sábado, 18 de outubro de 2008

OS MAGALHÃES


Minha crónica no semanário "Sol" de hoje (na imagem, retrato de Fernão de Magalhães de autor desconhecido existente no Kunsthistorische Museum de Viena):

A propaganda governamental só fala do Magalhães, o portátil que anda a distribuir pelas escolas. Não sei se já alguma televisão se lembrou de ir perguntar aos alunos quem foi Magalhães. Suspeito que a resposta seria reveladora do estado do nosso ensino. E duvido de que as crianças venham a usar o portátil para obter a resposta. Aliás, quem perguntar ao Google ficará surpreendido ao descobrir que o portátil Magalhães está mais acima do que o navegador Fernão de Magalhães (Sabrosa? 1480- Filipinas, 1521), que empreendeu em 1519, sem pessoalmente a terminar, a primeira viagem de circumnavegação à Terra.


A família Magalhães remonta ao tempo da nacionalidade e nela há, além de Fernão de Magalhães, outros Magalhães ilustres, os quais importa conhecer. Por exemplo, o padre Gabriel de Magalhães (Pedrógão Grande, 1609 – Pequim 1677) foi um missionário que, depois de ter estudado no Colégio de Jesus em Coimbra, viajou para Oriente. Esteve na Índia, em Malaca e na China. Em breve irão passar 400 anos sobre o seu nascimento deste jesuíta que demandou o “Império do meio” antes do jesuíta Tomás Pereira, de quem agora se comemoram os 300 anos da morte. Na China Magalhães foi perseguido, várias vezes preso e torturado e duas vezes condenado à morte (da primeira salvou-se, in extremis, porque o tirano lhe pediu uma carta astrológica...). Grande construtor mecânico, fez relógios e outros instrumentos para a corte imperial chinesa.


Um outro Magalhães famoso, do ramo dos Magalhães de Pedrógão, também estudou em Coimbra (no Mosteiro de Santa Cruz), também emigrou e também foi um grande construtor de instrumentos mecânicos. João Jacinto de Magalhães (Aveiro 1722 – Londres 1790) tornou-se “estrangeirado” devido às perseguições do Marquês de Pombal. Com base em Londres, viajou pela Europa, tendo convivido com alguns dos nomes maiores da ciência e do pensamento do seu tempo. Doou ao seu colega e amigo Benjamin Franklin 200 guinéus para um prémio científico que ainda hoje existe nos Estados Unidos e que tem, justamente, o nome de Magalhães.

9 comentários:

Graça disse...

O conceito de "estrangeirado" aplica-se aos cientistas e intelectuais que eram perseguidos pele Inquisição, não pelo Marquês de Pombal...

joão boaventura disse...

Sobre os estrangeirados, e a propósito, será interessante ler aqui e o texto de Nuno Crato aqui

Rui Baptista disse...

"Não sei se alguma televisão se lembrou de ir perguntar aos alunos quem foi Magalhães", pergunta o Professor Carlos Fiolhais. Cruzes canhoto! Grande parte das respostas, quase apostaria dobrado contra singelo, diriam ser, ou ter sido, um jogador de futebol ou um cantor pop.

Rui Baptista disse...

Em devido tempo: Cogitei agora, com uma certa dose de malícia, enquanto procedia à minha higiene matinal, que a resposta de um aluno mais politizado se inclinaria para dizer que o nome de baptismo dado aos computadores "Magalhães" se tratava de uma homenagem a um conhecido deputado da bancada do Partido Socialista com esse nome e
e presença constante nos ecrãs televisivos e páginas dos jornais!

joão boaventura disse...

Salvo melhor informação o Marquês de Pombal também foi considerado um estrangeirado.

De Rerum Natura disse...

Teria sido mais adequado ter escrito
"perseguições no tempo do Marquês de Pombal". De qualquer modo Pombal subordinou a Inquisição ao poder régio e um Inquisidor-Mor foi um seu irmão. A Inquisição não foi no tempo de Pombal independente dele.
Carlos Fiolhais

De Rerum Natura disse...

O nº máximo de caracteres do jornal obrigou-me a ser conciso: por exemplo, a interrogação de Sabrosa como terra de nascimento de Fernão de Magalhães deve-se ao facto de alguns estudiosos afirmarem que é Ponte da Barca. A questão não está resolvida.
Carlos Fiolhais

José Corvo disse...

Se os actuais governantes tivessem memória histórica nunca teriam escolhido o nome de Magalhães para o tal computador que anda por aí a inseminar controvérsias.
Fernão de Magalhães, não exclusivamente por culpa própria, simboliza a causa da decadência do sucesso marítimo português.
Humilhado e rejeitado por D. Manuel ofereceu-se a Carlos I de Castela a quem jurou obediência tendo para o efeito mudado o nome para Hernando de Magallanes.
Tal anómala identidade deveria fazer corar aqueles que o recordam na perspectiva em que o fazem, independentemente de tudo o resto.
Renunciou à sua lealdade a Portugal e transformou-se num homem sem País tendo passado a ser fiel servidor do rei de Espanha.
D. Manuel I enviou vândalos a Sabrosa que arrancaram o brasão dos Magalhães e os familiares foram obrigados a mudar-se por receio e vergonha...

joão boaventura disse...

Ainda sobre os estrangeirados ver aqui.

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