domingo, 6 de maio de 2007

BREVE HISTÓRIA DA NANOTECNOLOGIA


Este é parte de um capítulo de minha autoria que vai sair muito em breve num livro da editora Afrontamento que reúne as palestras "Biologia na Noite", realizadas na Universidade de Aveiro com a coordenação de Amadeu Soares.

Muito se fala hoje de “nano” por todo o lado... Mas, para o caso remoto de haver alguém que ainda não saiba o significado, o prefixo “nano” vem do grego “nânos” , que significa anão, muito pequeno. Mais precisamente, a 11ª Conferência Internacional de Pesos e Medidas deliberou em 1960 chamar nano ao milésimo do milionésimo. Assim o nanómetro é um milésimo do milionésimo do metro, que por sua vez é um micrómetro (antigamente chamado “mícron”). Se o micrómetro é a dimensão de uma célula viva, que se vê com um microscópio normal, o nanómetro é a dimensão de uma molécula orgânica, que só se consegue ver com um microscópio especial (que, por isso, bem se poderia chamar “nanoscópio”).

A nanotecnologia é a tecnologia à escala molecular. Poder-se-á perguntar se essa disciplina não existe já com o nome, bem antigo, de química. Porém, a nanotecnologia, em contraste com a química, procura construir novas moléculas e novos materiais juntando os seus constituintes, átomo a átomo, com uma individualidade e uma precisão que não se consegue quando se trabalha com uma multidão de moléculas. Essa tecnologia tem, de facto, bastante de química. Mas também tem de física, de biologia e de medicina… E de engenharia electrotécnica, mecânica, química, de materiais e biomédica. É interdisciplinar, uma das marcas da ciência moderna.

A mais comprida das moléculas orgânicas é também a mais comprida de todas as moléculas – o DNA, que guarda o código da vida. Apesar de a molécula do DNA humano ter um comprimento médio, quando completamente desenrolada, de cerca de 5 cm (os 46 cromossomas humanos têm, portanto, um total de pouco mais de dois metros, e o conjunto de todos os cromossomas de um corpo humano fazem um cordão maior do que a distância Terra - Lua), o seu diâmetro é apenas de aproximadamente dois nanómetros. Trata-se de uma molécula muito grande, mas muito fina! Se se quiser um termo de comparação, a molécula de água (a molécula mais abundante à superfície da Terra, da qual perfaz três quartos, e no interior do corpo humano, do qual perfaz dois terços), tem a forma da cabeça do rato Mickey, mas é menos do que um "nanorato" pois o tamanho é de apenas duas décimas de nanómetro.

O físico Albert Einstein foi um dos primeiros cientistas a calcular o tamanho das moléculas. Na sua tese de doutoramento, intitulada ”Uma nova determinação das dimensões moleculares”, entregue em 1905 (o seu “ano milagroso”) e que se veio a tornar o seu trabalho mais citado desse ano apesar de concorrer com os primeiros trabalhos da teoria da relatividade, chegou à conclusão de que o raio de uma molécula de açúcar (sacarose) era de 0,62 nanómetros, tendo portanto um tamanho intermédio entre o da molécula de DNA e o da molécula de água. O nanómetro é, portanto, a unidade adequada para medir os habitantes do reino das moléculas!

No tempo de Einstein, falava-se apenas em hipótese atómica. Vivia-se a época da transição, que foi lenta e difícil, da hipótese para a realidade atómica. A palavra “átomo”, com origem no grego antigo, significa indivisível. Tinha sido usada pela primeira vez por um poeta e filósofo grego, Demócrito (460 a.C. – 404 a.C.). Demócrito afirmou num dos seus versos que “só há átomos e espaço vazio”. Hoje sabemos que Demócrito tinha razão (não se conhecem imagens contemporâneas dele, mas imagens muito posteriores representam-no como o “filósofo que ri”: talvez ele risse por saber que tem razão antes do tempo…). Essa mensagem foi, mais de três séculos depois, desenvolvida pelo poeta latino Lucrécio, na única obra escrita que nos chegou dele: “De Rerum Natura”. Apesar do decisivo contributo dado no final do século XVIII por Antoine Laurent Lavoisier (1743 - 1794), que muitos consideram o “pai da química”, a química moderna só viria a ficar estabelecida no início do século seguinte com o inglês John Dalton (1766-1844) . Foi ele quem introduziu os átomos na química como partículas reais: na sua obra, as substâncias elementares eram formadas por átomos, representadas por pequenas esferas, enquanto as substâncias compostas eram formadas por moléculas, representadas por grupos de pequenas esferas. Hoje sabemos que Dalton tinha razão: a molécula de água tem três átomos (dois de hidrogénio, as orelhas do rato Mickey, e um de oxigénio, a cara), mas a molécula de sacarose tem 45 átomos (12 átomos de carbono, 22 átomos de hidrogénio, e 11 átomos de oxigénio) e a de DNA tem milhões de átomos… A química não é mais do que um jogo de moléculas, um jogo em que as moléculas se encontram e há um toma-lá-dá-cá de átomos.

Em 1911, o átomo, embora mantendo o seu nome, deixou de ser indivisível. A estrutura íntima do átomo foi desvendada pelo físico britânico Ernest Rutherford (1871-1937), que numa experiência engenhosa encontrou o pequeno núcleo atómico no centro do átomo. Passados dois escassos anos um outro grande físico, o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) adiantou que o átomo era formado não só pelo núcleo central, mas também pelos electrões à sua volta que, curiosamente, só podiam ter certas energias. Os estados de energia dos electrões eram previstos com espantosa precisão por uma nova mecânica – a mecânica quântica. São os electrões mais externos os responsáveis pela ligação química, seja esta na molécula de água, da sacarose ou do DNA, e a mecânica quântica dizia tudo o que havia a dizer sobre esses electrões.

Uma geração de físicos brilhantes aplicou fecundamente a mecânica quântica de Bohr, mais tarde aperfeiçoada por Heisenberg, Schroedinger e Dirac (ela ficou pronta, essencialmente como ainda está hoje, no ano de 1926). O seu poder está sintetizado na afirmação de Dirac: “a mecânica quântica descreve toda a química e quase toda a física”. De posse da mecânica quântica, estava encontrado o segredo da ligação dos átomos para formar moléculas e materiais. Contudo, o termo “nanotecnologia” só se começou a usar a partir de uma conferência de um físico famoso, que apesar de dispor do talento necessário nasceu tarde demais para ajudar a criar a mecânica quântica (tinha só oito anos em 1926): o norte-americano Richard Feynman (1918-1988). Feynman proferiu em 1959 uma conferência, que haveria de ficar quase tão famosa como ele. A certa altura, na tradição de Demócrito e Lucrécio, afirmou: “Há muito espaço lá em baixo” (em inglês soa melhor: “There is plenty of room at the bottom”). Queria ele dizer com isso que, de posse do nosso conhecimento dos átomos, poderíamos movê-os e ligá-los da maneira que quiséssemos. De facto, esse é o sonho que tem sido perseguido desde então pela nanotecnologia... Todos os átomos “gostam” uns dos outros, no sentido em que pode sempre haver ligações químicas entre eles, de um tipo de ou outro, mais intensas ou menos intensas (até existe uma molécula formada por dois átomos de hélio, o mais leve dos gases raros, se a temperatura for suficientemente baixa). Poder-se-á então perguntar porque não são infinitos os livros de Química uma vez que são infinitas as possibilidades de combinação dos cerca de cem átomos dos elementos da tabela periódica? De facto, se os manuais de introdução à química têm o tamanho limitado que têm, é porque os seus conteúdos se centram nas moléculas mais usuais à superfície da Terra como a água ou moléculas que conseguimos sintetizar com facilidade tais como a do açúcar comum. Com a disciplina emergente da nanotecnologia há o sério risco de os livros de química serem muito ampliados...

Feynman imaginou logo um futuro de micro e nanomáquinas. E, como era muito brincalhão, ofereceu prémios a quem conseguisse concretizar esse futuro. Ele estava disposto a pagar para ver o futuro aparecer mais rápido. Anunciou:

“Quero oferecer um prémio (...) de mil dólares ao primeiro fulano que conseguir fazer um motor eléctrico operativo – um motor eléctrico giratório que possa ser controlado por fora e, não contando com os fios condutores, tenha apenas 1/64 da polegada cúbica.”

As unidades anglo-saxónicas não são comuns entre nós, mas essa fracção da polegada cúbica mede 60 micrómetros, pelo que se trata de um micromotor. Não demorou muito até que alguém mostrasse e dispositivo e reclamasse o cheque do prémio.

Mas Feynman anunciou um outro prémio, este mais difícil de ganhar:

“É minha intenção oferecer um prémio de mil dólares ao primeiro fulano que pegar na informação da página de um livro e a colocar numa área que é 25 000 vezes menor em escala linear de modo que possa ser lido por um microscópio electrónico”.

A escala de 1/ 25 000 é a escala das cartas militares: nessa escala, um quilómetro de terreno é representado por 4 centímetros no mapa. A fracção de 1/25 000 de um milímetro (tamanho típico de uma letra de um livro) vale 40 nanómetros. Aqui já estamos no domínio da nanotecnologia. Demorou um pouco, mas lá apareceu alguém a reclamar a merecida recompensa… Note-se bem como o nanómetro é anão: 40 nanómetros estão para um milímetro assim como 40 milímetros estão para um quilómetro!

Em 1989, o físico norte-americano Donald Eigler e seus colaboradores, um grupo a trabalhar nos laboratórios de Zurique, na Suíça, da maior empresa de computadores do mundo, a International Business Machines (IBM), conseguiram fazer um pequeníssimo logotipo dessa empresa reunindo 35 átomos de xénon depositados sobre uma superfície de prata. Usaram átomos de um gás raro sobre um metal nobre para evitar ou pelo menos demorar qualquer reacção química (senão esse cartaz publicitário mais pequeno do mundo seria também o mais rápido…). A altura da letra I, formado por nove átomos de xénon, é de uns míseros 5 nm. Esta proeza nanotecnológica teria, portanto, ganho à vontade o segundo prémio de Feynman se este não tivesse já sido entregue. Vemos aqui a espantosa nanotecnologia em acção: foram reunidos nove átomos de xénon com o propósito deliberado de fazer a letra I. Só faltou um átomo para pôr o ponto no i!

A nanotecnologia passava então da teoria à realidade...


15 comentários:

José Luís Malaquias disse...

A história da nanotecnologia é, de facto, fascinante.
Mas também me assusta um bocado a possibilidade de dar uma sniffadela e engolir um complexo industrial que passa a operar a partir dos meus pulmões... e só estou meio a brincar...

Anónimo disse...

Atenção a esta gralha :

Aqui já estamos aqui no domínio da nanotecnologia.

Carlos Fiolhais disse...

Ja emendei a gralha, obrigado.

Fernando Dias disse...

Carlos Fiolhais,

Obrigado por este excelente artigo. Já tinha lido algumas coisas sobre nanotecnologia, mas este para mim foi o melhor.

Anónimo disse...

Muito obrigado pela excelente qualidade dos vossos artigos.
Estão a fazer um excelente trabalho de divulgação científica.
Também já registei a Gazeta de Física entre as minhas leitura e entre as que hei-de sugerir aos meus alunos.
Maria Rodrigues

J. Norberto Pires disse...

Interessante.
Acho que valeria a pena, dada a actualidade do tema, ter um "label" no blog dedicado à nanotecnologia e fazer evoluir este assunto com coisas recentes.

Anónimo disse...

( A despropósito nesta caixa )

A navegação à bolina (devia dizer à borla) que tenho feito neste blog tem confirmado as minhas suspeitas antigas de que uma boa parte da comunidade científica sofre de síndrome do "tabu da especialização".

Bem sei que o blog do futebol era duas páginas antes e que deontologia não é própriamente manteiga de barrar, mas é recorrente ler nestas caixas de comentários descrições do tipo:
- o senhor A sendo especialista de 1, não tem autoridade sobre a matéria 2;
- B, sendo de 3, faz gato sapato de 1 e 2;
- de 4, podem falar os senhores de X,Y e Z (pressuponho que deve haver correspondência com os amigos com quem os autores do discurso já terão discutido o assunto em causa);
Entrelinhas, até já me pareceu perceber qualquer coisa como:-Ai jesus que eu sou de 5, não consigo perceber nada disto... nem quero!

Tanta insistência na especialização, só pode ser encher os pratos da balança com preguiça e preconceito e insegurança e corporativismo. Ou então, venha alguém dizer-me que a genealidade de Da Vinci é relativa ao estádio de desenvolvimento do conhecimento e da cultura à época... e nesse caso, eu calo-me.
Por exemplo, neste post, para uma parte do contributo de Feynman à nanotecnologia não é obrigatório nem indispensável que estejamos a falar de um físico ou cientista, porque, claro e felizmente, o monopólio das ideias não é propriedade de nenhuma especialidade!

- Tomei a liberdade de pensar nisto, Senhora!
Artur Figueiredo

(Aviso importante: Os caros amigos deste blog podem ficar descansados que farei todo o esforço, tanto quanto a minha parte consciente mo permitir, para não me lerem três comentários à frente, a brotar postas de pescada sobre nanotecnologia, ou, noutro registo, a precisar a correspondência de todos os nanómetros deste post em pés.
Nisto de conhecimento, como em tudo na vida, é indispensável ter noção das nossas insuficiências e limitações, estando, como é hábito, a virtude no meio?)

Anónimo disse...

Li este texto todo de seguida, e quase sem respirar. Venho das "letras", sou das "letras",e é lá que quero estar, mas tenho uma inveja de morte de quem é do mundo das ciências e escreve assim. Porque há uma arte da escrita neste texto.

E obrigada por nos ensinar.

Anónimo disse...

Raios... querem ver que se disponibiliza logo alguém para me vir dar razão?
Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Carlos Fiolhais,
Não sei se já o fez, mas gostaria que me desse alguma sugestão, para um leigo como eu em matéria de química e física, de como explicar a adolescentes a relação que existe entre os computadores ou telemóveis e a química e a física. Parte desta resposta está nos seus livros Física Divertida. Mas poderia dar alguma sugestão didacticamente acertada?
Agradeço-lhe antecipadamente
Rolando Almeida

Alef disse...

Bem, isto é realmente fantástico. Eu diria que nem a ponto no «I» faltou, já que era um «I» maiúsculo! :-)

Anónimo disse...

O maior especialista mundial em nanotecnologia é Deus. O mais impressionante é que Ele parece ser igualmente o maior especialista em tecnologia macro.

Quanto mais estudamos o Universo, mais nos apercebemos da sua real e inabarcável complexidade.

Se a teoria das cordas for verdadeira, o Universo poderá adquirir qualquer coisa como 11 a 26 dimensões.

Como explicar a origem de um tão complexo Universo sem postular a existência de outros universos, também eles carecidos de explicação?

Unknown disse...

já cá faltava deus.... dasse.....

e já agora toda a gente sabe que o universo tem 6 dimensões, como heinlein explicou no number of the beast :)

Anónimo disse...

A chnpress.com dá hoje conta que descobertas recentes em zigurates de Tchogha Zanbil e Pasargadae, sob a orientação do cientista Mansour Afrazeh, revelaram que os antigos persas do Reino Elamita usaram nanotecnologia de partículas há cerca de 3000 anos atrás, razão considerada fundamental para a longevidade dos seus monumentos.

Estes monumentos têm uma estrutura que lembra à das pirâmides egípcias e maias, podendo ser interpretados como réplicas da torre de Babel.

Além disso, os persas (actuais iranianos) inventaram uma estrutura atómica de metal completamente diferente dos elementos comuns naquela região.

O reino elamita foi fundado pelos descendentes de Elam, filho de Sem, filho de Noé. A presença de nanotecnologia nesse reino, que os cientistas consideram comparável apenas à actualmente utilizada em países desenvolvidos como os Estados Unidos e o Japão, não deixa de ser interessante, na medida em que mostra que o homem antigo tinha tecnologias que se perderam e que explicam os mistérios da antiguidade.

Unknown disse...

A adolescência é uma fase muito complicada por isso monitoro tudo o que meu filho faz através douso de um programa espião! recomendo ele é muito bom. https://brunoespiao.com.br/espiao-de-sites-visitados

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...