemática e da física, querendo evitar a todo o custo o "resolver problemas concretos" que refere no texto. Outras, simplesmente não encontram qualquer interesse na ciência e na tecnologia; acham-nas demasiado frias, pouco humanas e, curiosamente (porque é uma razão que também refere)... distantes (do ser humano), ao contrário das artes e das humanidades.

Esta forma que descrevi de ver as coisas tenho-a encontrado em muitas pessoas, e não apenas em casos pontuais. Por isso, penso que acaba por equilibrar com o tipo de pensamento oposto que refere na resposta à primeira quesão. Como tal, não creio que, de uma forma geral, os cursos de letras e de ciências sociais e humanas estejam a ficar para segundo plano por essa razão. Pela outra que refere, sem dúvida.

Helena Damião disse...

Estimado Miguel Galrinho
A razão que invoca para a escolha de cursos de Letras e Humanidades parece-me igualmente válida: em muitos casos, essa escolha é o resultado do sistemático "evitamento" de disciplinas "temíveis" como a matemática. Porém, a valorização social dos cursos é capaz de ter também o seu peso. E, neste aspecto, as Letras e Humanidades ficam a perder... Não se deve entender que eu acho que deviam ficar a ganhar... Essa é, aliás, uma discussão sem sentido pois é evidente que o valor a atribuir às Letras, Artes e Humanidades só pode ser equivalente ao que se atribui às Ciências Físicas e Naturais, uma vez que todas estas áreas de saber são profundamente humanas porque derivadas do esforço humano e todas derivam da necessidade que parece que temos de conhecer, de dar sentido ao que se passa à nossa volta e em nós.
Um estudo alargado sobre as razões que levam os alunos ao ensino superior teria, suponho, muito interesse neste momento. Até para (re)pensar o próprio ensino neste tempo de reforma de Bolonha.
Helena Damião

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