segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O ELOGIO DA LEITURA


Inaugura-se hoje às 18 horas no Jardim da Associação Académica de Coimbra uma Feira do Livro Universitário. Publicamos um artigo saído no "Diário de Coimbra" de João Gouveia Monteiro, Director da Imprensa da Universidade, no qual faz o "elogio da leitura" e promete uma Jornada sobre o Livro e a Leitura em Novembro próximo:

Na sua edição de 8 de Setembro, o jornal “Público”, no âmbito de uma peça sobre a elevada taxa de desempregados com licenciatura em Portugal, citava um estudo de 2007 da OCDE. Um dos quadros tinha que ver com o “peso da leitura, escrita e literatura no currículo obrigatório dos alunos entre os 9 e os 11 anos de idade”: 15% em Portugal, 23% na média da OCDE, 25% na média da União Europeia a 19 membros.

Ao ler esta peça, apertou-se-me um pouco mais o coração. Sou professor de Letras e vivo atormentado com o decréscimo da qualidade de expressão oral e escrita dos nossos jovens. Já não são só os erros ortográficos, ou a falta de fluência no discurso oral. Refiro-me a um desconhecimento generalizado da sintaxe, a uma pobreza de vocabulário confrangedora, a uma dificuldade deprimente para exprimir por palavras simples uma ideia pouco complexa. Se, ontem, eles falavam tant bien que mal, hoje escrevem em esforço e, amanhã, não entenderão sequer enunciados banais que resultem da nossa comunicação com eles. Tão simples quanto isto.

Dir-me-ão que estou a dramatizar. Talvez. Mas o certo é que já desisti (e não devia) de corrigir os erros ortográficos nos exames, para não riscar os pontos linha sim, linha não. Já não consigo avaliar uma tese sem pedir ao orientando que me envie o texto por e-mail de modo a eu pôr aquilo primeiro num português asseado e poder, então, preocupar-me com o conteúdo. Já tenho de escolher a dedo (e quase sempre entre os alunos da minha geração, ou mais velhos) um estudante para ler em voz alta um texto de apoio numa aula prática.

Estes são os meus argumentos ao partilhar convosco o meu dilema. O nosso dilema, porque os jovens de que falo serão amanhã os nossos professores, os nossos empresários, os nossos governantes, os nossos cidadãos. De onde vem o problema? Quem tem responsabilidade nisto? Como podemos inverter a situação? Não sei. Tenho a certeza de que há imensos professores de Português nas nossas escolas pré-universitárias a dar o melhor de si para ensinar os nossos meninos. Sobre o sistema, não falo, porque não sei o suficiente. Mas tenho uma convicção forte. Penso que o problema tem também que ver com a perda de hábitos de leitura. Não falo da leitura de periódicos, ou em suporte informático. Falo de leitura convencional, seleccionada, regular. Ter o livro como um companheiro insubstituível e que não se troca por (quase) nada.

Harold Bloom, crítico literário de referência mundial, escreveu um dia em “Como ler e porquê” (trad. port., Caminho, 2001): “Não há uma forma única de ler bem, apesar de existir uma razão fundamental para ler. A informação é-nos infinitamente disponível, mas onde poderemos encontrar a sabedoria? (…) Ler bem é um dos grandes prazeres que a solidão nos pode proporcionar, porque é (…) o prazer mais regenerador. Devolve-nos à alteridade, ao que é outro em nós, nos nossos amigos ou naqueles que poderão vir a sê-lo”.

Claro que sei que existe em Portugal um Plano Nacional de Leitura, e desejo que tenha sucesso. Que crie bons hábitos e que mostre aos jovens que eles precisam de se emocionar perante as grandes criações artísticas, sejam elas plásticas, musicais ou literárias. Mas também acho que temos todos de nos mobilizar (pais, educadores, responsáveis culturais, autarcas) para combater este flagelo. Como director da Imprensa da Universidade de Coimbra, estou decidido a organizar uma Jornada de reflexão sobre o Livro e a Leitura para Novembro próximo. Com escritores, jornalistas, educadores, editores, estudantes, bibliotecários. E espero deixar a semente para que vocês prossigam esta campanha, cujo único objectivo é incentivar os nossos jovens a fazer novos amigos dentro de cada livro novo.

João Gouveia Monteiro.

4 comentários:

Portazul disse...

Embora a nossa perspectiva seja menos pessimista, partilhamos as preocupações do autor do artigo.

Também acreditamos no Plano Nacional de Leitura, assim como na Rede de Bibliotecas Escolares; louvamos o reforço programático para melhorar as práticas de leitura e oralidade; e conhecemos o empenho profissional que os professores votam a estas matérias.

Receamos é que todas estas questões esbarrem na crescente falta de tempo dos professores "aplicadores" (desculpem o "jargão").
Temos pouco tempo para... tudo!

Seria interessante confrontar os 180 minutos de leccionação semanal com os conteúdos e competências preconizados nos programas de Língua Portuguesa.

Seria curioso contabilizar o tempo consumido em correcções por um professor de Português e o tempo previsto no respectivo horário para trabalho individual (que também contempla preparações, planeamento, reuniões, tarefas administrativas...).

A imagem é gasta, está no fio: mas, por isso mesmo, vê-se à transparência. É que é preciso ter espírito de missão. Ser um professor de Português, assim, leva-nos à usura (e os resultados não são garantidos).

Quanto aos alunos, é forçoso dizer que há estudantes a ler, a discorrer e a dissertar maravilhosamente. Alguns fazem-no razoavelmente. Outros têm muitas dificuldades.

Sempre assim foi e, provavelmente, sempre assim será. Gregos e latinos queixavam-se já do mesmo, lembram-se?

Não é o tempo histórico que está contra nós. É tão-só, o tempo cronológico.

Isabel Correia (Vila Verde)

Diogo Bobone Carvalho disse...

Estou solidário com o autor do artigo.
Eu diria mesmo que o remédio para muitas das questões levantadas será a leitura! Ninguém escreve bem sem ler muito, muito mesmo, isto mesmo dizem todos os grandes escritores que são eles mesmos e em primeiro lugar grandes leitores.
De preferência, grandes autores portugueses, porque são mestres da literatura e nos ensinam a escrever. Um bom exemplo é o Vergílio Ferreira.
Sente-se este drama que o autor fala em todas as áreas profissionais e mesmo académicas e é realmente constrangedor. E a qualidade desses profissionais fica inevitavelmente posta em causa.

Anónimo disse...

Tenho uma opinião completamente diferente, e acho que a opinião apresentada é conhecida por toda a gente.
Não sei se as pessoas lêem menos, parece que cada vez se vendem mais livros e revistas, vão ver as estatísticas.
Eu sempre li muitos livros, gosto de ler, mas sempre fui mau aluno a português e sempre dei muitos erros.
Não acho que seja a ler que se aprenda a escrever, acho que se aprende a escrever escrevendo. Só quando temos que escrever é que pensamos, isto é com um x ou com um s?
Também sempre achei que os programas de português insistem muito em tralha pomposa, interpretação de poesia, etc, e que não se trabalha muito a gramática e a ortografia.
Eu aprendi ortografia e gramática até aos 12 ou 13 anos e a partir dai, no nono ano, já tinha que gramar a seca dos Lusíadas, etc.
Não se aprende a tocar um instrumento ouvindo música ou não se aprende a pintar visitando galerias. Não me venham com a treta que se aprende a escrever a ler, isso é treta velha.
Quando é que se simplifica a complicação de regras, regrinhas, e excepções às regras, do portugês?

Unknown disse...

Também considero que só se aprende a escrever escrevendo. E a escrita continuada, além de permitir o aperfeiçoamento progressivo, além de permitir o desenvolvimento de outras competências, como, por exemplo, a reflexão em geral (é preciso pensar no que se quer dizer), obriga à reflexão sobre o funcionamento da língua. Acontece, porém, que os trabalhos escritos têm que ser corrigidos e, se possível, em diálogo com os seus autores. Ora, nem o tempo lectivo atribuído à disciplina de Português (2x90 minutos semanais), nem o horário/semanário dos respectivos professores permitem que tal trabalho seja feito de forma sistemática e continuada. Tavez isso fosse possível se se voltasse aos 4x50 minutos, e se, da parte da tutela, houvesse a coragem de reconhecer a especificidade da docência da língua materna, atribuindo aos professores de Português mais horas para trabalho individual, com eventual redução do tempo da componente lectiva. Tal como as coisas estão, actualmente, é impossível aos professores de Português, a não ser à custa de grandes sacrifícios pessoais, cumprirem cabalmente a sua função.

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