domingo, 20 de maio de 2007
A ESCOLA E A NET
Uma notícia do “Diário de Notícias” (de 9 de Setembro de 2006, que saudades do tempo em que esse diário ainda não queria imitar o estilo tablóide!) tinha um título interessante: «Professores são a última resistência às novas tecnologias». Parece haver aqui um paradoxo: a escola, que teria de preparar os alunos para o o século XXI (pois não se destina a escola a preparar para a vida?), estaria a resistir à modernização. Mas poder-se-á resistir à modernização? Salvador Dali recomendava aos jovens pintores: “Não se preocupem em ser modernos: é a única coisa que não podem evitar”.
O facto é que a escola, a nossa ou qualquer uma, tem inércia. E a nossa, por vezes, tem mais inércia do que outras. Apesar de porfiados esforços de muita e boa gente, a Internet, na escola e também na casa de muitas famílias, é ainda vista por alguns professores e educadores como uma ameaça. Pode ser, de facto, uma ameaça à aprendizagem tradicional, mas, em potência, a Internet já é ou cedo será tão vital como os livros, sem tirar evidentemente o lugar imprescindível que estes ocupam... A Internet – mais do que os computadores em si mesmos - possibilitou uma das grandes mudanças na educação: caíram as paredes da escola e a aprendizagem deixou de ter de ser local para poder ser global. Os melhores professores norte-americanos, australianos ou brasileiros podem aqui encontrar discípulos e vice-versa. Mas os modos eficazes de usar as possibilidades que a Internet oferece na educação estão ainda em larga medida por explorar... A própria Web é um fenómeno relativamente recente – é uma jovem adolescente de pouco mais de 15 anos (e não resisto a dizer que foi criada pelos físicos não para comprar produtos ou namorar à distância mas simplesmente para partilhar ficheiros de experiências científicas realizadas no CERN, em Genève) - e está ainda em vertiginosa evolução, como provam os fenómenos bastante mais recentes do Google, da Wikipedia, da Blogosfera, do You Tube. A Web é uma biblioteca de Babel em evolução rápida...
Será que os professores resistem mesmo às novas tecnologias? Vários estudos sobre Internet e educação em Portugal têm sido efectuados sobre o uso da Internet por alunos e professores. Um estudo realizado em 2002 por Jacinta Paiva, investigadora do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra, junto de cerca de 20000 professores portugueses (um dos maiores estudos jamais realizados), concluiu que já nessa altura cerca de dois terços dos professores portugueses usava a Internet (65%). Hoje o número é decerto maior. Destes a grande maioria (74%) fazia-o em casa, ao passo que só menos de metade (45%) o faziam na escola. 44% dos inquiridos utilizavam o correio electrónico (e-mail), mas apenas 10% destes o faziam com os seus ou com outros alunos (ou seja cerca de 4% do total da amostra). Como que dando razão ao título do jornal, a maioria (74%) não utilizava o computador com os seus alunos em sala de aula, ou mesmo em clubes ou em aulas de apoio. Em resumo, o computador chegou ao professor para seu uso pessoal, por vezes quase só como processador de texto, como chegou a todo o lado na sociedade, mas ainda não chegou em força à escola. Por outras palavras, a sociedade é neste aspecto menos conservadora do que a escola.
Os números devem ter evoluído, fruto não só da democratização da tecnologia mas também de uma maior consciencialização da comunidade escolar das vantagens do “on line” (correspondendo, de resto, a alguns esforços governamentais) mas estão ainda longe quer da média da União Europeia, quer de países nórdicos como a Finlândia para os quais gostamos de olhar. Poucos depois da referida notícia foram divulgados números da União Europeia de acordo com os quais havia poucos computadores por aluno nas escolas portugueses (em comparação com a média da Europa), apesar de em quase todas elas já haver uma ligação funcional à Internet. Os governantes nacionais, mesmo quando não o admitem, ficam nervosos com a nossa débil posição em estatísticas internacionais, aqui como noutras áreas. Mas falam sempre em mudar a quantidade esquecendo-se da qualidade...
Um outro estudo, da mesma autora, realizado com alunos do básico e secundário em 2003 – com o o impressionante número de cerca de 60000 alunos, apontou para a existência de 64% de alunos com computador e cerca de 36% com ligação em casa à Internet, números que não serão maus de todo. Hoje serão decerto melhores. O confronto com os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística sobre as tecnologias da informação nos lares permite uma extrapolação razoável de cerca de 50% dos alunos portugueses que têm hoje ligação à Internet em casa. Estamos ainda longe dos números da Finlândia, mas têm-se registado, sem dúvida, progressos. Segundo os dados do referido Instituto, a percentagem de casas com ligação à Internet na população portuguesa em geral, que era de 22% em 2000 e de 30% em 2001, ronda hoje os 35%. Apesar de ainda haver alguma infoexclusão, o progresso tecnológico é nítido. Como não poderia deixar de ser, pois não temos de nos preocupar em ser modernos: é inevitável.
E o que fazem os jovens com os computadores e a Internet? Aí é que a porca torce o rabo. De acordo com os mesmos inquéritos, o que os alunos mais gostam de fazer no computador em casa são jogos. Escrevem também alguns textos, mas usam pouco o “email”, principalmente nas faixas etárias mais baixas (a geração “zap” prefere a comunicação instantânea como a que é assegurada pelo Messenger). Quem mais utiliza a Internet nas famílias são os mais jovens. Por vezes, eles são privados da Internet pelos encarregados de educação como “castigo”: “Agora sais do computador e vais mas é estudar”. É sabido que a Internet, como uma gigantesca imagem caleidoscópica do mundo, tem de tudo, de tudo mesmo. Mas uma ordem desse tipo parece tão estranha como proibir a criança ou o jovem de ler um livro ou de frequentar uma biblioteca. Fossem os professores um pouco mais criativos nas tarefas escolares que solicitam aos alunos e as coisas poderiam mudar... Mas são ainda poucos os trabalhos de casa a realizar de modo criativo com o recurso à Internet. E os poucos que há são despachados pelos alunos com um mero e rápido “copy and paste”, um procedimento que infelizmente é tolerado nas nossas escolas, desde o nível mais baixo até ao mais alto. Não se educam os alunos no sentido de averiguar a credibilidade das fontes nem de atribuir o seu a seu dono!
Muitos alunos dizem nos referidos inquéritos: “Gostava de poder estudar mais pela Internet do que pelos livros”. Essa afirmação, consensual nos dois géneros, é um pouco mais preponderante nos rapazes. Mas a escola parece não alimentar este desejo... O uso crítico da Internet é uma ferramenta poderosa na sociedade contemporânea e a escola devia proporcionar esse manejo, não em disciplinas de “TIC” (quando é que o Ministério da Educação acaba com essa aberração dando tempo às disciplinas essenciais?), que remetem as tecnologias para um “guetto”, mas pela integração nos currícula de todas as disciplinas. Do mesmo modo o parque informático não deveria estar confinado a uma sala (a “sala de computadores” ou mesmo a biblioteca), mas antes disperso por todas as salas. A própria evolução da tecnologia, com o alastrar do “wireless”, a generalização progressiva dos portáteis e a transformação dos telemóveis (que os alunos já trazem no bolso) em autênticos computadores, vai facilitar essa ubiquidade de meios. A Internet estará literalmente em todo o lado. E a escola vai ter de se adaptar a isso... Mas a tecnologia sozinha não é capaz de nada. O essencial da mudança pedagógica não está seguramente nela!
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10 comentários:
"Mas a tecnologia sozinha não é capaz de nada. O essencial da mudança pedagógica não está seguramente nela!"
É isso mesmo.
Eu até sou mais radical. Não vejo qualquer necessidade de se apostar fortemente nos computadores e na Internet, nas escolas secundárias, nomeadamente. É preciso apostar é nos livros de qualidade, em boas traduções, e na formação científica dos professores, que é precisamente onde falha completamente o sistema educativo -- graças ao maravilhoso trabalho de branqueamento de incompetências que as escolas superiores e as universidades têm vindo a fazer em Portugal nos últimos 20 anos.
Sou apologista do uso criativo da internet como fonte de pesquisa e bases de dados. Muitos dos trabalhos que mandei aos meus alunos se centravam não em copiar informação (quando eram trabalhos de cópia exigia-os "à mão" para evitar o copy/paste e obrigar os alunos a lerem o que estavam a escrever ou copiar), mas sim em pesquisar respostas. É muito mais interessante perguntar coisas como "A artista Janis Joplin dos anos 60, de que forma morreu ela?" ou "De onde é originário o estilo musical Ska? Identifica-o no mapa mundo". Este tipo de questões obriga os alunos a irem procurar (nem que seja à wikipedia) a informação e depois a lê-la e a filtrá-la para obterem o que realmente eu perguntei. Um simples copy/paste do artigo da Janis Joplin ou do Ska não basta porque tem muito lixo acumulado.
A solução: "obrigar" os professores a saberem de antemão o material que há na internet a circular e eles próprios terem capacidade inventiva para formularem trabalhos e questões que saibam, à partida, que as respostas não estão esparramadas na net, mas sim, que dependam de um processo de filtragem ou de organização da informação adquirida.
Deixo também a ressalva para que a Internet tem sido um excelente meio de prevenir o plágio. Quando pedi aos meus alunos para inventarem um refrão para uma música original deles, dei-me ao trabalho de colocar algumas "frases-chave" de cada refrão proposto no google. Resultado: os que eram plagiados de alguma letra já existente, por muito remoto que fosse o grupo, eram imediatamente identificados, o que me permitiu saber quem inventou a sério e quem foram os cábulas prevaricadores que tentaram enganar o professor com refrões de bandas obscuras apostando em como eu não os "conhecia"...
Embora não esteja completamente de acordo com o comentário do Desidério, penso que se passa exactamente com a Internet o que se passa com as bibliotecas, em particular as bibliotecas escolares. Se na escola se apostou muito no parque tecnológico e nas ligações funcionais à Internet, também se apostou imenso na criação de uma rede de bibliotecas escolares. No entanto, a quantidade extraordinária de dinheiro e recursos humanos aí investida não está a proprocionar os efeitos desejados. Porquê? Pelo mesmo motivo pelo qual os recursos informativos disponíveis na Internet não são aproveitados pelos alunos. Os professores, de forma geral e com honrosas excepções, apenas utilizam como recurso (inclusivamente para a sua formação científica) o manual escolar ou outros manuais escolares e é esse modelo, por palavras e actos, que transmitem aos alunos. Segundo orientações da RBE (Rede de Bibliotecas Escolares), os manuais escolares não são contabilizados na colecção da biblioteca e devem ser colocados à parte. Em algumas escolas há inclusivamente indicações para que sejam retirados da biblioteca. Para quê? Para que os alunos deixem de os usar como único recurso de estudo ou de complemento de informação em trabalhos escolares. Porém, quando isso acontece, temos maioritariamente duas situações: 1) a colecção da biblioteca fica esvaziada, por que, de uma forma geral, os professores não se deram ao trabalho de investir numa boa colecção e não se deram porque são eles próprios fracos leitores e sentem, consciente ou inconscientemente, o acréscimo de informação como uma ameaça (no outro dia um colega dizia-me muito indignado que num inquérito realizado na sua escola um professor dizia ter apenas 10 livros em sua casa e que os inquéritos tinham permitido concluir que os alunos eram leitores mais frequentes que os professores inquiridos na escola); 2) a colecção da biblioteca é boa (graças ao esforço da equipa e de alguns professores), mas não é usada, tendo taxas de rotação extremamente baixas, sobretudo nos segmentos da colecção que correspondem ao curriculo, revelando que não há um uso dos livros por que este não é promivido a partir da sala de aula, nomeadamente em trabalhos creativos como os que refere o Carlos Fiolhais. Por outro lado, existe a ideia (errada) de que a leitura é um acto recreativo e que ler significa ler poesia, ficção, etc., não se incentivando os alunos a ler todo o tipo de documentos e textos.
Portanto, o que pretendo argumentar, é que o problema realçado pelo Carlos Fiolhais já existia antes, sendo agora mais visível no que respeita à Internet enquanto fonte de informação. Reconheço, no entanto, uma diferença significativa. Antes, o acesso dos alunos a fontes de informação externas à aula era limitada, hoje é ilimitada. O problema do "copiar e colar" é velho, hoje tem apenas as suas potencialidades aumentadas, tanto quanto os professores já nem podem detectar se se trata de um trabalho copiado por que já existem sites com trabalhos escolares de alunos dirigidos às várias disciplinas e para os temas mais comuns.
Da minha experiência como formadora de professores e como professora, para além da necessidade de se formar os alunos em competências de literacia da informação, da necessidade de se formarem os professores para procederem a uma profunda alteração das práticas pedagógicas, da necessidade de se formarem muitos professores em competências em literacia da informação (há muitos professores que não exigem honestidade intelectual dos seus alunos nas citações dos autores utilizados, por que eles próprios não o fazem e não o sabem fazer), há a premente necessidade de a sociedade em geral aumentar os níveis de exigência e de auto exigência, a começar pela formação inicial dos professores e pelo ensino universitário em geral.
Maria Rodrigues
"(...) graças ao maravilhoso trabalho de branqueamento de incompetências que as escolas superiores e as universidades têm vindo a fazer em Portugal nos últimos 20 anos."
Gostava de perguntar ao Desidério Murcho a razão pela qual ele fala nos últimos 20 anos. O ano de 1987 marcaria o início da decadência do ensino superior em Portugal? O aluno que terminou o seu curso superior em 1987 estaria menos bem formado do que aquele outro que o concluiu em 1977 e este, por sua vez, seria inferior ao licenciado de 1967?
Numa das suas crónicas publicadas no semanário Expresso e reunidas no livro Dicionário Político à Portuguesa (2002), José António Saraiva (JAS) escreveu: "Não há muitos anos, as universidades eram centros de saber e os seus professores constituíam referências da cultura portuguesa (quem não recorda os nomes de Vitorino Nemésio, Jacinto do Prado Coelho, Hernâni Cidade, Lindley Cintra?); hoje, na sua esmagadora maioria, as universidades têm como principal objectivo ganhar dinheiro" (p. 74).
Partilha deste pessimismo decadentista de JAS a nível global ou aplica-o somente ao campo da Filosofia?
Maria Rodrigues: acerta em cheio! Também sou formador de professores e fico horrorizado com a falta de leitura. Muitos professores parece que só lêem jornais, quando os lêem, e manuais escolares. Como a generalidade dos manuais tem erros científicos e didácticos elementares, as coisas são assustadoras.
Quando ler é sinónimo de leitura recreativa, estamos realmente tramados. Basta ver os suplementos de livros dos jornais e a proeminência de livros recreativos sobre os outros. Dá-me sempre ideia que a cultura no Portugal salazarista era coisa de gente rica para terem assunto para falar à hora do chá -- e infelizmente as coisas ainda não mudaram muito.
PJ, identifico a segunda metade dos anos 80 porque foi aí que começou a expansão feita à maluca do ensino superior. Posso estar enganado, mas outros poderão corrigir-me com dados concretos. Não conheço tão bem as outras áreas como conheço a filosofia, mas parece-me que a falta de qualidade é geral. Só não concordo com o JAS porque me parece que mesmo no passado a universidade nunca teve muita qualidade. Apenas se notava menos o disparate porque era uma fatia tão pequena da população que avistar um doutorado era quase tão raro como avistar um OVNI. Hoje, como ontem, temos grandes universitários, com perfis perfeitamente de excelência -- mas depois temos a imensidão dos outros. O que me incomoda é que a excelência, quando a temos, não é o produto de uma política institucional, seja universitária seja do governo, mas sim exclusivamente do mérito do próprio, e muitas vezes contra a sua própria instituição.
Totalmente de acordo com o dito em parêntesis nas duas primeiras linhas
A experiência que tenho do ensino universitário é apenas como aluna. Mais de resto, o que sei hoje é, em grande parte, é o resultado daquilo que os meus ex-alunos e alguns amigos que são professores universitários me contam. Mas parece-me que o Desidério tem razão. Há professores de excelência no ensino universitário, assim como no ensino não universitário, mas não em resultado de uma cultura institucional de exigência, mas do mérito próprio.
Maria Rodrigues
Muita coisa ja foi dita e torna-se dificil acrecentar mais algumas, concordo com o fim das Tic, é uma disciplina que não tem fundamento, tal como está estruturado o ensino secundário mas para isso tambem teriamos que acabar com o arcaico modelo de agrupamentos do secundário, com o agrupamento de ciencias não se pode ter historia, porquê? no agrupamento de humanidades não se pode ter biologia, porquê? Acho isso uma treta concordo com disciplinas obrigatorias mas o restante curriculo ficaria a cargo do aluno consonante os seus desejos e exigencias para cursos superiores, os computadores na escola ficam sempre numa sala à parte como se fossem um segredo, são mexidos e remexidos até que com tanta mexida se desconfiguram e avariam só falta mesmo os alunos tirarem peças deles, as bibliotecas não são muito boas e mesmo essas os livros não são muito requisitados, na escola secundária que frequentei os pcs serviam para os meninos jogarem jogos comprados pela escola(cada 1 por não - de 50€) assim já não abandonam o recinto escolar quando faltam às aulas.. o wireless quase não existe nas escolas e os professores impedidos de trazerem os seus portateis, nas universidades para alem dos cursos informaticos não se aborda quase a informatica como vão os professores estarem preparados para o fenomeno internet? O ensino superior em Portugal publico ou não cada vez tem menos qualidade, as universidades debatem-se com problemas orçamentais e a media e exigencia de curso é cada vez menores, hoje qualquer jovem sem a minima formação intelectual frequenta uma universidade, como aluno universitário sei do que falo e os professores de muitos cursos apesar de doutores não tem formação para as disciplinas que leccionam, esta questão da internet nas escolas é só mais um problema a juntar aos milhares de problemas que o ensino em Portugal tem.
O problema das universidades começa no preciso momento em que a exigencia desaparece, é a falta de exigencia que tornou o ensino assim e permite que se formem cada vez mais seres acéfalos..
Tambem se podia usar a internet para matricular alunos, não sei se já se faz no secundário, para contabilizar faltas e terminar com os obsoletos livros de ponto, tambem aplicando a tecnologia à sala de aula instalar quadros digitais e deixar de lado o giz, usar o sistema moodle para por material das aulas on-line para os alunos consultarem, a internet permite milhares de aplicações que parece que os pedagogos do ministerio nem de uma se lembram..
Partilho o tom geral de indignação patente neste post e caixa de comentários. O sistema de ensino em Portugal é um Adamastor que irá exigir toda a argúcia, empenhamento e curiosidade em descobrir o que pode estar para além dele. Quem sabe não venha a ser necessário um recurso de meios materiais e humanos semelhante ao que foi necessário recrutar para se empreender a tarefa dos Descobrimentos. Mas adiante que eu não vim para a aula de poesia.
Partilho a indignação porque, fui professor no privado durante uma meia dúzia de anos e a meio quando decidi concorrer ao público e tendo sido colocado na terra onde vivia em condições excelentes para rapidamente conseguir a efectivação, ao fim de seis meses solicitei ao ministério a minha substituição porque era-me inconcebível passar a trabalhar e ser conotado com a classe de professores para o resto da vida. Infelizmente esta experiência não se tem desvanecido com o acompanhamento do percurso escolar dos meus filhos. Esclareço antecipadamente, que tive alguns professores e colegas excelentes profissionalmente, alguns mesmo magníficos e que, quando se cruzam com os meus filhos, faço questão de lhes ir agradecer pessoalmente.
Indigna-me que:
- só ao fim de mais de vinte anos o ministério tenha concluído que os livros escolares não podiam mudar todos os anos, ou que os professores não podiam andar a saltar com a mesma periodicidade.
- os debates nas televisões públicas nunca sejam sobre o ensino em si, mas ou sobre as carreiras dos docentes, ou sobre um qualquer estatuto, ou sobre os aspectos políticos de uma qualquer decisão ou legislação.
- os bons e os excelentes professores que também os há, e as associações de professores não se indignem publicamente com os colegas que se limitam a vender umas aulitas de péssima qualidade e continuem não só na actividade, como também a progredir.
Indigna-me que:
- uma sala de jardim de infância esteja um mês sem computador à espera de arranjo e eu, como membro da associação de pais, que me disponibilizei para tentar ajudar venha a verificar que a professora não fazia a mínima ideia que a esfera do rato provocava a necessidade de limpezas esporádicas dos sensores.
- a minha filha vá daqui por poucos meses para o 2ª ciclo, tenha computador na sala de aulas há seis anos e nunca ninguém lhe tenha explicado a forma como devem ser colocadas as mãos sobre o teclado e que teclas devem ser utilizadas por cada dedo, nem tão pouco que devia utilizar as duas mão e dedos para além do indicador.
-seja organizada pela escola uma feira do livro para alunos de jardim de infância e 1º ciclo e que à parte os livros infantis, a cerca de uma dúzia de títulos disponível para os pais eram relativos a temáticas da igreja católica.
- as escolas se envolvam e envolvam a comunidade em pequenos projectos como estufas, ou arranjos ou ajardinamentos dos recreios, que passados um ano ou dois estão ao abandono, por vezes até como potenciais perigos dentro dos recintos escolares.
- só agora se alerte para a importância dos espaços exteriores das escolas e que centenas de recreios não sejam um exemplo de brio e criatividade para toda a comunidade.
- em muitas situações as crianças ainda continuem a ter que passar pela chuva ou pelo sol escaldante para ir da sala de aula à casa de banho, ou que continuem a haver escolas em que nem um bebedouro existe.
Indigna-me que:
- que não seja fomentado o sentido crítico do aluno, que não se ensine o aluno a estudar, o método que deve utilizar para elaborar um trabalho, ou a importância de uma boa bibliografia.
- a tendência para nivelar por baixo seja a marca do sistema, que o mérito ou o esforço não sejam devidamente valorizados e utilizados como exemplo.
- o sistema seja complacente em demasia com as deficiências para baixo e que aí invistam avultadas verbas, e que depois sejam incómodas as deficiências para cima com que o sistema não sabe lidar e nem quer saber delas.
- se fale tanto de cidadania nas escolas e que não se fomente a formação de associações ou grupos de trabalho e estudo entre os estudantes.
- neste blog não haja mais professores a discordar ou a concordar.
- o poder político e, nomeadamente as autarquias nas suas competências não percebam que a educação, sobretudo o início do percurso escolar do indivíduo são a base para um futuro melhor, qualquer que seja o ângulo por onde se queira vê-lo.
- os professores não vejam que uma parte significativa da indisciplina dos alunos é resultado da insegurança dos professores e que o sistema não tenha meios para detectar e corrigir esses casos.
Indigna-me que este comentário vá tão extenso e nem tenha sido necessário falar de currículos, métodos ou instrumentos de apoio utilizados.
É tão adiantado o estado de degradação do sistema, que até ideias radicais como a que o Professor Desidério, a propósito dos computadores nas salas do secundário, devem ser analisadas. Não como insuficiência do instrumento, mas devido à sua má utilização.
A revolução trouxe tudo o que possamos imaginar de bom e tudo o que possamos de mau. Foi a difusão do ensino, foi a experimentação, foi a liberdade.
Mas também foi a desresponsabilização dos poderes, o recrutamento apressado de meios humanos, a fobia da infra estruturação a todo o custo e a politização intensa do próprio sistema. Os resultados estão à vista e mais grave, as inversões de rota, a correcção dos erros e a definição de rumos é, sendo optimista, tão ténue que a manter-se o ritmo, os possíveis resultados positivos que pudessem surgir serão cilindrados pela aceleração contínua das mudanças comportamentais da nossa sociedade.
Temos então um cenário pessimista, cheio de problemas e dificuldades como pano de fundo do nosso futuro? Na minha opinião não, se de imediato encararmos firmemente o recrutamento de meios e energias anteriormente referido. E este é um esforço e um investimento que se auto compensa porque as nossas crianças e jovens merecem muito mais e melhor.
Artur Figueiredo
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