segunda-feira, 20 de outubro de 2008

21th Century Learning Matters?

Novo post convidado de Norberto Pires, director da revista "Robótica". Este texto será o editorial do número de Novembro da revista e agradecemos ao autor colocá-lo à disposição dos nossos leitores (as referências [1], [2] e [5] são os vídeos intercalados no texto):

Este mundo focado no curto prazo e numa ideia muito particular de sucesso e felicidade tem coisas perversas. A aversão pela reflexão, pela ponderação, pelo raciocínio estratégico baseado em objectivos de longo prazo tem, como não podia deixar de ser, consequências muito complicadas. As pessoas só se apercebem disso quando acontece um desastre e afinal se conclui que a auto-regulação não funciona e que é necessária uma regulação responsável (ou seja, com regras claras), que permita um desenvolvimento sustentado (verdadeiro suporte da liberdade e da democracia): passo-a-passo, sem cortar etapas, só passando para o degrau seguinte quando o anterior está sólido. O curto prazo não permite isso, porque são necessários resultados imediatos, é preciso vender ilusões e mostrar números. Para descobrir, anos depois, que afinal era tudo muito frágil ao observar horrorizados como tudo se desmorona com uma simples brisa.

Agora existe a aprendizagem do século XXI [1], invariavelmente reduzida a tecnologia (e portanto incapaz de se adaptar à mudança da nossa forma de viver [5]), (com "slogan" e tudo: “21th Century Learning Matters”), que diz, sem nenhum problema, de consciência ou outro, que a aprendizagem baseada nos três R (Reading, wRiting and aRithmetic), que colocava o foco inicial no domínio dessas competências (que não são skills, segundo esses educadores do novo milénio: isso das skills é mais high-tech, mais 21th century) está ultrapassada (destinava-se a um mundo repetitivo, onde as pessoas não tinham ambições, acomodavam-se, etc., a boring world), com argumentos high-tech e cheios de palavras bonitas e imagens muito atractivas como: skills, Internet, global, community, designing, creating new products, information, data analysis, aggregation, problem solving, information synthesis, in 2007 we produced more words than in the entire human history…, tudo com muitos blip-blip, data-flows e jobs of the future that we are unable to imagine yet, bem misturado e apresentado. :-(

Claro que depois os alunos avançam e não são capazes de uma conta simples sem o auxílio de uma máquina de calcular, pensam que tudo é possível pois não conhecem as regras básicas do cálculo e da aritmética, não sabem ler (muito menos interpretar um texto), não sabem escrever uma simples frase sem vários erros de ortografia e, mais importante do que isso, sem uma sequência lógica (é preciso ler e reler várias vezes o mesmo texto, e recorrer a muita imaginação, para perceber o que eles querem dizer). Alunos cada vez mais excluídos, sem o saberem, neste mundo global onde o foco está cada vez mais no conhecimento.

Existem razões para isso tudo [2], como existem nos EUA de onde andamos a importar estas "revoluções tecnológicas" (que, invariavelmente, apontam para a importação de tecnologia e software dos nossos amigos, partners, como se diz no mundo do 21th century learning matters, que nos "ajudam" nestas “revoluções”).

Depois irão verificar, daqui a alguns anos, que a aprendizagem se faz por etapas, passo-a-passo, consolidando conhecimentos, com o tempo que as coisas normalmente levam, utilizando as ferramentas de forma responsável e gradual (ou seja, na justa medida em que são úteis ao processo de aprendizagem e ao incentivo que podem constituir), porque o objectivo é de longo prazo e não se (deve) mistura(r) com "marketing" e ruído mediático.

Vejam, por exemplo, o que os nossos líderes, nacionais e internacionais, diziam há poucos meses do actual sistema financeiro e do mercado. Como falavam da regulação. Ouvi um deles, há uns meses numa conferência, grande "economista dos comentários online", dizer que havia um “excesso de regulação, que isso impedia o dinamismo das empresas porque tinham de explicar tudo à CMVM, mesmo a mais pequena decisão. E isso retira agilidade às empresas…”. Ouvi-o há dias de novo, sem o mínimo de vergonha mas com a mesma arrogância, a dizer exactamente o contrário, que “isto (a crise financeira) demonstrou que os mecanismos de regulação não funcionaram e eram demasiado incipientes”.

Senti um arrepio. Imaginei os nossos "líderes" a dizerem-nos, dentro de anos, que infelizmente o caminho seguido foi um erro (mais uma experiência falhada) e que afinal saber a tabuada, saber ler, gostar de ler (o que se incentiva, colocando o foco na reflexão), utilizar métodos tradicionais de aprender aritmética, aprender e experimentar conceitos elementares de ciência e tecnologia, aprender música, incentivar o gosto por várias manifestações de arte, o gosto pela pesquisa e pelo pensamento original e criativo, incentivar o empreendedorismo e o risco, etc., é fundamental para as gerações do século XXI, é fundamental para aquilo que elas vão fazer, na sua vida do dia-a-dia. No fundo é isso que temos de lhes mostrar, para que não se sintam perdidos e encarem o futuro com optimismo e confiança.

Alguns pensam que isto se faz com tecnologia. Alguns pensam que isto se faz só com tecnologia. Alguns pensam que a tecnologia tem alguma coisa a ver com isto [5]. Irão concluir que estão enganados. Só que no processo várias gerações sofrerão as consequências. Se calhar a geração dos nossos filhos (o que nos deixa um particular aperto no coração), mas de certeza as do nosso futuro próximo...

Nota final: Ah! Os defensores do “21th Century Learning Matters” fazem inquéritos, e concluem coisas extraordinárias. Vejam só o inquérito de 2008 [3, 4]. Onde se podem ler coisas destas:

"What's more, there seems to be a disconnect between what students want from their own education and what the adults in charge think is best.

According to the survey, students' frustration with school filters and firewalls has grown since 2003, with 45 percent of middle and high school students now saying that these tools designed to protect them inhibit their learning. And 40 percent of students in grades six through 12 cite their teacher as an obstacle to their use of technology in school.

As one high school student in a recent focus group told Project Tomorrow, his vision for the ultimate school is one where the teachers and the principal actively seek and regularly include the ideas of students in discussions and planning for all aspects of education -- not just technology.

"This is our future, after all," said the student. "Our ideas should count, too."
Estão a ouvir os Pink-Floyd?
We don’t need no education.
We don’t need no thought control.
No dark sarcasm in the classroom.
TEACHERS!! Leave them kids ALONE
.”

Eu adicionaria uma versão “21th Century Learning Matters" de "Another Brick in the Wall”:
We don’t need no education.
We don’t need no FIREWALLS and RULES.
Kids need to play GLOBALLY with other kids.
TEACHERS!! This world is JUST a computer game!


Dá que pensar, não é?

J. Norberto Pires

Links na Web:
[1] 21th Century Learning Matters: aqui
[2] Math Education: The Inconvenient Truth: aqui
[3] Students Want More Use of Gaming Technology in Schools: aqui
[4] Project Tomorrow: National Speak Up Survey: aqui
[5] A Vision of Students Today: aqui

1 comentário:

Musicologo disse...

Quando nem um único aluno do terceiro ciclo da escola onde lecciono me soube dizer quando decorreu a segunda guerra mundial (o que me chocou verdadeiramente) eu pergunto: o que se passa com esta geração? Com tanta informação à sua volta e um evento destes nunca lhes passou pelos olhos? Respostas que variaram entre séc. XIX e anos 80 deixaram-me estarrecido. Quando pergunto onde fica a Irlanda, Jamaica ou Cabo Verde porque me era relevante para questões musicais e as respostas variam de acordo com o aleatório surgindo a Ásia à baila mais uma vez eu me pergunto: que ideia têm estes jovens do nosso mundo? Coisas tão básicas da cultura geral mais elementar que no meu tempo se "marravam" (e bem) escapam-lhes completamente e depois vão saber de cor os personagens todos das novelas, os modelos todos de telemóveis ou as letras de hip hop underground... prioridades.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...