sábado, 31 de maio de 2008

A história da história da Terra


Como tratei aqui recentemente de Lord Kelvin, vem a propósito transcrever aqui o capítulo do mau livro "Curiosidade Apaixonada" (Gradiva) que trata do problema da idade do nosso planeta:

Quando falamos em história da Terra, temos de nos referir a longos períodos de tempo, milhares de milhões de anos... Sabe-se hoje que a Terra tem cerca de quatro mil milhões de anos, mas demorou algum tempo a chegar a essa conclusão.

A busca da idade da Terra iniciou-se há mais de duzentos anos... O alemão Abraham Gottlob Werner (1749-1817) foi um dos pioneiros dessa busca. Werner, considerado um dos avós da geologia, defendia que a formação da Terra tinha sido um processo rápido e que todas as rochas se tinham depositado num oceano primordial, num espaço de tempo muito curto – esta é a chamada cronologia curta da Terra. A teoria werniana estava aliás de acordo com os conteúdos do “Génesis”, o primeiro livro da Bíblia (segundo o “Génesis”, Deus criou o Universo, incluindo a Terra, em escassos sete dias), e, talvez por isso, permaneceu, durante muitos anos, inabalada.

Acabou, porém, por ser questionada nos finais do século XVIII pelo geólogo inglês James Hutton (1726-1797). Hutton, ao observar rochas sedimentares depositadas horizontalmente sobre rochas dobradas, deduziu que estas teriam sido depositadas em diferentes épocas e que, portanto, era longa a história do nosso planeta – esta é a chamada cronologia longa da Terra. Em 1795, Hutton publicou o seu famoso livro “Theory of the Earth”, no qual expõe uma história geológica uniforme, permanente, sem início nem fim. Poder-se-ia mesmo falar de uma idade infinita para a Terra! Claro que, para os cristãos que levavam à letra a palavra bíblica, a ideia de um tempo infinito era uma verdadeira heresia, uma vez que proibia o acto criativo do Criador. Hoje já não é heresia: a teoria de Hutton serviu de base para as teorias de geologia e biologia que se lhe seguiram e, sabe-se hoje, está essencialmente correcta.

Charles Lyell (1797-1875), outro geológo inglês, foi um seguidor das ideias de Hutton. Considerado por muitos o pai da geologia, publicou entre 1830 e 1833 o livro fundador dessa ciência - “Principles of Geology” (em três volumes) - , onde defendeu as ideias de Hutton contra as de Werner. Lyell datou rochas através dos fósseis que eles continham, tendo concluído que a Terra teria milhões de anos e, mais ainda, que teria mudado lentamente ao longo de todo esse tempo, devido a factores como a erosão. O princípio do uniformismo defendido por Hutton ganhou nessa altura tal preponderância que, a partir de meados do século XIX, a Bíblia quase desapareceu do estudo da história da Terra...

Ainda outro inglês, Charles Darwin (1809-1882), o famosíssimo proponente da teoria da evolução, foi um adepto das ideias do seu amigo Lyell, tendo feito amplo uso delas na sua teoria. Por sua vez, Lyell, que antes acreditava que as espécies se tinham mantido imutáveis ao longo dos tempos, tornou-se, quando conhece a teoria de Darwin, um dos seus mais acérrimos defensores. O desenvolvimento da estratigrafia e da paleontologia, já preliminarmente estudadas por sábios como Leonardo da Vinci e Antoine Lavoisier, ajudou à aceitação das teses uniformistas de Hutton e Lyell. O estudo dos fósseis permitiu entender as sequências dos estratos e, portanto, conhecer melhor a história da Terra.

Em 1859, Darwin estimou em 300 milhões de anos, um tempo claramente longo, o período de escavação de um grande vale inglês. Esse cálculo concordava “grosso modo” com um outro relativo à salinidade dos oceanos, que fixava em cerca de 100 milhões de anos o tempo necessário para salinizar toda a água do mar.

Mas, em 1863, o eminente físico William Thomson (1824-1907), mais conhecido pelo título de Lorde Kelvin, que na altura era considerado o “papa” da Física (Kelvin foi um dos autores da Segunda Lei da Termodinâmica, que marcou a física do século XIX) voltou, embora obviamente sem invocar a Bíblia, às ideias da cronologia curta. Baseado na Primeira Lei da Termodinâmica, estudou o fluxo de calor emitido pela Terra, concluindo que o nosso planeta teria, no máximo dos máximos, 100 milhões de anos. Em 1987, Kelvin, depois de efectuar novos cálculos, atribuiu à Terra cerca de 20 milhões de anos, um valor tão pequeno que provocou um grande alvoroço entre os geólogos. Lyell respondeu-lhe afirmando que haveria reacções químicas no interior da Terra que não tinham sido consideradas nesses cálculos... Não conseguiu porém demover o teimosíssimo Kelvin, que, quando muito, estava apenas disposto a admitir o valor de 40 milhões de anos.

Kelvin estava rotundamente enganado! A chave para mostrar o seu erro só apareceria mais tarde, em 1896, com a descoberta da radioactividade pelo físico francês Henri Becquerel (1852-1908). A Terra contém no seu interior rochas radioactivas, mas o fenómeno da radioactividade, que está associado à emissão de calor, não entrava nos cálculos de Kelvin...

Curiosamente, foi a radioactividade de algumas rochas naturais que permitiu finalmente datar com precisão o planeta Terra. Um dos geólogos mais ilustres do século XX foi o britânico Arthur Holmes (1890-1965). Holmes, depois de investigar o problema da datação da Terra, concluiu que a Terra teria uma idade entre 1,4 e 3 mil milhões de anos. Numerosas determinações posteriores deram à Terra, como de resto ao sistema solar (a Terra tem a idade do sistema planetário que integra), a idade um pouco maior de 4,5 mil milhões de anos. Não é um tempo infinito como defendia Hutton, mas é muito maior do que o tempo bíblico ou do que o tempo de Kelvin...

Kelvin não viveu o suficiente para reconhecer o seu erro... Mas esta história da história da Terra mostra como a ciência avança ao reconhecer os seus erros. E mostra, principalmente, que é o diálogo entre as disciplinas científicas, neste caso a geologia e a física, que acelera a construção do conhecimento científico.

7 comentários:

JSA disse...

Primeiro ponto: não se creu sempre que a Terra tivesse sido criada em seis dias literais. Essa é uma noção que surgiu mais tarde e que depois ganhou terreno. A maior parte dos geólogos a certa altura, pré-Hutton ou Darwin aceitava uma idade de milhões de anos, apenas não assim tantos.

Quanto a Kelvin, preveu uma idade de cerca de 100 milhões de anos, de facto, mas não "no máximo dos máximos". A sua previsão inicial considerava, na realidade, que a idade poderia estar entre 20 e 400 milhões de anos. E foi o próprio Kelvin que predisse que os cálculos poderiam ser alterados se «fontes actualmente desconhecidas para nós estiverem preparadas no grande armazém da criação» (tradução minha). A razão para o valor final de 24 milhões de anos (e não 20, embora imagine que o Carlos prefira números redondos) prendia-se com o Sol. Ninguém conseguia, naqueles tempos pré-nucleares, compreender como poderia o Sol arder por mais que uns milhões de anos sem se esgotar o combustível. Por isso mesmo estes cálculos.

A observação de Kelvin sobre as novas fontes de energia foram referidas por Ernest Rutherford para explicar que as tinha encontrado (desintegração atómica por radioactividade) e que isso explicava porque razão o pedaço de pechblenda (pitchblende) que tinha examinado tinha 700 milhões de anos.

Depois de Holmes (cuja previsão apontou para os tais 3 mil milhões de anos, mas avançando que seria provavelmente mais), veio ainda Clair Patterson e que Carlos Fiolhais deixa de fora desta história, o que é inexplicável por ter sido ele quem chegou ao valor de 4550 milhões de anos.

Outra nota: o livro de Hutton chamava-se "Theory of the Earth with proofs and illustrations", no seu nome completo e teve durante a vida do autor apenas 2 volumes. O terceiro foi publicado mais de um século após a morte dele e um quarto volume que ele tinha preparado nunca foi publicado. A sua principal contribuição foi a proposta da existência de calor no interior da Terra e que este calor era a força que motivava a criação de montanhas e afins.

Nota: todas estas informações foram retiradas do livro "A short history of nearly everything", the Bill Bryson, o qual recomendo a qualquer pessoa, pelo seu interesse, facilidade de leitura e, segundo tenho lido, grande rigor.

Xico disse...

Não me parece que Agostinho, um dos pais da Igreja, defendesse a criação em exactamente 6 dias! Os cientistas explicam cientificamente a história, mas antes os filósofos tentaram interpretá-la. Agostinho por vezes parece até estar mais próximo do evolucionismo do que do criacionismo de algumas correntes protestantes!
Agostinho viveu há mais de 1600 anos e marca o início daquela idade que alguns idiotas gostam de chamar das "trevas"!

Freire de Andrade disse...

"mau livro"??? Obviamente não é mau. è "meu", de Carlos Fiolhais. Seria conveniente corrigir a gralha.

perspectiva disse...

Os registos históricos mais antigos têm cerca de 4 500 anos.

A partir daí cada um constrói a história da Terra, não com base na observação directa ou nos relatos de testemunhas oculares, mas com base nas suas próprias crenças acerca da suposta história da Terra.


Muitas pessoas acreditam que a Terra tem 4,5 biliões de anos.

No entanto, muito poucas sabem como é que se chegou a uma tal data, nem perecebem que a mesma é totalmente “model dependent”.

Ou seja, elas desconhecem as pressuposições naturalistas e os modelos uniformitaristas que têm que ser aceites previamente a essa determinação.

Charles Lyell, por exemplo, limitou-se a pressupor que os processos actualmente geológicos observados sempre aconteceram.

Mas como poderia ele provar a verdade dessa pressuposição?

É evidente que só o poderia fazer se reclamasse para si a omnisciência.

Curiosamente, a geologia contemporânea tem desmentido o uniformitarismo de Lyell e afirmado o catastrofismo.

Daí a emergência das correntes neo-catastrofistas.

A Bíblia, ao afirmar o dilúvio global (contando com o apoio de mais de 250 relatos da antiguidade) é inteira e absolutamente catastrofista.

O presente não é a chave do passado.

O dilúvio global, ocorrido no passado, é que é a chave para compreender as presentes observações de rochas e fósseis.

A verdade é que os métodos de datação continuam a desmentir com intensidade crescente essa extrema antiguidade da Terra.

Na verdade, esses métodos contradizem-se frequentemente uns aos outros, chegando mesmo alguns a dar datas futuras.

Por exemplo, pedaços de madeira recolhidos de uma rocha perto de Sydney, na Australia, supostamente com uma idade de 230 milhões de anos, deram uma idade de apenas 34,000 utilizando métodos de datação de carbono.

Amostras de rocha recolhidas de lava de uma erupção de há apenas 50 anos, do monte Ngauruhoe, na Nova Zelândia, deram idades de potássio-argon de até 3.5 milhões de anos.

Pedaços de madeira do chamado período Jurássico, no Reino Unido, datadas de há 190 milhões de anos deram uma idade de 25 000 anos usando datação por carbono.


Rochas com dez anos de idade, recolhidas da lava vulcânica do Monte de Santa Helena, nos Estados Unidos, deram uma idade radiométrica de 350 000 anos.

Em contrapartida, minerais das mesmas amostras deram uma idade de 2,8 milhões de anos.

Diamantes recolhidos nos Estados Unidos, supostamente com 2 biliões de anos deram uma idade de Carbono 14 de 56 000 anos.

Quando o Monte de Santa Helena explodiu, em 12 de Junho de 1980, enterrou muitas campos circundantes sob seis metros de cinza.

Os sedimentos continham formações laminadas que pareciam ter sido depositadas ao longo de milhares de anos.

No Colorado, uma caverna de uma mina foi encontrada com estalactites e estalagmites supostamente com milhares de anos.

No entanto, a mina tinha sido abandonada há apenas 20 anos.

Por seu lado, o canal National Geographic acaba de anunciar a autópsia de um Hadrosauro encontrado em 1999 no estado do Dakota, onde ainda são perceptíveis detalhes da pele, tecidos moles, ligamentos, órgãos intactos, num estado de conservação que os próprios cientistas envolvidos qualificaram de “inacreditável” e “de cortar a respiração”.

Temos mesmo que acreditar que o Hadrossauro tem 65 a 70 milhões de anos?

Então, que idade devemos escolher?

A verdade é que os cientistas não conseguem medir a idade da Terra.

Eles apenas estão em condições de fazer estimativas baseadas no modo como eles imaginam a formação da Terra.

Existe muita evidência científica de que Deus criou o Universo e a Vida de forma inteligente e de que o pecado introduziu a morte, a doença, o sofrimento e a corrupção.

Existe muita evidência geológica de que a Terra é recente e que foi sacudida por um dilúvio global, cerca de 1700 anos depois da sua criação, dilúvio esse responsável pelos fósseis que vemos e pelas evidências de catástrofe na geologia.

Existe muita evidência histórica de que Deus escolheu Israel como o povo de onde iria vir o Salvador, bem como de que Jesus Cristo viveu, morreu e ressuscitou conforme as escrituras.

A centralidade da questão de Israel e de Jerusalém ainda nos nossos dias testemunha a relevância da Bíblia tanto para entender as origens como o passado, o presente e o futuro da humanidade.

JSA disse...

Perspectiva: você já debitou a sua ignorância por carradas de outros posts. Deixe esse lixo (e essas mentiras, porque é do que se trata) e deixe de poluir as caixas de comentários.

Nuno disse...

Não seja por isso chama-se já o Constâncio Ladainha para discutir com o Perspectiva Machado q eles falam um com o outro e entendem-se às mil maravilhas!

Rodrigo Elesbao disse...

A Metodologia Científica paga por ser mais apurada, pois crê no embasamento experimental, na premissa de que a natureza das coisas, pura e simplesmente, deve ter um fundamento lógico, uma existência tangível, coerente, algo nem sempre fácil de se constatar experimentalmente, ao invés de fundamentalmente crer no que alguém escreveu que alguém disse que alguém fez (não há nenhum desrespeito, mas convenhamos, a Bíblia foi construída desta maneira). O estranho é que, para coisas de natureza infinitamente mais simples, elementares, todas as pessoas recorrem ao pensamento lógico/coerente, sendo religiosos ou não. Quando um religioso têm enxaquecas, não ora, toma uma aspirina, não?

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