sábado, 4 de outubro de 2008

REGRESSO AO NUCLEAR


MInha crónica no "Sol" de hoje:

Cada vez se fala mais de energia nuclear, por todo o lado e também aqui. O nuclear, que é uma tecnologia muito segura, tem uma grande vantagem relativamente às centrais térmicas: não emite o dióxido carbono que causa o efeito estufa. Poderá haver razões, económicas ou outras, para não construirmos uma central nuclear, mas o pior que poderíamos fazer era dizer à partida que não. É necessário discutir até chegar a uma resposta bem informada. As centrais nucleares funcionam bem em muitos países do mundo. E nós importamos energia de Espanha e França, que é, em larga medida, nuclear.

Eu sei que me podem falar de Chernobyl. De facto, Chernobyl foi um acidente perigoso e lamentável. Mas não morreram milhões de pessoas... O governo ucraniano exagerou com o objectivo de ser compensado. Dizer-se que, por causa de Chernobyl, não devemos ter energia nuclear é a mesma coisa que dizer que, por causa de um erro clínico, não devemos ir a um hospital. Na questão do nuclear o perigo maior não é o de um acidente (que, apesar de raro, pode também ocorrer numa barragem): é o dos resíduos radioactivos, porque ainda não há um meio que seja absolutamente eficaz para os tratar. É um mau legado para o futuro, porque, embora esse lixo seja enterrado em lugares remotos e a grande profundidade, continuará a emitir radioactividade por longos anos.

Há um medo do público relativamente ao nuclear, talvez por a radiação ser invisível. Contudo, as pessoas que moram em zonas graníticas estão sujeitas permanentemente a essa radiação. Temos medo do que não devíamos ter e não temos medo do que devíamos ter. Há coisas de que devíamos ter mais medo porque são bem mais perigosas, como, por exemplo, a circulação automóvel.

Agora há muitos investimentos em centrais eólicas e solares. Muito bem. São tecnologias em desenvolvimento, mas não se prevê que, a curto prazo, proporcionem uma solução barata às nossas enormes necessidades energéticas. Temos de investir nas energias alternativas, mas não é viável desistir das centrais convencionais, sejam elas térmicas ou nucleares.

15 comentários:

sguna disse...

E a energia nuclear é mais barata? É engraçado quando são apresentados os custos, estes nunca incluem o preço de desmantelamento da central. Os exemplos recentes em França e o no R.U. mostram que afinal os custos da energia nuclear não são tão baixos quanto isso.

Jorge Oliveira disse...

Os custos de desmantelamento são considerados. Obviamente. Se não fossem, os proponentes do nuclear cairiam que nem tordos perante a revelação ou inconfidência de um qualquer comentador de blog.

A opção pelo nuclear justifica-se. Não tanto por causa do presumível aquecimento global de carácter antropogénico, que constitui mais uma fantasia dos alarmistas de serviço, mas sim porque os combustíveis fósseis não são eternos, tornam-se cada vez mais caros e a sua queima envia para a atmosfera, além dos inocentes dióxido de carbono e vapor de água, verdadeiros poluentes como os óxidos de enxofre e de azoto, bem como as partículas de fuligem.

Além do mais, a Europa revela uma cada vez maior dependência energética da Rússia, um país que continua pouco recomendável e confiável. Para políticos com visão estratégica, isso deveria constituir razão suficiente para uma de duas : ou invadir e subjugar a Rússia, o que parece mal e está fora de causa, ou apostar rapidamente na energia nuclear. Porque as energias renováveis, não obstante os seus méritos, ainda não conseguem suprir as necessidades.

Luís Peça disse...

Por razões profissionais, converso com ucranianos amiúde.

Como tenho curiosidade, levo a conversa para a situação do país.

Chernobyl vem sempre à conversa.

Até podem não ter morrido tantos milhões como o governo declarou, como diz o Prof. Carlos Fiolhais.

Mas nas conversas sinto sempre Chernobyl é uma dor imensa naquele povo.
Para um português seria como se Trás-os-Montes ou as Beiras ou o Alentejo se tivessem tornado inabitáveis.

Mesmo assim sou pela energia nuclear, acreditando nos mesmo argumentos que o professor.

Mas acho que não nos podemos referir a mortes como se a vida de uma pessoa fosse um milésimo da vida de um milhão. Cada vida é um infinito.

E em Chernobyl morreu pelo menos uma pessoa...

Luís Peça disse...

Correcções ao comentário anterior.
Onde se lê:
"Mas nas conversas sinto sempre Chernobyl é uma dor imensa naquele povo".
Deve ler-se:
"Mas nas conversas sinto sempre que Chernobyl é uma dor imensa naquele povo".
Onde se lê:
"Mas acho que não nos podemos referir a mortes como se a vida de uma pessoa fosse um milésimo da vida de um milhão."
Deve ler-se:
"Mas acho que não nos podemos referir a mortes como se a vida de uma pessoa fosse um milionésimo da vida de um milhão."

Anónimo disse...

Gostaria de deixar estes artigos publicado no Expresso há umas semanas que encontrei:

http://i36.tinypic.com/2ibm2at.jpg
http://i37.tinypic.com/zl8y86.jpg

São artigos de opinião, claro, mas não deixam de ser interessantes. Associados às notícias dos problemas potencialmente graves que têm havido em centrais Francesas nos últimos meses... deixam qualquer um de pé atrás.

Se calhar devíamos focar mais em tornar os nossos equipamentos mais eficientes e não apenas em "produzir" (vá, transformar) mais energia.

Unknown disse...

"Eu sei que me podem falar de Chernobyl. De facto, Chernobyl foi um acidente perigoso e lamentável. Mas não morreram milhões de pessoas... O governo ucraniano exagerou com o objectivo de ser compensado.".

Claro que não! Mas talvez seja necessário contabilizar os habitantes locais que desenvolveram as mais bizarras doenças, tiveram abortos espontâneos ou filhos que já nasceram doentes/deformados (pura coincidência?). Mas não acredito que a solução passe pelos actuais reactores de fissão, encarados por muitos como uma tecnologia perigosa e arcaica. O futuro deve começar primeiro nos laboratórios e não na construção de novas centrais com a tecnologia actualmente disponível. Com a desculpa da carência energética corremos dois grandes riscos: (1) Continuamos sem aprender a racionar o aproveitamento energético (não vale a pena construir mais centrais energéticas para suprir os gastos de industrias que utilizam material obsoleto, que esbanja energia bem acima das suas necessidades reais). (2) Ficarmos dependentes de tecnologia arcaica, só porque a mesma é monopolizada por grupos com grandes interesses económicos (como aconteceu recentemente com o petróleo, ou num passado mais remoto com a escravatura).

JSA disse...

Caro Prof. Carlos Fiolhais: menorizar Tchernobil por causa de não ter morrido assim tanta gente é absolutamente ridículo. Primeiro porque entramos na famosa frase de Estaline sobre uma morte ser uma tragédia, um milhão de mortes ser uma estatística. No caso do Prof. Carlos Fiolhais parece ser o oposto.

Mas o grande legado de Tchernobil não são as mortes, antes é o medo. O medo que possa suceder de novo, o medo que as autoridades encubram de novo o problema, o medo de estar a morrer por causa de uma coisa que não se vê. E além do medo há o território que ficou vedado à população porque está contaminado.

Seja como for é um facto que Tchernobil é uma excepção. Ainda assim, na minha opinião, sobram problemas suficientes. Um deles é um problema que parece ser esquecido frequentemente: se muita da produção energética fosse passada do carvão para o nuclear, os depósitos de combustíveis nucleares também seriam exauridos rapidamente (ainda mais rapidamente que os de carvão).

Por outro lado, o nuclear apenas é barato porque é subsidiado. A construção de centrais é subsidiada, a produção é subsidiada (embora menos, esta é a fase menos cara) e o desmantelamento das centrais é quase exclusivamente suportada pelos governos. Desta forma, qualquer energia renovável é competitiva.

Há ainda dois pontos. Um deles é a poluição térmica. Para manter as temperaturas estáveis dentro de um reactor nuclear, quantidades enormes de água têm que ser desviadas de rios e depois reenviadas para os mesmos. Esta água regressa mais quente do que saiu, o que significa que aumenta a temperatura do rio e, assim, diminui a concentração de oxigénio dissolvido na água, contribuindo para a morte de muita da sua fauna.

Há ainda a questão das energias renováveis, especialmente no contexto português. Portugal tem o maior número de horas de sol de toda a Europa, o que significa que pode aproveitar a energia solar (especialmente com os novos desenvolvimentos tecnológicos). Também tem muito vento (o mar, ao lado, ajuda). E ainda tem uma linha costeira enorme para a sua área, o que significa que terá muito onde instalar parques eólicos offshore e aproveitar para usar a energia das marés.

Aliás, um parque eólico offshore (especialmente se integrado com um centro de energia de marés) poderia ser usada em períodos fora do pico para produzir hidrogénio por electrólise, tirando partido de a água do mar possuir sal, sendo por isso mais condutora.

Infelizmente, muita gente quer apenas que o nuclear seja usado. Há ali muito dinheiro a fazer às custas do estado.

sguna disse...

Os custo de desmantelamento das actuais centrais no R.U. são estimados em £70milM (à 2 anos a estimativa era £52milM)!

O custo de desmatelamento de uma pequena central em França já excedeu os custos iniciais em 20x!

Como é que estes custos são considerados?

Pode-se argumentar muitas vantagens da energia nuclear: independência energética, potência requerida, etc. mas o preço, na minha opinião, é um mito. Uma vez todos os custos considerados seriamente, esta opção acaba por ser das mais dispendiosas.

Muito pode ser feito ao nivél da eficiência e/ou racionamento energético, mas isso não ganha votos ou satisfaz interesses obscuros!

Jorge Oliveira disse...

What’s the cost of cleaning up nuclear power sites? The nuclear decommissioning
authority has an annual budget of £2 billion for the next 25
years. The nuclear industry sold everyone in the UK 4 kWh/d for about
25 years, so the nuclear decommissioning authority’s cost is 2.3 p/kWh.
That’s a hefty subsidy – though not, it must be said, as hefty as the subsidy
currently given to offshore wind (7 p/kWh).

sguna disse...

"The NDA is pleased to confirm that the DTI has agreed to fund a programme of £2.472 billion for 2007/8 which represents a small increase on programme spending in the current year and is significantly higher than the 05/06 budget."
http://www.nda.gov.uk/news/nda-budget-0708.cfm

Isto eleva os custos que citou para valores mais perto de 3p/kWh. Supondo que este valor não continue a aumentar. Adicione os gastos em I&D durante os últimos 50 anos, pagos pelo contribuite, mais o limite de responsabilidade em caso de acidentes, e os números tornam-se ainda mais desfavoraveis. Se comparar com energia eólica, a tendência é o custo de produção diminuir.

De acordo com a "world-nuclear.org"

The EUR 3.3 billion subsidy in 2001 was projected to grow to about EUR 11.5 billion in 2010, including EUR 7.4 billion for feed-in tariffs. The unit subsidy would then range from 0.4 c/kWh in Finland to 6.6 c/kWh in Germany, with a weighted average of 3.7 c/kWh in EU-15 countries (4.2 c/kWh in those with feed-in tariffs).

Vítor Pimenta disse...

Caro Professor, com todo o respeito, porque não investir no desenvolvimento de tecnologia que aproveite o potencial geotérmico. Acho que o nuclear é por ora uma falácia, na sua fusão a quente, que mesmo sendo melhor alternativa ao fóssil não é a mais desejável.

sguna disse...

No meu comentário anterior, o último parágrafo refere incentivos às energias renovaveis somente.

Amaliasousa disse...

Também estou de acordo que as alternativas eólica e solar não resolvem o problema.
Gostava de saber o que pensa o Prof. Carlos Fiolhais acerca do ITER

De Rerum Natura disse...

Agradeço os vários comentários que só agora pude ler. É interessante como a questão da energia nuclear continua a suscitar tantos e tão apaixonados comentários. Chernobyl foi uma tragédia, mas não a grande tragédia que, em geral, se conta (basta ler os relatórios das comissões internacionais de peritos).

Respondendo a duas questões específicas:
1) Não estou suficientemente a par das questões económicas relativas às centrais nucleares para poder sobre elas emitir opinião segura. Pode haver razões económicas que impeçam a construção de uma central no nosso país...
2) Quanto à fusão nuclear (nomeadamente o ITER), a investigação deve não só continuar comos er incentivada, mas é utópico esperar uma aplicação prática nos próximos 20 ou 30 anos.

Carlos Fiolhais

Luisa disse...

A questão do nuclear parece-me uma falsa questão e, desculpem-me a sinceridade, uma atitude típica do Velho do Restelo. Enquanto engenheira (que trabalha na área da energia), entendo que tudo quanto é novo é apelativo - mesmo que só seja novo no nosso quintal, e o vizinho do lado já há muito tenha o mesmo gadget... Apetece descobrir, desmontar, perceber, voltar a montar, controlar a técnica e a natureza. O nuclear, só para nós, ainda é novo, mas sejamos honestos e reconheçamos que os ganhos a realizar em Portugal, os mais simples, mais velozes e mais baratos de conseguir em termos de energia, são espantosamente simples: estou a falar de eficiência energética, claro!
Lembrem-se que o nuclear só "resolve" o problema da produção da electricidade e como os consumidores de electricidade depressa descobrirão, o factor limitante no que toca a electricidade dentro em breve deixará de ser a produção para passar a ser a distribuição - os apagões não se devem a ausência de produção e não é por acaso que em certos estados dos EUA se criaram mercados de 'negawatts' ao invés de megawatts, há já uns anitos valentes. Na verdade os custos de distribuição eram tão elevados, que para os vendedores de electricidade compensava NÃO FORNECER electricidade x dias/ano, ao invés de fornecer, contrariando estranhamente a natureza do seu próprio negócio. O nuclear só faz sentido numa lógica de produção centralizada de electricidade, e se não quisermos olhar para o anterior exemplo, aparentemente bizarro, olhemos à volta, para mais próximo de casa, e veja-se que o paradigma da distribuição está a mudar, está a descentralizar-se, está a reverter para uma lógica de médio a longo prazo de redes inteligentes em que todos os que a ela estão ligados serão, à vez, produtores ou consumidores de electricidade que tanto pode ter sido produzida em Portugal como em Espanha, ou mesmo França (embora no caso português isso seja previsivelmente mais uma venda indirecta que directa - ex: se os catalães comprarem mais barato aos franceses, os espanhóis podem vender o seu sobrante mais barato a 'nosotros'). O período de tempo previsto para a implementação plenamente funcional deste tipo de lógica a nível europeu, (e refira-se com justiça que Portugal está na vanguarda das redes inteligentes quando comparado com os seus congéneres europeus),é seguramente menor que o tempo de vida de uma central nuclear que se viesse a fazer em Portugal, mesmo que a decisão de a fazer fosse tomada já hoje. Isto obriga a refazer as contas de viabilidade de qualquer central produtora de electricidade, à luz da alteração de paradigma de distribuição bidireccional e produção descentralizada. Além do mais, o sector onde o consumo de energia primária coloca uma crescente dor de cabeça a Portugal é o dos transportes, não o da electricidade. Ou seja: o nuclear não resolve o nosso problema energético crescente e o consumo de electricidade é uma questão possível de resolver de uma miríade de endógenas e baratas maneiras, estando sujeita a uma profunda alteração de paradigma a médio prazo. Tudo isto me leva de volta ao início e pergunto-me: porque é que isto do nuclear ainda se discute tanto por cá e se dá tanta relevância a esta questão como se pudesse ainda de facto resolver problemas, quando já não tem tempo para ser mais que uma eventual panaceia? Parece-me que está na altura de parar de correr atrás do tempo e dos anacronismos de paradigmas que, quer queiramos quer não, serão ultrapassados por força de vontades maiores que a nossa portuguesa, e está na altura de darmos o salto para apanhar o tempo e o paradigma de amanhã. Se dependesse do Velho do Restelo, nunca teriam zarpado os barcos. Se ele estivesse aqui hoje, diria que de pouco valeu Descobrir para sermos roubados por ingleses, espanhóis, franceses e holandeses e acabarmos, 500 anos depois, como hoje estamos. Ainda assim, eu acho que fizemos bem em largar o passado e rumar a um futuro nosso, com tecnologia nossa, ciência nossa, 'desenrasca' nosso e que neste blog já vi - e bem! - serem salientados e louvados, como merecem.

P.S. se cometi lapsos no português peço desculpa, mas a escrever assim 'do-neurónio-para-o-monitor' nem sempre saltam à vista os erros que numa revisão se detectariam.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...