quinta-feira, 15 de maio de 2008

Sobre a língua portuguesa

É sempre um gosto ler Onésimo Almeida, professor na Universidade Brown, nos EUA. Eis um excerto de um seu artigo sobre a língua portuguesa e a lusofonia, que publicou aqui:

"A língua é mais um reflexo, ou espelho, do que colectivamente somos, do que o inverso. Noutras palavras, não somos o que somos por causa da língua que falamos, e a nossa língua não é melhor do que as outras naquilo em que não formos melhores do que os outros. Os brasileiros desengravataram o português (como diria Vinicius de Morais) e a língua que tinham era a nossa, barroca, dos séculos XVII e XVIII. Os americanos arregaçaram as mangas ao inglês e vestiram-lhe jeans.

A língua portuguesa não é mais ou menos fraterna do que as demais, nem mais ou menos dominadora ou dialogante que as suas congéneres (Alfredo Margarido cita o gramático João Ribeiro para quem o português não seria “uma língua de diálogo, mas de dominação e de ordens”. Ela foi perra e atada no tempo do fascismo, e era a mesma descendente de Camões e de Eça. Hoje está solta (para alguns, demasiado solta), porque hoje estamos à solta ou, pelo menos, mais descontraídos e mais em contacto com o resto do mundo. Quem negará todavia que, após o 25 de Abril, a língua portuguesa se libertou porque os portugueses se libertaram de amarras diversas? Basta compará-la com a que se escrevia nos jornais e se falava na rádio e TV dos tempos idos do PREC.

Foi isso que Mia Couto captou maravilhosamente ao parafrasear Bernardo Soares: “A minha pátria é a minha língua portuguesa.” No caso dele, é o português de Moçambique. Noutros, será o do Brasil, de Cabo Verde, ou dos Açores. Uma língua plural como os seus falantes, que tanto podem ser conservadores, como comunistas, ou liberais. Que foram monárquicos e inquisidores, comerciantes e missionários, e descobridores e traficantes de escravos, colonialistas e aventureiros. A língua deles foi registando tudo isso e daí que hoje procuremos limpá-la, arejá-la, modernizá-la. Mas isso só acontece porque estamos a tentar fazer o mesmo à própria cultura que ela expressa e que nós vivemos."

Onésimo Almeida

1 comentário:

Victor Gonçalves disse...

Bela língua portuguesa a do Onésimo Almeida. Dá-nos também a noção certa do ridículo que tantas vezes envolve, também neste espaço, as discussões sobre o putativo acordo ortográfico.

Tudo se resolve quando se pensa bem.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...