sexta-feira, 8 de junho de 2007

Ciência e arte


Sabemos, por exemplo, que nas prateleiras da biblioteca existiu um livro do astrónomo Aristarco de Samos, defensor de que a Terra era apenas um planeta que, tal como os outros, girava em torno do Sol e que as estrelas estavam a distâncias enormes. Cada uma destas conclusões é inteiramente correcta mas tivemos de esperar quase 2000 anos pela sua redescoberta. Se multiplicarmos por 100 000 a perda deste livro de Aristarco, poderemos fazer uma ideia da grandiosidade da civilização clássica e da tragédia que representou a sua destruição.» Carl Sagan sobre a destruição da biblioteca de Alexandria no livro Cosmos.

No livro «Arte e beleza na estética medieval» (Editorial Presença, 2000), Umberto Eco mostra-nos que a Idade Média, caracterizada por muitos autores como um período marcado por insensibilidade estética, na realidade contempla reflexões que contribuiriam para o Renascimento. Para Eco, o renascimento não é uma negação da cultura medieval, mas apenas de alguns dos seus aspectos, entre eles estéticos, já que «falta à Idade Média uma teoria das belas-artes, uma noção de arte como a concebemos hoje, como produção de obras que têm por objectivo primeiro a fruição estética, com toda a dignidade que esta destinação comporta».


A passagem da Idade Média para o Renascimento não é uma transição abrupta, embora os dez séculos medievais estejam tão fortemente enraizados no poder da Igreja que o homem medieval pouco se permitia questionar, em relação à concepção do belo como em relação à concepção da Natureza. Mas, lentamente, o homem redescobre a dignidade perdida, expressa na oração da dignidade do homem (Oratio de Hominis Dignitate) de Picco della Mirandola, sendo esta redescoberta primeiro evidenciada na arte: com Giotto (1266-1337), considerado o primeiro artista moderno, o homem passou a ser a medida de todas as coisas e o corpo humano uma expressão do belo.

De facto, para o homem da Renascença, a Idade Média foi uma longa «noite de mil anos», de que são emblemáticos não só a destruição da biblioteca de Alexandria, alvo de «uma série de destruições nos finais do século IV perpretadas pelo zelo fanático dos cristãos contra as instituições e os símbolos da cultura pagã», como o encerramento da Academia de Platão no mesmo ano em que foi fundada a Ordem dos Beneditinos, a primeira grande ordem religiosa. Como nos diz Jostein Gaarder no Mundo de Sofia, «o ano de 529 simboliza o momento em que a Igreja cristã 'coloca uma tampa' na filosofia grega. Dali em diante, os mosteiros passaram a deter o monopólio da educação».

No Ocidente, a desagregação do sistema de ensino da antiguidade clássica que acompanhou a queda do Império Romano só começou a alterar-se no Natal de 800, data em que o Papa Leão III coroou Carlos Magno, investindo o rei franco da suprema autoridade temporal sobre os povos cristãos do Ocidente e dando início ao que alguns historiadores apelidam de renascimento carolíngio.

Carlos Magno reinava sobre um continente europeu fragmentado e desorganizado. Para restaurar e assegurar a unidade do seu vasto império, precisava do apoio da Igreja, a única estrutura que sobreviveu à queda do Império Romano - e que para além dos únicos letrados da época possuía boa parte das áreas cultiváveis da Europa ocidental, a base da riqueza medieval. Para além disso, Carlos Magno precisava urgentemente de preparar uma classe dirigente e, em especial, de dispor de funcionários letrados, capazes de cumprir tarefas que assegurassem a funcionalidade do império. Como a única estrutura sobrevivente capaz de tal tarefa era a Igreja, o monarca encarregou-a de educar os povos bárbaros que constituíam o seu Império.

Foram criadas escolas em mosteiros, conventos e abadias, - presididas por um eclesiástico, scholasticus, dependente directamente do bispo, daí o nome de escolástica dado à teologia católica a partir do século IX. Definiram-se disciplinas curriculares, as «artes liberais» que compreendiam o trivium (Gramática, Retórica e Lógica) e o quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia/Astrologia). Carlos Magno fundou ainda na corte imperial a chamada Escola Palatina, precursora das Universidades que começaram a surgir na Europa a partir do século XII . A Universidade de Coimbra, formalmente criada por carta régia do rei D. Dinis em 1 de Março de 1290 e ratificada pelo Papa Nicolau IV na bula papal de 9 de Agosto do mesmo ano, é assim uma das mais antigas universidades da Europa.

5 comentários:

Anónimo disse...

Seja-me permitido discordar de algumas das coisas que aqui são ditas, ou pelo menos da indução ao erro a que podem levar.
Fica-se com a ideia de que os cristãos é que destruíram a Biblioteca de Alexandria. Não é verdade. Mesmo aceitando as novas hipóteses (referidas no artigo para que este "post" remete), tratar-se-ia de destruições parciais.
Quanto ao saber clássico, foi precisamente a igreja conventual que o salvou de desaparecer.
Além disso, já há muito que se pôs de parte essa ideia renascentista de que a Idade Média foi um período negro para a civilização europeia. Basta conhecer um pouco esse tempo para se perceber quão injusta é a acusação.

Unknown disse...

De destruição parcial em destruição parcial os cristãos conseguiram a destruição total da biblioteca de Alexandria.

Ou o daniel de Sá já esqueceu o assassinato da astrónoma, física e filósofa neoplatónica, chamada Hypatia, filha de Theon, autor de "Elementos de Euclides" e último director do "Mouseion".

Hypatia nasceu em Alexandria em 370 EA, uma época em que a Igreja cristã consolidava o seu poder, intentando extirpar a influência da cultura tradicional, pelo que estava sobre o epicentro de poderosas forças sociais dirigidas por Cirilo (370/373-444), arcebispo de Alexandria, que a odiava e desprezava vendo nela um simbolo da cultura que a Igreja identificava com o "paganismo".

No ano de 415 EA, quando se dirigia para o local de trabalho, foi assaltada por uma turba de cristãos acirrados por Cirilo, que a fizeram sair da carruagem em que viajava, despiram-na e, com conchas marinhas, arrancaram-lhe os olhos, rasparam-lhe a carne até aos ossos, queimaram os seus restos e destruiram as suas obras.

Cirilo foi declarado doutor da Igreja… e santo.

Quanto ao saber clássico preservado nos conventos basta lembrar o Nome da Rosa para sabermos que só foi preservado o que interessava à Igreja. O resto só não desapareceu porque os árabes o preservaram... ou foi recuperado como o palimpsesto de arquimedes

Anónimo disse...

Ó Rita, não estará a falar a sério! Deve haver qualquer ironia na sua mensagem que não percebo. Ou então estará mal informada ou prefere acreditar numas coisas e não noutras. Não é assim que se estuda a História.
Comecemos por Cirilo de Alexandria. Era homem de mau feitio, implacável e intolerante em termos de ideias, mas nada o liga directamente à desgraçada morte de Hypatia. Indirectamente, isso sim, porque o clima de intolerância criado por ele terá levado uma turba enlouquecida a torturar aquela mulher extraordinária. Poderá dizer, e se o disser concedo-lhe razão, que assim foi pior ainda para o cristianismo: em vez de obra de um, foi-o de muitos.
São Cirilo não foi "declarado" santo. Nesse tempo não havia canonizações, e o culto de alguns cristãos como santos era resultado do juízo popular. (Mau juízo, diremos ambos, neste caso.) Doutor, sim, foi delarado já nos finais do século XIX. E isto porque, à parte as virtudes que pode não ter tido, foi fundamental na definição teológica da natureza humana e divina de Cristo.
Quanto à Biblioteca de Alexandria, não há nenhum autor sério que conceda grande credibiliadde às várias destruições que lhe são atribuídas. Nem sequer a final, de responsabilidade dos árabes. A própria biblioteca é em si mesma uma lenda, o que não quer dizer que não tenha existido e sido muito importante. Muitas das suas obras poderão mesmo ter sido pilhadas ou transferidas para a biblioteca de uma mesquita no Cairo. O pior foi a Olga Pombo ter tomado como verdade absoluta que os cristãos a queimaram várias vezes,a Palmira Silva ter citado apenas isso e a Rita ter transformado os cristãos nos seus únicos destruidores.
"O Nome da Rosa" é um dos livros mais honestos e credíveis de quantos misturam ficção e História. No entanto, o famoso tratado do riso de Aristóteles não é mais do que uma metáfora acerca de uma igreja tão triste e negativista que a sua pregação acabou por ser contraproducente. Os cristãos, com poucas esperanças de se salvar vendo que quase tudo lhes era proibido, entregavam-se a todos os prazeres nesta vida, já que a outra lhes parecia tão difícil de alcançar como felicidade eterna.
Peço-lhe desculpa, bem como à Palmira Silva, pelo tamanho da explicação.

Mauro Demarchi disse...

Daniel
Excelente resposta, criteriosa, polida, educada e erudita quanto aos fatos mencionados. O Sr. fala com conhecimento de causa.
Parabéns
Mauro Demarchi
www.familia.demarchi.nom.br

Cláudia S. Tomazi disse...

Com relação a biblioteca alexandrina: da sistémica, encadeia informações amealhando e remendando ou por hipótise, contudo em atribuir da história o uso e costume, factos quo?! Limitam-se por supostamente aflorar, amálgama de tensões em determinado contexto, fora demasiado duvidoso, cultivar do termo "honestidade" onde é dever honrar da memória.
E considera o post "artes liberais" compreendera a Universidade de Coimbra uma das mais antigas da Europa, formalizada por carta régia e confirmada por bula papal.

Brevemente discordo da seguinte frase da professora Palmira F. da Silva que: a partir de 529 "Dali em diante, os mosteiros passaram a deter o monopólio da educação". Em atribuir e tratando-se de concentrar esforços e desenvolver valores, fora delicado investir o crédito que o mundo outrora mergulhado em desacertos e redescobertas, pertinente a maioria da práctica activa das incursões, tivera labor (induto) cristão. Portanto, atenta a desenvolver e retribuir da dignidade que fora propósito de ordem consistente.

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