quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O PESSIMISMO NACIONAL


O médico e escritor Manuel Laranjeira (1877- 1912, por suicídio) publicou em 1907 e 1908 no jornal "O Norte", diário republicano da manhã do Porto, quatro artigos com o título "O Pessimismo Nacional". São esses artigos devidamente compilados e antecedidos de uma introdução (não assinada) que foram, em Setembro passado, republicados pela Padrões Culturais Editora, de Lisboa. O título continua no subtítulo "Ou de como os portugueses procuram soluções de esperança em tempos de crise social".

Vale a pena saber as razões pelas quais, segundo ele, Portugal não era um caso perdido. Ainda havia razões para ter esperança, desde que houvesse educação. Ouçamo-lo:

"Bem sei a grande objecção dos que crêem e profetizam que 'isto está irremediavelmente perdido'.

Lá vamos.

A famosa objecção consiste, afinal, em afirmar - gratuitamente, vê-lo-emos - que o nosso mal tem raízes mais fundas, inextirpáveis, e que a falta de coesão da sociedade portuguesa assenta em factores antropológicos, indestrutíveis, isto é, que sobre a raça portuguesa pesa uma fatalidade mórbida originária, de natureza degenerativa, uma tendência irreprimível, progressivamente crescente para a dissolução. Nestas condições na desagregação da alma nacional significaria mais do que uma psicose passageira: seria uma verdadeira degenerescência psíquica colectiva. Finalmente, o povo português estaria biologicamente condenado.

Simplesmente tal afirmativa não resiste ao mais singelo exame.

As degenerescências assentam sempre num terreno absolutamente improdutivo, numa acentuada inadaptabilidade. São o cérebro e o braço português completamente estéreis? E a raça portuguesa uma raça inadaptável?

Educar é adaptar. E alguém já tentou infrutuosamente educar o povo português? Já alguém demonstrou que o espírito português é refractário à aquisição duma consciência cívica? Já alguém demonstrou que o cérebro português é incapaz de educar-se, de adaptar-se à complexidade da vida moderna?

(...) Submeta-se esse desgraçado povo, criminosamente desprezado e levianamente caluniado, à prova decisiva: eduquem-no, intensivamente, tenazmente, sem desfalecimento, e vê-lo-ão florescer e progredir como os povos cheios de saúde.

Porque afinal todos os actos do povo português não são actos de quem agoniza, são actos de quem não sabe, não são escabujos de povo exausto, são actos todos derivados da sua profunda ignorância. Pois que queriam que fizesse um povo que nem sequer sabe ler? Queriam talvez que esse povo fosse resolver a questão social? Queriam talvez que ele se interessasse pelos vastos problemas da filosofia social e se apaixonasse pelas transcendentes ideias da justiça, tal como a concebe e teoriza o homem moderno?

Mas essas belas coisas estão fora da sua percepção e da sua sensibilidade ineducadas, e o tempo mal lhe chega para ganhar o pão com que vai iludindo a sua miséria. Muito faz ele em ir resistindo a quantas desgraças o afligem. E essa resistência pasmosa não está indubitavelmente dando a medida exacta do inesgotável cabedal que existe no organismo português?"

Manuel Laranjeira

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