«A ideia de um Ente supremo que cria um mundo no qual uma criatura deve comer outra para sobreviver e, então, proclama uma lei dizendo: 'Não Matarás' é tão monstruosamente absurda que não consigo entender como a humanidade a tem aceitado por tanto tempo.» Peter de Vries.
O post do Desidério sobre desconstrução, nomeadamente de hipocrisia, recordou-me aquela que é para mim uma eficientes forma de «denunciar o que se entende que são simulações hipócritas de valores e práticas, mas que não passam de instrumentos de poder e opressão», a sátira.
Sou uma apreciadora impenitente de literatura satírica e Peter de Vries, que foi editor da «New Yorker» depois de 10 anos como editor da revista Poetry, é um dos meus autores favoritos.
A pena fabulosa em trocadilhos de de Vries é pouco conhecida entre nós, penso nunca ter sido traduzido para português. No entanto, banalizámos alguns aforismos de De Vries no léxico do nosso quotidiano, como, por exemplo, «Nostalgia isn't what it used to be» (a nostalgia já não é o que era) ou «Deep down, he's shallow» (bem lá no fundo, ele é pouco profundo).
Os seus livros são muito difíceis de encontrar, normalmente só em livrarias de livros em segunda mão ou de livros raros. Encontrei o meu precioso «Mackerel Plaza», o primeiro livro deste autor que li, numa mistura de ambas em Hilcrest, San Diego. Este livro conta-nos as vicissitudes do pastor da People's Liberal Church, PL, em Avalon, Connecticut, Andrew Mackerel, ou Holy Mackerel, que debita dogmas deliciosos como «A prova final da omnipotência de Deus é que ele não necessita existir para nos salvar». A disponibilização dos arquivos da revista Time permite uma leitura da crítica do livro de há 49 anos, que vale a pena ler.
Em 2005 foram reeditados pela University of Chicago Press dois livros de Peter de Vries, «Slouching Towards Kalamazoo» e o romance quasi autobiográfico «The Blood of the Lamb», disponíveis também na Amazon britânica.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
14 comentários:
Não é boa «política» responder à sátira, mas serei um nadinha «politicamente incorrecto» neste ponto. Espero não ser «desmancha-prazeres».
A frase com que inicia o «post» (certamente escolhida ao acaso, LOL) teria mais graça se tivesse alguma verdade, mas ela incorre num erro crasso, pelo que é pena que não tenha sido escolhido um exemplo melhor, certeiro, de que nos pudéssemos rir todos.
Assim, não sei se me ria da piada ou da triste figura de quem diz uma piada «ao lado». :-|
Na verdade, a lei «Não matarás» nada tem a ver com a necessidade de comer outra criatura para sobreviver. Não colidem, não há qualquer absurdo.
Se há absurdo, ele está na mente do autor, não da realidade que ele pretende atingir.
Voltemos atrás e tentemos ver o mesmo mundo, na perspectiva do não-crente. Tendo em conta que os não-crentes não aceitam a ideia de um Deus criador mas que «sabem» que é preciso matar outras criaturas e que existe uma lei geral que diz «não matarás», neste caso já não existe o mesmo alegado absurdo? Como se resolve o problema? Eu sugiro uma ajuda: a necessidade de matar outra criatura para sobreviver não colide com a lei geral «não matarás». Bingo, um crente diria o mesmo!
Então eu poderia dizer: a ideia de que só há contradição entre matar uma criatura para sobreviver e a lei geral «não matarás» no caso de isso corresponder a uma ordem de Deus é, no mínimo, uma afirmação preconceituosa, pouco lógica, e sem muita graça. ;-)
Alef
O Alef na ânsia de defender o indefensável simplesmente não faz sentido. E passa completamente ao lado do que o de Vries disse...
Mas que seria de esperar de alguém que considera que o espectáculo de ver um leão a devorar as entranhas de uma gazela só faz sentido se decorrer debaixo do olhar benevolente de um criador todo poderoso?
os predadores que devoram vivas as suas presas só podem mesmo ser um sinal da infinita bondade do criador...
E isto para não falar num apologeta da religião que inventou as guerras justas ( "santo" agostinho e Tomás de Aquino), como as guerras empreendidas pela vontade de Deus para combater o «pecado».
Ainda hoje o mandamento é interpretado como «não matarás os inocentes» (óvulos, espermatozóides, céliulas estaminais e doentes terminais são os únicos inocentes para a igreja).
A igreja sanciona a pena de morte e as mortes colaterais de guerras justas mas condena os preservativos, que são uma "cultura de morte"...
Haja paciência!
Obviamente, mesmo de um ponto de vista religioso clássico a tal afirmação de Peter de Vries... sátira ou não!... é inteiramente absurda... dever ser esse o ponto da questão! :)
A lei do "Não matarás!" aplica-se unicamente entre criaturas racionais, isto é, o Ser Humano, na formulação bíblica.
Já agora, e para variar um pouco, há uma fabulosa reinterpretração dos "Dez Mandamentos", num livro altamente provocante para as mentes religiosas tradicionais, "Conversas com Deus" de Neale Donald Walsch.
Em vez de "Ten Commandments" ele transforma-os em "Ten Commitments", já que, e muito logicamente, Deus não tem necessidade alguma de impôr qualquer mandamento para nada, pois se é omnipotente já comanda tudo, obviamente!
A formulação de Walsch para o 5º mandamento/compromisso é a seguinte (abrevio):
For while you will understand that you cannot end another's life in any event (all life is eternal), you will not choose to terminate any particular incarnation, nor change any life energy from one form to another, without the most sacred justification. Your new reverence for life will cause you to honor all life forms [...] and to impact them only when it is for the highest good.
As always, more food for thought! Pelo menos, aqui não se morre à fome... de tanto "disparate" que se come! :)
Ah! mas um vegetariano até jejua...
Rui leprechaun
(...p'ra manter esbelta a forma nua!!! :))
PS: Uáu!!! Vegetarianas é p'ra mim... Evas no Éden jardim... da satisfação sem fim!!! :D
"Love thy neighbour"... that's the commitment! So why not give yourself in loveliness... isn't that a high progress?! ;)
E viva o hedonismo... que amoroso comunismo!!! :)*
E continuam os crentes a acreditar que os humanos são diferentes dos outros animais aos olhos do seu deus incoerente...
"Não matarás!", é uma imposição de um "criador" sem controlo sobre a sua criação, e só por muita estupidez, é que alguém quer comparar um mandamento de um pseudo-criador, com uma regra auto-imposta por uma espécie.
Na lógica de um criador, "não matarás" aplica-se a toda a sua criação... Na Lógica de um humano, não caníbal, "não matarás" é uma afirmação de necessidade de evitar o arbitrio individual, não permitindo que a morte sem fins de sobrevivência seja praticada.
Ainda bem que por vezes os argumentos dos crentes colocam o deus deles, no mero papel de jurista e legislador. Também bate certo... Porque de criador tem muito pouco.
Caríssima Doutora Palmira:
Peço-lho que me perdoe por voltar a incomodá-la.
Presumo que a tradução da citação de de Vries com que abre este "post" seja sua. Ora, assim sendo, deveria ter traduzido: "... a tem aceitado ..." e não "... a tem aceite ...". Como sabe deve usar-se o particípio passado regular com os vervos ter e haver e o irregular com os vervos ser e estar.
Quanto ao "embalsamento" e à "incantação", continuo a pensar que a razão está do meu lado. Se quiser dir-lhe-ei porquê.
Continuo a pedir-lhe que vá perdoando esta minha casmurrice mas gosto de ver as pessoas de quem gosto a fazerem um bom uso da nossa língua. Cumprimentos.
Zé Velho
oops:
ateo gratias pela correcção do aceite que já emendei. em relação ao embalsamento e incantações pode escrever para o meu gmail (palmira.maria) e elaborar esse «dir-lhe-ei porquê» :-)
Estimada Palmira
Se ler Génesis 1:29 perceberá que a dieta dos seres humanos e dos animais antes da Queda do ser humano era frutas e legumes. É verdade. Basta ler o texto. O mesmo está acessível on line. De Vries deveria ter lido e analisado o texto, para perceber que as suas premissas estavam erradas.
A morte, o sofrimento e os comportamentos predatórios são, no relato bíblico, consequência do pecado e da maldição que Deus fez impender sobre toda a Criação, agravada, certamente, pelo dilúvio, que representou a morte de muitas espécies vegetais e a súbita alteração climática da Terra.
Por outro lado, a Bíblia diz que nos novos céus e nova Terra o leão e o cordeiro pastarão juntos, não havendo morte, sofrimento ou dano algum.
Para o relato Bíblico, a morte não era desejada por Deus. No entanto, Deus retirou parte do seu poder sustentador do Universo e da Terra para dar aos seres humanos uma razão para se virarem de novo para Ele.
Por outro lado, a morte física de seres humanos decaídos acaba por ser uma benção. Já imaginou se Adolf Hitler vivesse para sempre? Todo o mundo livre suspirou de alivio quando ele se suicidou.
No plano de Deus, a vida é para ser vivida eternamente. Mas ela só pode ser vivida eternamente com Ele e para Ele. Nunca sem Ele e muito menos contra Ele, já que Ele é o autor e sustentador da Vida.
Conhece alguma explicação naturalista da origem da vida?
No evangelho de João, 3:16 l~e-se:
Deus amou o mundo de tal maneira que lhe deu o seu filho unigénito (Jesus Cristo) para que todo aquele que n'Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".
Esta mensagem é a essência do Cristianismo.
Esta conversa de padre só consegue ser chata...
Um criador que não consegue controlar a sua criação, e a faz pender maldições sobre a mesma, e que ensinou mentiras à sua criação, como aquela da terra no centro da criação e do universo, que por acaso já está bem refutada, morta e enterrada, tal como devia estar essa mania de que um mentiroso, vingativo, manipulador e descontrolado, criou o mundo. Até um "anjo" dele conseguiu mais resultados, a avaliar pelo estado do centro da vossa criação.
Não contesto alguma capacidade de arrebatamento, por vezes até me parecem enternecedores alguns aspectos de histórias como a Bíblia ou outras semelhantes, mas francamente não consigo estar aqui a comentar promenores dessas histórias. Interessa-me mais as estratégias que utilizam para fazer perpetuar sistemas de poder.
Ora, é aqui que aparecem os conceitos morais, nomeadamente o conceito de pecado que este post aborda e que comentários anteriores já escalpelizam.
Por acaso, algum dos senhores fervorosos crentes aceita uma apostinha, de preferência choruda, que daqui por uns anos "deus queira que muitos" poderemos estar a ter, se quisermos, esta discussão no mesmo paraíso?
E, posso confiar-vos mais:-É que também eu tenho "belas experiências diárias com o divino", só que, "abençoado" como me parece que sou, não preciso de utilizar intermediários nem tenho de formatar a minha visão da realidade com eles:-)
Artur Figueiredo
Quem disse que Deus não controla a Sua Criação? O facto de Deus ter dado ao ser humano capacidade para O aceitar ou recusar não significa que Deus não controle a Sua Criação. Engana-se quem pensa assim.
Em última análise, a origem e o destino do Universo dependem da vontade de Deus. Assim se aprende desde o Génesis até ao Apocalipse.
Acresce que as observações astronómicas mais recentes são compatíveis com a ideia de que a nossa galáxia está no centro do Universo, como o próprio Hubble chamou à atenção logo na primeira metade do século XX e foi muito recentemente reconhecido pelos astrofísicos britânicos George Ellis (que tem trabalhado com Stephen Hawking) e Roger Penrose.
Como a terra não pode ser porque já se percebeu que pelo menos gira em torno do sol, e o sol, também não pode ser porque está na extremidade da galáxia, a qual gira sobre o seu centro, agora querem que a Via Lactea seja o centro do universo. :-)
É boa... Só que a Via Lactea juntamente com as restantes galáxias do chamado grupo local também giram em torno de um centro comum, o qual, por sua vez interage com os outros grupos em volta. Por isso o seu centro, neste momento é mais o vazio, e a estrutura de matéria visível do universo, do que já se conseguiu vêr, deixa o centro numa zona vazia. Esqueça lá esse devaneio de sermos o centro do universo que não chega lá! Nem com distorções do que os cientistas dizem.
Ninguém pode dizer com certeza onde é o centro do Universo.
Todavia, só por ignorância se pode pensar que se trata de devaneios. Para além de o problema ter sido colocado pelo próprio Hubble, o mesmo tem sido desde há muito considerado. Veja-se, por exemplo:
Varshni, Y.P., "The red shift hypothesis for quasars: is the Earth the centre of the universe?" Astrophysics and Space Science 43:3–8, 1976. O autor mostra que as "redshifts" de 384 quasars (objectos quase estelares que não devem ser confundidos com galáxias) aparecem quantizados em 57 grupos, e que se a interpretação de distância das redshifts está correcta isso significa que os quasares estão ordenados em 57 círculos concêntricos, com a Terra no centro. É claro que o próprio autor treme diante do que isso significa para o princípio coperniciano dominante na astrofísica.
O galactocentrismo voltou à baila em 2004, com a publicação do livro "The Privilege Planet", do astrofísico Guilermo Gonzalez da Ohio State University. Na verdade, há muito mais literatura especializada sobre o assunto.
Estes temas são demasiado importantes para devaneios.
O Centro do universo não sei, mas, até aposto que sei onde fica o centro da estupidez, da idiotice, e outras coisas, e é pena que a probabilidade estatistica de todos os crentes que alinham nessas patranhas, um dia se materializarem no centro do universo seja tão baixa que não vá acontecer na vida do universo. Vocês ficavam onde sempre quiseram estar, e o vacuo tratava do resto... (*suspiro*)
Enviar um comentário