sábado, 23 de junho de 2007
ABAIXO A IGUALDADE
Minha crónica de ontem do jornal "Público". Nem de propósito: a prova de Física de ontem tinha um erro que o Ministério da Educação reconheceu (ao contrário de outras vezes). Os exames deviam ser feitos com mais cuidado!
Estava o processo revolucionário em curso quando uma reunião geral de alunos exigiu a um professor universitário a divulgação do modelo do exame. Ele assim fez, escarrapachando nas vitrinas não só uma série de problemas como também a respectiva resolução. Divulgados os resultados, um aluno viu o seu nome na pauta com um rotundo R à frente. Ficou tão espantado que correu a pedir uma justificação ao professor. Os enunciados eram os mesmos e ele tinha respondido tal e qual estava afixado... O professor mostrou-lhe então a prova. O aluno, que não gostava de exames, tinha simplesmente decorado (ou copiado?) tudo o que estava na vitrina, sem reparar que os valores numéricos dos problemas tinham sido alterados.
É natural que os alunos não gostem de exames. Os professores também não. Mas os exames, aqui ou em qualquer parte do mundo, são necessários. Mais: são indispensáveis para ver o que é que se aprendeu. No nosso ensino superior temos exames a mais. Em contraste, no nosso ensino básico e secundário, temos decididamente exames a menos. Os exames nacionais têm estado quase reduzidos aos do 12º ano (as chamadas “provas de aferição” não são exames: eram feitas apenas por amostragem, são anónimas e não contam para o percurso escolar do aluno; e os exames do 9º ano são muito limitados, contando só 30% para a nota). E, o que é pior, os poucos exames que há têm sido mal concebidos: às vezes não passam de meras charadas e chegam a conter erros grosseiros (o mais famoso ocorreu num exame de geometria descritiva, no qual uma recta só poderia ser tangente a uma circunferência com o auxílio de um “lápis grosso”!). Em resultado dessa escada com um só degrau, os alunos chegam ao ensino superior sem o traquejo que apenas pode ser dado por um sistema de avaliação progressivo e rigoroso. Como podem jovens que não fizeram treinos nem suficientes nem suficientemente árduos entrar de repente em jogos de alta competição?
A revolução de há 33 anos ainda não deu, na educação, frutos que nos contentem. O sistema educativo mantido pelos sucessivos governos não gosta nada de exames, de provas bem feitas que permitam a selecção dos melhores. Não gosta sequer da palavra avaliação. Mas, se todos nós temos iguais direitos (incluindo o direito à educação de qualidade), não somos de modo nenhum iguais. Os exames permitem apurar as diferenças. Uns, porque se esforçaram mais, aprenderam mais, ao passo que outros aprenderam menos. Claro que não conta só o esforço, mas também a capacidade. E não são só os alunos que são diferentes: os professores e as escolas também são. É justo que o mérito individual ou colectivo seja recompensado.
O actual governo tem-se agitado na área da educação, mas não tem sido capaz de alterar substancialmente o sistema educativo arreigado. Lá conseguiu manter umas tímidas provas nacionais no 9º ano vindas do governo anterior (este ano muito fáceis, para benefício das estatísticas), mas não se atreveu a criar exames antes disso. Meteu os pés pelas mãos nas provas de Física e Química do final do secundário no ano passado, pois foi logo evidente que muitos alunos tinham sido discriminados. Diminuiu o papel regulador e certificador dos exames nacionais do 12º ano (veja-se o caso da Filosofia). De facto, pouca gente se apercebeu que os exames nacionais no fim dos estudos secundários estão a desaparecer, uma vez que essas provas vão servir apenas para o acesso ao ensino superior. Quer dizer, como outros antes dele, o actual Ministério da Educação deu umas no cravo e muitas na ferradura.
Porque é que não há mudanças de fundo, nomeadamente no sentido de implantar uma avaliação consequente? Pior do que não gostar, a máquina do ministério abomina os exames. Ela tem muita gente que, tal como o aluno cábula, teria sido reprovada em qualquer exame sério (veja-se o caso da senhora à frente da DREN). A maior parte dessa gente alimentará talvez a doce ilusão de que somos todos iguais. Ora eu não quero ser igual a eles! E tenho a certeza de que não estou sozinho...
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7 comentários:
3 comentários a este texto, feitos em http://sorumbatico.blogspot.com, onde também foi colocado:
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A) Durante anos e anos, os exames de Física I e II do IST eram à base de umas 50 perguntas, sempre as mesmas (as "calistas"), cula resolução se comprava, já impressa, por 50$.
Uma delas, era acerca de um pêndulo que oscilava longitudinalmente num vagão que acelerava.
No ano em que eu fiz exame, saiu esse problema; só que, em vez de acelerar, o vagão travava, pelo que era necessário tocar o sinal da aceleração.
Como se está mesmo a ver, foram inúmeros os que escarrapacharam o problema "calisto", sem lerem, sequer, a pergunta.
Aliás, muitos levavam já folhas de exame escritas, que metiam à sorrelfa...
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B) À boa maneira do Estado Novo, o «Correio da Manhã» de hoje, em vez de dar relevo ao facto, inadmissível, de um exame com erros, salienta:
«A rápida reacção do Ministério da Educação, ao divulgar de imediato a falha às sociedades envolvidas nos exames e aos órgãos de comunicação social, foi aplaudida pelos professores, que recordaram toda a polémica que o exame de Química e Física gerou em 2006».
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C) O título desta crónica presta-se a confusões, porque ninguém contesta a justiça da igualdade DE OPORTUNIDADES.
Uma vez ela garantida, vem então o resto.
E aí, sim:
Igualdade será tratar por igual o que é igual, e diferentemente o que é diferente.
A razão de ser do meu comentário perdeu pertinência ao ler a última parte do comentário anterior.
Fica pelo menos o meu agrado por este artigo, que li hoje de manhã no Público de ontem.
A grande questão é que o conceito de igualdade é profundamente mal compreendido por muita gente, nomeadamente os senhores que "gerem" a educação.
O facto de uma pessoa não ter vocação para estudar ou tirar uma lincenciatura, não faz dela menos pessoa ou pior pessoa (ao contrário do que uma certa campanha publicitária oficial faz dizer). Da mesma maneira que eu até posso estar preparado para tirar um doutoramento no MIT, mas certamente não tenho capacidade NENHUMA para jogar ao lado do Cristiano Ronaldo no Manchester. Ninguém me quereria lá e muito menos me pagariam para tal. Ora então porque há de o Estado pagar para isso?
O pior é que se queriam ilusões, se vendem promessas, que em tudo são promessas falsas. Enganam-se as pessoas. Enganam-se aqueles a que não se lhes diz a verdade e enganam-se aqueles a quem se tira oportunidades, para se poder continuar a fingir que todos somos iguais.
Todos nascemos com os mesmos direitos. Mas todos nascemos diferentes, em locais diferentes, com condições e heranças diferentes. Isto deve ser dito, encarado e tratado como deve ser. Porque ser-se carpinteiro é tão digno como ser-se engenheiro. Eventualmente as responsabilidades serão diferentes, mas a vida não é fácil e eu, por mais que queira, nunca poderei jogar no Maracanã.
Por chegar a pensar que, com algo deste post, podia ter aprendido uma coisa nova da minha área, hoje podia ter sido um dia muito mais simpático da minha vida. Mas não. Foi igual aos outros. Pelo menos até agora. Uma pessoa que gosta de aprender, como eu, valoriza as descobertas, as coisas novas que vai ficando a saber. E regozija-se com isso. Por vezes é "sol de pouca dura" mas fica a felicidade do momento.
Tantos anos a aprender e a ensinar desenho, geometria descritiva e afins. Tanto ponto, tanta unidade elementar em percurso para ajudar a perceber uma simples linha, ou um lápis deambulando calmamente pelo espaço para me fazer entender acerca de uma superfície de revolução ou rômbica. Tanta volta nas parábolas e nos hiperbolóides escalenos e só hoje me foi apresentada uma recta tendencialmente tangente!
Uma recta "tendencialmente" tangente... É obra!
Espera lá, logo deduzi:
Esta linha recta pode ser "tendencialmente" paralela a esta linha curva.
Mas vou ter que provar (quando tiver tempo!). Isto não é uma verdade absoluta. Ainda.
Ainda bem que não era um segmento, senão, ainda alguém lhe via "ponta por onde se lhe pegasse". E uma coisa destas pode dar um jeitão às artes plásticas.
Não se cuidem, não, meus amigos! Depois vão admirar-se se, um dia destes, um aluno vos responder que a secção cónica é uma metáfora porque o plano não se materializou ou, que uma regra de três simples são três em pé. Discurso impróprio?... eu? Por favor, obscena é a tangente, e pelos vistos é grossinha.
Artur Figueiredo
Vou servir-me da sua analogia (jogos de alta competição e exames escolares) para demonstrar precisamente o contrário do que é defendido neste artigo: que os exames devem fazer-se porque é preciso dar o traquejo às crianças e jovens para a realização de exames no ensino superior. Ora, a meu ver, a defesa dos exames no ensino básico e secundário sustentada pelo argumento de que na competição desportiva de crianças e jovens as competições obedecem aos mesmos quadros de referência das competições realizadas pelos adultos é equívoco como se perceberá mais adiante, aqui: A competição (desportiva) em exame…
Na educação, como em muitos outros domínios da sociedade portuguesa, o paradigma dos complexos socialistas do pós 25 de Abril demonstra as suas "garras". Não me leve a mal a "intolerância democrática", mas este tem sido um dos principais motivos do nosso atraso (Salazar já não explica tudo), a dificuldade em gerir o binómio sociedade socialista - (ideal liberal das) liberdades individuais gera, indelevelmente, este preconceito de pensar que se não tratarmos tudo e todos por igual, então talvez estejamos a cair nas "malhas do fascismo social". Ainda bem que há exames e ainda bem que há diferenças! No ridículo hipotético em que todos fossem tratados por igual "no matter what", teríamos que todos seriam médicos, engenheiros (ups!), agricultores, pedreiros e o mais que houvesse pela pura razão da vontade individual de cada um (o que daria até um belo paradigma filosófico).
Esperemos é que o método facilitista do "passar de ano a preceito", tão em voga no ensino secundário e para bem das referidas estatísticas, seja extinto o mais rapidamente possível. É que isso é que constitui a verdadeira subversão do princípio da igualdade, no exercício mais perfeito de convite à mediocridade. É a áurea mediania, todos ganham, mesmo quando todos perdem. Ámen
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