Minha crónica no semanário "Sol" de hoje (na imagem, retrato de Fernão de Magalhães de autor desconhecido existente no Kunsthistorische Museum de Viena):
A propaganda governamental só fala do Magalhães, o portátil que anda a distribuir pelas escolas. Não sei se já alguma televisão se lembrou de ir perguntar aos alunos quem foi Magalhães. Suspeito que a resposta seria reveladora do estado do nosso ensino. E duvido de que as crianças venham a usar o portátil para obter a resposta. Aliás, quem perguntar ao Google ficará surpreendido ao descobrir que o portátil Magalhães está mais acima do que o navegador Fernão de Magalhães (Sabrosa? 1480- Filipinas, 1521), que empreendeu em 1519, sem pessoalmente a terminar, a primeira viagem de circumnavegação à Terra.
A família Magalhães remonta ao tempo da nacionalidade e nela há, além de Fernão de Magalhães, outros Magalhães ilustres, os quais importa conhecer. Por exemplo, o padre Gabriel de Magalhães (Pedrógão Grande, 1609 – Pequim 1677) foi um missionário que, depois de ter estudado no Colégio de Jesus em Coimbra, viajou para Oriente. Esteve na Índia, em Malaca e na China. Em breve irão passar 400 anos sobre o seu nascimento deste jesuíta que demandou o “Império do meio” antes do jesuíta Tomás Pereira, de quem agora se comemoram os 300 anos da morte. Na China Magalhães foi perseguido, várias vezes preso e torturado e duas vezes condenado à morte (da primeira salvou-se, in extremis, porque o tirano lhe pediu uma carta astrológica...). Grande construtor mecânico, fez relógios e outros instrumentos para a corte imperial chinesa.
Um outro Magalhães famoso, do ramo dos Magalhães de Pedrógão, também estudou em Coimbra (no Mosteiro de Santa Cruz), também emigrou e também foi um grande construtor de instrumentos mecânicos. João Jacinto de Magalhães (Aveiro 1722 – Londres 1790) tornou-se “estrangeirado” devido às perseguições do Marquês de Pombal. Com base em Londres, viajou pela Europa, tendo convivido com alguns dos nomes maiores da ciência e do pensamento do seu tempo. Doou ao seu colega e amigo Benjamin Franklin 200 guinéus para um prémio científico que ainda hoje existe nos Estados Unidos e que tem, justamente, o nome de Magalhães.
9 comentários:
O conceito de "estrangeirado" aplica-se aos cientistas e intelectuais que eram perseguidos pele Inquisição, não pelo Marquês de Pombal...
Sobre os estrangeirados, e a propósito, será interessante ler aqui e o texto de Nuno Crato aqui
"Não sei se alguma televisão se lembrou de ir perguntar aos alunos quem foi Magalhães", pergunta o Professor Carlos Fiolhais. Cruzes canhoto! Grande parte das respostas, quase apostaria dobrado contra singelo, diriam ser, ou ter sido, um jogador de futebol ou um cantor pop.
Em devido tempo: Cogitei agora, com uma certa dose de malícia, enquanto procedia à minha higiene matinal, que a resposta de um aluno mais politizado se inclinaria para dizer que o nome de baptismo dado aos computadores "Magalhães" se tratava de uma homenagem a um conhecido deputado da bancada do Partido Socialista com esse nome e
e presença constante nos ecrãs televisivos e páginas dos jornais!
Salvo melhor informação o Marquês de Pombal também foi considerado um estrangeirado.
Teria sido mais adequado ter escrito
"perseguições no tempo do Marquês de Pombal". De qualquer modo Pombal subordinou a Inquisição ao poder régio e um Inquisidor-Mor foi um seu irmão. A Inquisição não foi no tempo de Pombal independente dele.
Carlos Fiolhais
O nº máximo de caracteres do jornal obrigou-me a ser conciso: por exemplo, a interrogação de Sabrosa como terra de nascimento de Fernão de Magalhães deve-se ao facto de alguns estudiosos afirmarem que é Ponte da Barca. A questão não está resolvida.
Carlos Fiolhais
Se os actuais governantes tivessem memória histórica nunca teriam escolhido o nome de Magalhães para o tal computador que anda por aí a inseminar controvérsias.
Fernão de Magalhães, não exclusivamente por culpa própria, simboliza a causa da decadência do sucesso marítimo português.
Humilhado e rejeitado por D. Manuel ofereceu-se a Carlos I de Castela a quem jurou obediência tendo para o efeito mudado o nome para Hernando de Magallanes.
Tal anómala identidade deveria fazer corar aqueles que o recordam na perspectiva em que o fazem, independentemente de tudo o resto.
Renunciou à sua lealdade a Portugal e transformou-se num homem sem País tendo passado a ser fiel servidor do rei de Espanha.
D. Manuel I enviou vândalos a Sabrosa que arrancaram o brasão dos Magalhães e os familiares foram obrigados a mudar-se por receio e vergonha...
Ainda sobre os estrangeirados ver aqui.
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