quarta-feira, 18 de junho de 2008

Livros de Junho na Gradiva


Informação recebida da Gradiva:

George Steiner
Os Livros Que Não Escrevi

Poucos meses após o lançamento nos EUA, o novo livro de Steiner é uma confissão magistral de grande desassombro e ousadia. Steiner apresenta sete livros que gostaria de ter escrito e não escreveu, porque — admite — a emoção, a indiscrição ou a envergadura do projecto o impossibilitou de o fazer. Expondo-se com esta sinceridade desarmante, acompanhada da sua enorme erudição e clareza de raciocínio de sempre, revela uma outra faceta de si, não cessando de nos surpreender. Um livro portentoso.

«Obras de George Steiner», nº 6, 308 pp.

David Bodanis
O Universo Eléctrico - A verdadeira e surpreendente história da electricidade

Prémio Aventis para o melhor livro de ciência de 2006

Do autor de E=mc2, um relato fascinante do modo como as maravilhas da electricidade transformaram o mundo. Das águas gélidas do Atlântico às ruas de Hamburgo durante o bombardeamento na Segunda Guerra Mundial, e daí ao interior do corpo humano, uma inesquecível viagem de descoberta com um dos grandes divulgadores da ciência.

«Ciência Aberta», nº 172, 340 pp.

NOTÍCIAS GRADIVA

Filipe Duarte Santos na Springer Verlag

Direitos de tradução da obra Que Futuro - Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento e Ambiente em língua inglesa adquiridos pela grande editora de ciência mundial.

Em Julho Massa Crítica - O modo como uma coisa conduz a outra de Philip Ball. Prémio Aventis para o melhor livro de ciência

Filosofia e história da ciência no século XX


Informação recebida da Biblioteca Pública de Évora:

Lançamento do livro: "Filosofia e História da Ciência em Portugal no século XX" de Augusto Fitas, Marcial Rodrigues e Maria de Fátima Nunes.

Dia 19 de Junho de 2008, pelas 18 horas, na Biblioteca Pública de Évora.

A apresentação do livro, edição da Editora Caleidoscópio, estará a cargo do Prof. Doutor Pedro Calafate.

Contactos:
Caleidoscópio - Edição e Artes Gráficas
Rua de Estrasburgo, n.º 26 - R/C Dto.
2605-756 Casal de Cambra
Tel.: 219 817 960 Fax: 219 817 955
www.caleidoscopio.pt

Avenida Mira Fernandes em Mértola



Informação recebida da Câmara Municipal de Mértola

Dois novos livros na colecção "Ciência a Brincar"


Informação recebida da Bizâncio:

Título: Ciência a Brincar 8
Subtítulo: Descobre o Património!
Autores: Constança Providência e Carlos Fiolhais
Colecção: Ciência a Brincar
Ciência / Infanto-Juvenil

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«Através das várias questões e experiências expostas neste livro esperamos que as crianças percebam porque é que os carros fazem mal às florestas e aos monumentos, o que é a humidade e porque é tão importante controlá-la, como é que as forças naturais conseguem destruir o nosso património (a força da água que entra em fissuras e congela, ou a força dos sais que estragam paredes, ou a força das sementes, que germinam nas paredes ou nos telhados, ou a enorme força da Terra quando treme), porque ouvimos os ruídos do andar de cima e como eles poderiam ser reduzidos, porque se pintam de branco as casas no sul do nosso país, que luz entra através de um vitral, como são iluminadas as salas de aula ou ainda as simetrias dos azulejos nalguns dos nossos monumentos."



Título: Ciência a Brincar 9
Subtítulo: Descobre a Vida!
Autores: Sofia Araújo, Sónia Martins e Ana Godinho
Colecção: Ciência a Brincar
Ciência / Infanto-juvenil

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"A vida parece um fenómeno misterioso, mas a ciência conseguiu decifrar grande parte do mistério. Hoje sabemos que todos os seres vivos, plantas ou animais, têm nas suas células, uma molécula muito fina e comprida que se chama ADN. Este volume abre as portas à ciência da vida. As crianças a partir dos cinco anos poderão descobrir a vida, dos organismos mais pequenos e mais simples aos mais complicados, realizando as experiências que as biólogas Sofia Araújo, Sónia Martins e Ana Godinho propõem. Elas sabem o que é a vida e sabem transmitir bem o seu saber. Essas experiências permitem responder a questões como: «Os micróbios comem?», «As minhocas têm nariz?» e «Consegue ver-se o ADN?». Para chegar às respostas é preciso observar uma banana a apodrecer, dar a cheirar verniz das unhas a uma minhoca e extrair o ADN do morango. O povo diz que «é de pequenino é que se torce o pepino»: com a ajuda deste livro os pequeninos até poderão torcer os pepinos para lhe tirar o ADN... «Ciência a Brincar» internacionalizou-se. As experiências deste livro foram realizadas em escolas do Porto e de Edimburgo. A vida é a mesma em todo o lado. E a descoberta da vida é igualmente excitante em todo o lado. Quem não acredita, faça o favor de experimentar!"

Avaliação dos resultados das provas de aferição 1º e 2º ciclos - Matemática

Transcrevo informação que recebi da Sociedade Portuguesa de Matemática (declaração de interesses: sou sócio da SPM e concordo com o que é aqui dito):

"Os resultados hoje divulgados das provas de aferição do primeiro e segundo ciclos de Matemática podem parecer, à primeira vista, indicar uma melhoria no nível dos alunos de 2007 para 2008. Seria excelente que isso acontecesse. A forma como as provas são construídas, porém, faz com que os seus resultados não sejam comparáveis de ano para ano, não sendo portanto possível tirar conclusões definitivas com base apenas nestes últimos números.

A SPM tem ressaltado repetidamente a necessidade de se construírem provas fiáveis, isto é, com dificuldade e critérios semelhantes, de forma a se ter uma medida realista dos níveis alcançados pelos alunos e da evolução do sistema de ensino. Infelizmente, o Ministério não tem sabido, ou não tem querido, fazer testes comparáveis. Os critérios têm mudado, as durações das provas têm mudado, a dificuldade das questões tem também mudado.

Não é credível que as negativas tanto no 4º quanto no 6º ano tenham caído este ano para menos de metade, por os alunos terem melhorado extraordinariamente as suas capacidades matemáticas de um ano para o outro. Estas variações podem ser, afinal, uma indicação de haver um número exagerado de questões demasiado elementares, como de resto indicava o parecer da SPM sobre as provas de aferição, divulgado a 20 de Maio de 2008. Reiteramos, portanto, a avaliação feita nessa altura, e remetemos para o parecer, disponível no site da Sociedade: http://www.spm.pt/files/Afericao2008.pdf.

Ressaltamos ainda que, em testes com resultados comparáveis, como o Programme for International Student Assessment – PISA, os estudantes portugueses têm exactamente a mesma classificação: 466 pontos em 2003 e 466 pontos em 2006."

O Gabinete do Ensino Básico e Secundário

da Sociedade Portuguesa de Matemática

Ensaio sobre a cegueira acordista

Um artigo imperdível do tradutor João Roque Dias, "Afinal, Ensaio Sobre a Cegueira não é apenas um romance".

Mas faltou dizer o seguinte: o que provoca as imensas diferenças linguísticas entre Portugal e o Brasil (os restantes países de língua portuguesa seguem a norma portuguesa), diferenças que não são principalmente ortográficas, é o isolacionismo dos dois países. Portugal está-se nas tintas (uma expressão desconhecida no Brasil) para o Brasil, e vice-versa. Os livros não circulam, as ideias não circulam, os intelectuais não publicam nos dois países, os jornais não são lidos por uns e outros apesar de estarem disponíveis na Internet. Portugal não quer saber do Brasil e o Brasil não quer saber de Portugal. Esta é uma realidade má para ambos os países, mas nada há que os governantes possam fazer, e sobretudo não vão conseguir mudar isso com tolices ortográficas. Faz parte da mentalidade isolacionista dos dois povos.

O Brasil é um mercado imenso quase completamente fechado ao exterior. Às vezes dá-me a impressão que o mundo poderia acabar e nós no Brasil só saberíamos disso umas semanas depois, o que até é agradável (a imensa crise do petróleo, depois da crise prolongada provocada pela guerra do Iraque, que afecta os EUA e a União Europeia não afecta o Brasil, que se alimenta da sua produção petrolífera autónoma). O isolacionismo brasileiro até faz sentido: aqui, estamos entregues a nós mesmos e o resto do mundo não nos diz realmente respeito.

Mas no caso português o isolacionismo é pura e simplesmente risível. Mas está entranhado na mentalidade nacional. E é isso que explica as derivas linguísticas mais tolas, e nada poderá inverter esse estado de coisas excepto uma maior abertura de ambos os países à produção linguística uns dos outros. No caso da filosofia, estamos numa boa posição: como não se usa terminologia modernaça (mouse para rato, tela para monitor, etc.), não se notam muitas diferenças. E como a maior parte das diferenças estão no linguarejar informal, também não se nota em textos académicos de alta qualidade. Ao ler um texto brasileiro de filosofia de alta qualidade, só depois de alguns parágrafos nos apercebemos de que se trata da variante brasileira; e o mesmo acontece aos brasileiros quando lêem boa prosa filosófica portuguesa. O problema está na linguagem corrente, avacalhada até mais não no Brasil e em Portugal.

Ideias perigosas


No livro “Grandes Ideias Perigosas”, recentemente saído em Portugal, mais de uma centena de cientistas, desafiados pelo sítio “Edge” de John Brockman, o norte-americano “apóstolo da Terceira Cultura”, lançam outras ideias, tão ou mais perigosas do que as 23 ideias subjacentes às questões de Steven Pinker, por remarem de algum modo contra correntes maioritárias. Quer se concorde ou não com as respostas dadas, não há dúvida de que as questões são intelectualmente estimulantes. Pinker, além de ter redigido a Introdução, é um dos autores que apresentam as suas ideias perigosas favoritas. Trata-se no seu caso de uma generalização da questão 1: “Os grupos humanos podem diferir geneticamente nos seus talentos e temperamentos médios”.

Segundo ele, as diferenças entre géneros são “razoavelmente fortes”, ao passo que as diferenças raciais e étnicas “são-no bastante menos”. Lembro que 2005 o Reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, se viu obrigado a demitir-se por ter expresso, ainda que de forma suave, essa ideia. Apesar de Pinker e (poucos) outros o terem defendido, o clamor de indignação foi tremendo e talvez não tenha sido uma simples coincidência o facto de ter sido escolhida uma mulher para lhe suceder. A discussão foi muito ideológica e pouco científica. É sabido que estes assuntos têm uma incontornável carga ideológica. Mesmo assim não pude deixar de me admirar com a contestação feroz que o psiquiatra Pio de Abreu foi alvo por ter escrito, no seu livro “Quem nos Faz como Somos” (Dom Quixote, 2007), que os cérebros masculino e feminino são à partida diferentes. Pinker, que tem três dos seus livros traduzidos na Brasil e, salvo erro ou omissão, ainda nenhum traduzido em Portugal (a edição entre nós tem por vezes razões que a razão desconhece), conclui o seu depoimento sobre a sua ideia perigosa do seguinte modo:

“Mas a perspectiva de realizar testes genéticos para procurar diferenças entre grupos no campo das características psicológicas é, ao mesmo tempo, mais provável e mais incendiária [do que a clonagem de seres humanos], e a comunidade intelectual da actualidade está mal preparada para enfrentá-la”.

Perguntar não devia ofender, mas ainda ofende. No posfácio, o biólogo inglês Richard Dawkins interroga-se de uma forma que para muitos será radical sobre a perigosa questão da clonagem (a questão 23 de Pinker):

“Pergunto-me se, volvidos 60 anos da morte de Hitler, poderíamos ao menos aventurar-nos a perguntar qual é a diferença moral entre criar seres humanos com melhores capacidades musicais e obrigar uma criança a ter lições de música. Ou o porquê de ser razoável treinar corredores de velocidade e saltadores, mas não criá-los. Posso imaginar algumas respostas, e são boas; provavelmente acabariam por persuadir-me. Mas não terá chegado a altura de deixar de ter medo de colocar, sequer, a questão?”

Boa pergunta! Boa pergunta?

- John Brockman (coordenação), “Grandes Ideias Perigosas” (prefácio de Steven Pinker e posfácio de Richard Dawkins), Tinta da China, 2008.

As 23 perguntas perigosas de Steven Pinker

Na sua Introdução ao livro ”Grandes Ideias Perigosas” (coordenação de John Brockman e posfácio de Richard Dawkins), recentemente publicado pela editora Tinta da China de Lisboa, o psicólogo canadiano, professor da Universidade de Harvard, Steven Pinker, coloca 23 questões perigosas, algumas delas muito perigosas, que aqui apresento de forma numerada como desafio ao leitor. Se o leitor se sentir provocado por estas questões, julgo que Pinker terá alcançado o seu objectivo: inquietar.

  1. "Terão as mulheres, em geral, um perfil de aptidões e emoções diferentes do dos homens?
  1. Será que os acontecimentos descritos na Bíblia foram fictícios – não só os milagres, mas também os que envolvem reis e impérios?
  1. Terá o estado do meio ambiente melhorado nos últimos 50 anos?
  1. Será que, na sua maioria, as vítimas de abuso sexual não sofrem danos que duram para o resto das suas vidas?
  1. Será verdade que os americanos nativos praticavam o genocídio e devastavam a paisagem?
  1. Os homens terão de facto uma tendência inata para a violação?
  1. Será que a taxa de criminalidade diminuiu, na década de 1990, porque 20 anos antes as mulheres abortavam crianças que teriam evidenciado propensão para a violência?
  1. Serão os terroristas suicidas pessoas bem-educadas, mentalmente saudáveis e movidos por razões morais?
  1. Serão os judeus asquenazes, em média, mais inteligentes do que os gentios porque os seus antepassados foram objecto de uma selecção com fins reprodutivos que visava a astúcia, necessária na agiotagem?
  1. Será que a incidência das violações diminuiria se a prostituição fosse legalizada?
  1. Terão os afro-americanos, em média, níveis de testosterona mais elevados do que os dos brancos?
  1. Será a moralidade apenas um produto da evolução do nosso cérebro, sem qualquer realidade inerente?
  1. Ficaria a sociedade mais bem servida se a heroína e a cocaína fossem legalizadas?
  1. Será a homossexualidade um sintoma de uma doença infecciosa?
  1. Seria consistente com os nossos valores morais dar aos pais a possibilidade de praticarem a eutanásia em recém-nascidos com deficiências congénitas que os condenam a uma vida de dor e invalidez?
  1. Os pais exercem algum efeito no carácter ou na inteligência dos filhos?
  1. As religiões mataram mais pessoas do que o nazismo?
  1. Reduzir-se-iam os riscos do terrorismo se a polícia puder torturar suspeitos em circunstâncias especiais?
  1. Teria África mais hipóteses de sair da pobreza se acolhesse mais indústrias poluentes ou se aceitasse ficar com o lixo nuclear da Europa?
  1. Estará a inteligência média das nações ocidentais a baixar porque as pessoas menos inteligentes estão a ter mais filhos do que as mais inteligentes?
  1. Seria melhor para as crianças indesejadas se existisse um mercado de direitos de adopção, sendo os bébés atribuídos às ofertas mais elevadas?
  1. Salvar-se-iam mais vidas se instituíssemos um mercado livre de órgãos para transplantes?
  1. Deveriam as pessoas ter o direito de se clonar a si mesmas, ou de melhorar as características genéticas dos seus filhos?”

terça-feira, 17 de junho de 2008

UM ASTRONAUTA NA CATEDRAL


Nos anos 70 esteve na moda um livro intitulado "Eram os deuses astronautas?" do suíço Erich von Daeniken, segundo o qual as antigas civilizações seriam o resultado de invasões de extraterrestres. É pseudociência, claro. Mas o que faz a figura de um moderno astronauta na Porta de Ramos da Catedral de Salamanca conhecida por Catedral Nueva, que apesar do nome foi construída entre 1513 e 1733 em estilo gótico?

É simplesmente uma "brincadeira" dos escultores que fizeram a restauração dessa porta no ano de 1993, quando foi organizada uma exposição sobre as "Idades do Homem". Que é insólito para quem visita a Catedral lá isso é...

Desvendando o arco-íris


Os cursos de física leccionados por Walter H. G. Lewin estão entre os mais procurados pelos estudantes (e não só) do Instituto de Tecnologia de Massachusetts - MIT. Este pequeno resumo explica porquê. Vale a pena assistir a todo o curso de mecânica e ondas e ao de electricidade e magnetismo, disponíveis na íntegra no MIT OpenCourseWare. Para além de física clássica, Lewin contempla nas aulas uma série de tópicos interessantes: estrelas binárias, buracos negros, colapso de estrelas, supernovas, observações astronómicas e até uma incursão pela mecânica quântica.

Embora todas as aulas sejam simplesmente espectaculares, a aula sobre pêndulos é sem dúvida uma das minhas favoritas. É magistral e inesquecível a forma como Lewin explica que o período de uma oscilação é independente da massa, pendurando-se no pêndulo, ou demonstra a conversão de energia potencial em energia cinética, enviando a bola através de um anfiteatro repleto para despedaçar uma placa de vidro presa à parede oposta. É especialmente fabulosa a demonstração do princípio da conservação de energia:

«Acredito tanto na conservação de energia que estou disposto a arriscar a minha vida pela causa. Se estiver errado, esta terá sido a minha última aula».

O professor fecha os olhos dramaticamente e deixa o pêndulo cair. A bola oscila de um lado para outro, mas não atinge o seu queixo por escassos centímetros. «A física funciona!», grita Lewin, «e eu continuo vivo!»

Existem mais universidades que disponibilizam na rede cursos básicos de várias áreas. O objectivo destes cursos abertos é essencialmente a divulgação da Universidade e a atracção de mais estudantes, dentro e fora dos respectivos países. Funciona. No MIT, por exemplo, 20% dos novos estudantes dizem ter optado pela universidade depois de assistirem a algumas aulas virtuais gratuitas.

Cada universidade tem uma página através da qual é possível assistir a milhares de aulas das mais diferentes áreas do conhecimento. Refiro apenas aquelas com mais visitantes: Universidade Yale, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Universidade da Califórnia em Berkeley, Universidade Stanford e Instituto de Tecnologia de Paris.

Esta forma de publicidade das escolas, para além de as beneficiar na angariação de novos alunos, é uma forma que pode ser tão eficaz como as aulas de Lewin o são na divulgação de ciência e na formação científica do nosso Mundo global. Como refere Lewin no vídeo que se segue (1h15mn sobre a beleza do ensino da física) o conhecimento é a beleza oculta em fenómenos que a todos nos maravilham como sejam o pôr do sol ou o arco-íris.


O «psíquico» das colheres


Este sketch, da série «A bit of Fry and Laurie», é quase tão eficaz a desmistificar charlatães como Uri Geller quanto o fantástico Randi. Simplesmente hilariante!

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Soneto de José Anastácio da Cunha


Como falei aqui do matemático e escritor setecentista José Anastácio da Cunha, vale a pena transcrever um soneto dele, que Aquilino Ribeiro classificou como "gema rara". A destinatária Margarida era uma senhora com quem Cunha viveu maritalmente em Valença do Minho. Na foto um grande pinheiro manso de Benagouro, Vilarinho da Samardã, Vila Real, que provavelmente já existia no século XVIII.


Copado, alto, gentil Pinheiro Manso;

Debaixo cujos ramos debruçados

Do sol ou lua nunca penetrados,

Já gozei, já gozei mais que descanso...


Quando para onde estás os olhos lanço,

Tantos gostos ao pé de ti passados

Vejo na fantasia retratados,

Tão vivos, que jàmais de ver-te canso!


Ah! deixa o outono vir; de um jasmineiro

te hei-de cobrir, terás cópia crescida

De flores, serás honra dêste outeiro.


E para te dar glória mais subida,

No meu tronco feliz, alto Pinheiro,

O teu nome escreverei de Margarida.


A CIÊNCIA DOS SUPERHERÓIS


Está nas telas do cinema outra adaptação de "The Incredible Hulk" (de Louis Leterrier, 2008). Ainda não vi, mas é uma boa ocasião para reproduzir a minha crítica à versão anterior (de Ang Lee, 2003), que se encontra no meu livro "Curiosidade Apaixonada" (Gradiva, 2005). Lembro, a propósito de superheróis, que o Superhomem fez há pouco 70 anos, não parecendo ter envelhecido...

Esteve nos cinemas “Hulk”, ou melhor “The Incredible Hulk”, um filme de um superherói que se seguiu a um filme de um outro superherói, “SpiderMan”, ou melhor “The Amazing Spiderman”. Tanto um filme como outro iniciaram-se nas histórias aos quadradinhos norte-americanas, os “comic-books”. Tanto “Hulk” como “Spiderman” aparecerem em 1962: o segundo, talvez mais conhecido, foi criado por Stan Lee, tendo aparecido no nº 15 da revista “Amazing Fantasy”. Em 1977 estrearam-se os dois como séries de televisão na cadeia CBS (tinha havido um pouco antes a estreia do “Spiderman” na televisão embora em em desenhos animados). Em 2003, quando os dois superheróis já tinham 42 anos, chegaram finalmente ao cinema. As películas não são muito diferentes. Nas duas há um herói capaz de fazer coisas incríveis. E nas duas essas capacidades têm a ver com a ciência, ou melhor, com alguns “desvios” da ciência. Vale a pena por isso abordar a ciência dos superheróis.

“Hulk” e “Spiderman” têm um antepassado comum que de certo modo imitam: o “Superman”, criado em 1938 (o Superhomem é quase contemporâneo da primeira observação da cisão nuclear, que é de 1939), passado ao cinema em 1948 e à televisão em 1952. O Superhomem, famoso pelo seu fato azul com um S no peito e pela sua capa vermelha, veio de Krypton, um planeta maior do que a Terra e cuja gravidade é muito maior do que a da Terra. O pai lançou-o no espaço já que o seu planeta-natal ia explodir (devido ao desequilíbrio do seu núcleo de urânio). Adoptado por uma família terrestre, o Superhomem arranjou emprego num jornal e, quando é necessário, mostra os seus superpoderes: é mais rápido do que uma bala, tem uma força sobrehumana e uma penetrante visão de raios X. Recolhe directamente energia solar. Tem apenas uma debilidade: a criptonite, material radioactivo que resultou do seu planeta e que diminui os seus superpoderes. Como se vê, a história é de ficção científica, com mais ficção do que científica: a explosão de planetas, a radioactividade, a energia solar.

Na história original do “Hulk”, Bruce Banner trabalha num projecto de bomba nuclear numa base secreta de um deserto americano. Um dia, para salvar uma pessoa, é submetido a radioactividade intensa, e sofre uma tremenda transformação: fica verde, enorme e com uma força desmedida (os sportinguistas bem gostariam de ter um jogador desses...). Mas fica também com a mente um pouco débil, como é próprio de um monstro. Os temas científicos da história são, portanto, as mutações provocadas por radiação e a capacidade de mudar de cor, tal como o camaleão. É curioso que a versão cinematográfica tenha actualizado a matéria científica. A acção moderna passa-se em laboratórios de biologia – informando-nos que os perigos da ciência moderna têm porventura mais a ver com a biologia do que com a física– e a nanotecnologia surge como vedeta. A nanotecnologia, que consiste na manipulação à escala atómica e molecular, é um domínio onde a física, a química e a biologia se cruzam. Tem conhecido desenvolvimentos tão espectaculares que a palavra saltou já para os títulos de jornais. E até já há um conjunto organizado de inimigos da investigação e das aplicações nessa área: muitos deles passaram da oposição às manipulações genéticas e aos alimentos geneticamente modificados para a oposição à nanotecnologia. Em “Hulk” há pois uma mistura de física nuclear (radiação gama), biologia genética (mutações) e nanotecnologia (novas moléculas) que pode atemorizar...

Também no filme “Spiderman” é transmitido o medo da ciência. Um adolescente, Peter Parker, estava a assistir a uma demonstração no liceu quando é picado por uma aranha, exposta à radiação. O rapaz ganha poderes de aracnídeo, incluindo a capacidade de tecer teias, subir paredes e dar saltos entre os prédios. Tal como o Superhomem, o Homem-Aranha trabalha para um jornal (como fotógrafo), mas interrompe o seu trabalho quando é preciso combater o crime nas ruas de Nova Iorque. A ciência agora reside no fantástico cruzamento do homem com a aranha, que ocorre mais uma vez através de uma mistura da física nuclear com a biologia. De facto, a realidade tem-se aproximado da ficção e já se realizaram experiências de manipulação genética nas quais se conseguiu que cabras produzissem, com o seu leite, seda muito parecida com a que é tecida pelas aranhas.

Haverá razões, como estas histórias de superheróis insinuam, para se ter medo da ciência? Deve-se obviamente ter bastante cuidado... Mas tal não quer dizer que a ciência seja em si uma actividade perigosa. Tem perigos, que se devem obviamente prevenir e evitar, para o que é necessária uma permanente atenção por parte não só dos cientistas como da sociedade em geral. De resto, há perigos por todo o lado. Perigos há também na literatura, que muitos julgam inofensiva: só para dar um exemplo, o romântico alemão Johann Wolfgang Goethe pôs o seu jovem Werther a suicidar-se devido a um desgosto de amor. Tal acto teve consequências absolutamente imprevisíveis, nomeadamente o aumento em flecha do número de suicídios. Alguém pensará que Goethe era um perigoso assassino?

O leitor ou o espectador, nos livros aos quadradinhos ou na televisão e no cinema, das aventuras de “Superman”, “Hulk” ou “Spiderman” fará bem em não ter medo e em divertir-se com as histórias. Mas há talvez uma moral que pode tirar: Esses superheróis expressam o eterno desejo do homem de quebrar as barreiras que o tolhem. No mundo real, é a ciência, prolongada pela tecnologia, que permite que o homem se supere. No caso do “Superman” e do “Spiderman”, é bom não esquecer, os heróis, com os seus superpoderes, combatem o “mal”. E, na maioria das vezes, no mundo real, a ciência e a tecnologia também servem para diminuir o “mal”...

Roger Highfields, jornalista de ciência do “Daily Telegraph” e autor de um livro intitulado “A Ciência de Harry Potter” (Harry Potter é outro superherói moderno), apontou a relação profunda entre tecnologia e magia:

A tecnologia criada pelos feiticeiros de hoje faz os aviões voar, os computadores perceberem a fala, e mandar uma mensagem de um ponto para o outro do planeta. Mas ela é tão imperscrutável para a maior parte das pessoas que estas poderão pensar que se trata de produtos de magia. A bioquímica que está presente num teste doméstico de gravidez, o movimento dos electrões num chip de silício num computador caseiro e mesmo as instruções para manipular um gravador vídeo podem parecer magia”.

Algo semelhante disse o físico e autor de ficção científica Sir Arthur Clarke: “A tecnologia suficientemente desenvolvida é indistinguível de magia”. É verdade. Mas não esqueçamos que a magia moderna resulta da ciência e não de uma varinha de condão.

Contra as tolices ortográficas...

... o remédio é ler o novo blog http://emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/

"DA CUNHA, MATEMÁTICO, POETA Y HEREJE"


Um salto à Feira do Livro de Madrid (ao lado da qual a Feira do Livro de Lisboa empalidece) permitiu-me encontrar, entre muitas obras interessantes, o livro com o título reproduzido em cima (Nivola, 2008).

Trata-se de uma biografia do matemático e escritor português do tempo das Luzes José Anastácio da Cunha (1744-1787). É seu autor Xenaro García Suárez, licenciado em Matemática pela Universidade de Santiago, doutor em Filosofia pela Universidade Complutense e professor de matemática no Instituto Álvaro Cunqueiro de Vigo, que já antes tinha feito uma edição crítica sobre os manuscritos matemáticos de Marx e um estudo sobre a obra matemática de Frei Martin Sarmiento (1695-1772), um sábio beneditino contemporâneo de Anastácio da Cunha (a página Wikipédia do português empalidece comparada com a do espanhol, nomeadamente do ponto de vista bibliográfico).

Anastácio da Cunha é relativamente bem conhecido entre nós, talvez mais nas comunidades de matemática e de história das ciências do que na comunidade de estudos literários. Tal não admira porque, juntamente com o Padre Monteiro da Rocha, Cunha é o nosso maior matemático do século XVIII. O Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra publicou, por altura do bicentenário da sua morte, uma edição facsimilada dos seus "Princípios Matemáticos", saído só postumamente (em 1790) e que conheceu duas traduções francesas logo no início do século XIX. Recentemente saiu um belo volume de facsimiles e comentários de documentos autógrafos encontrados no Arquivo de Braga: M. Elfrida Ralha, M. F. Estrada, M. do Céu Silva e A. Rodrigues (org.), José Anastácio da Cunha: O tempo, as ideias, a obra e… os inéditos, Arquivo Distrital de Braga/Centro de Matemática da Universidade do Minho/Centro de Matemática da Universidade do Porto, 2006. A "Obra Literária" de Cunha encontra-se facilmente (ed. M. L. Borralho e C. Marinho, Campo das Letras, 2 vols., 2001-2006); foi Fernando Pessoa quem disse que Cunha representa "a primeira luz do amanhecer da literatura portuguesa"). Mas julgo que está esgotado o romance de Aquilino Ribeiro, "Anastácio da Cunha: O Lente Penitenciado" (Bertrand, 1938), sobre os problemas que Cunha teve com a Inquisição.

O livro espanhol é o nº 35 de uma muito boa colecção de biografias matemáticas dirigida por António Pérez Sanz, professor do Centro Nacional de Informação e Comunicação Educativa do Ministério da Educação espanhol. Trata-se do primeiro matemático português a aparecer nesta colecção (espero que pelo menos Pedro Nunes venha também a aparecer!) e está muito bem numa colecção que começou com Arquimedes, Fermat e Newton (curiosamente não há ainda nenhum matemático espanhol...). Suárez soube de Anastácio da Cunha através de uma nota de pé de página de uma compilação do historiador de ciência I. Grattan-Guiness sobre cálculo infinitesimal (tradução espanhola, Alianza Editorial, 1984), em que atribuía prioridade ao matemático português relativamente à noção de diferencial de Cauchy. A partir daí estudou o assunto e passou a referir Cunha nas suas aulas. Escreve Suárez na apresentação do seu livro, o qual apesar de conter fórmulas é bastante acessível para quem tenha o mínimo de cultura científica:

"Em geral, a história da ciência portuguesa, incluindo a matemática, é completamente desconhecida em Espanha e, embora Portugal tenha também sofrido os rigores da tão conhecida entre nós intolerância eclesiástica, quando investida do poder temporal, houve, em determinados momentos, tentativas de incorporar o pensamento iluminado".

Eu diria que a história da ciência portuguesa é bastante desconhecida entre nós, pelo que não seria descabido traduzir este livro para português, aumentando o círculo dos seus leitores. E, principalmente, acrescentar-lhe outros livros, tanto eruditos como populares, escritos em português, sobre as vidas e obras dos nomes que foram maiores na nossa ciência.

Nota: A capa do livro usa o quadro "Condenado pela Inquisição", das colecções do Museu do Prado e que está reproduzido acima, do pintor espanhol Eugenio Lucas Velasquez (1817-1870). Mas há um erro: na capa, a imagem aparece invertida, com a esquerda e a direita trocadas. Só me apercebi disso quando encontrei o original...

domingo, 15 de junho de 2008

Cor, Controvérsia, ADN e Stephen Jay Gould



Henry Louis Gates Jr., que dirige o departamento de estudos afro-americanos da Universidade Harvard, entrevistou James Watson a propósito das declarações que este prestou ao Sunday Times em Outubro do ano passado. A entrevista pode ser lida na íntegra ou numa versão editada na página da revista de que é editor, «The Root». Esta, entre análises de notícias de uma perspectiva da comunidade negra, oferece aos seus leitores uma secção que lhes permite traçar a sua árvore genealógica através do AfricanDNA.com fundado por Gates, que, como confessa, sempre se sentiu fascinado com as suas raízes.

Gates foi o anfitrião de duas séries da PBS intituladas African American Lives, que analisaram a genealogia de afro-americanos célebres como Morgan Freeman, Chris Tucker, Whoopi Goldberg, Sarah Lawrence-Lightfoot e Oprah Winfrey. A árvore genealógica de Gates foi igualmente traçada e este descobriu atónito não passar de uma lenda familiar a história da origem da contribuição branca para a família. A análise do ADN de Gates, incluindo o ADN mitocondrial, revelou nunca ter ocorrido a violação da bisavó escrava que era contada. Na realidade, Gates descobriu que a sua componente «caucasiana» deriva da parte materna através de uma avó ashkenazim.

Achei interessante que alguém que procura tão afincadamente a «verdade» histórica no ADN, não obstante as consequências, tenha endereçado o que chamou «uma pergunta moral» a Watson, questionando se se deve evitar a investigação sobre uma possível origem genética da inteligência por isso poder confirmar «os piores pesadelos» de algumas pessoas, isto é, pode indicar que algumas comunidades são diferentes geneticamente em termos de inteligência.

Na realidade, «os piores pesadelos» de algumas pessoas já são veiculados há muito. O debate sobre as bases da inteligência é muito anterior ao advento da genética ou mesmo da ciência e tem tomado várias formas ao longo dos séculos como forma de justificação da discriminação das «raças» (ou sexo) inferiores.

Uma dessas formas é o «determinismo» biológico que emergiu nos Estados Unidos como uma resposta aos movimentos sociais dos anos sessenta. Em 1969, Arthur Jensen, professor em Stanford, argumentou que as diferenças de QI entre brancos e negros são geneticamente baseadas e inalteráveis. Dois anos depois, o psicólogo de Harvard Richard Herrnstein afirmou que o estatuto sócio-económico é uma função directa da inteligência herdada e que a «tendência para o desemprego» estaria tão determinada como a «tendência para ter maus dentes».

Em 1975, Edward Wilson publicou o livro «Sociobiology», cujos primeiros 26 capítulos tratam da organização social dos restantes animais e são unanimemente aplaudidos. Mas no 27º - e primeiro e único controverso - capítulo, Wilson estendeu as conclusões que a observação de outros animais lhe permitiram e extrapolou-as para os humanos argumentando que características como a agressão e a xenofobia são geneticamente baseadas. Como nota de curiosidade, num artigo publicado em 12 de Outubro de 1975 na New York Times Magazine, Wilson afirmou que «o preconceito genético é suficientemente intenso para causar uma divisão significativa do trabalho até mesmo nas mais livres e igualitárias sociedades futuras. Assim, até com uma educação idêntica e acesso igual a todas as profissões, é provável que os homens representem um papel desproporcionado na vida política, negócios e ciência».

Uns anos depois, a 10 de Abril de 1978, a revista Business Week apresentava um artigo intitulado «Uma defesa genética do mercado livre» em que se podia ler: «o interesse pessoal é a força motriz da economia porque está inserido nos genes de cada indivíduo. Sociobiologia significa que indivíduos não podem ser moldados para se ajustarem em sociedades socialistas sem uma tremenda perda de eficiência. Os bioeconomistas dizem que estão fadados ao fracasso os programas de governo que forçam os indivíduos a serem menos competitivos e egoístas do que eles são geneticamente programados».

Mas sem dúvida que o mais polémico e conhecido elemento nesta «guerra» de QI's é o livro de 1994 «The Bell Curve:Intelligence and Class Structure in American Life», escrito por Richard Herrnstein e Charles Murray.

O livro, descrito por como Stephen Jay Gould como «um manifesto da ideologia conservadora», foi rebatido noutro livro, «The Bell Curve Wars: Race, Intelligence, and the Future of America» em que participaram, entre outros, Gates e Gould.

Para quem leu «A Falsa Medida do Homem (The mismeasure of Man)» (publicado em 1981), a posição de Gould não é surpresa. De facto, Gould publicou uma edição revista do livro em 1996 de forma a mostrar o livro de Herrnstein e Murray como um livro elitista (no mau sentido) e «vazio em factos sérios ou argumentos novos». Os autores omitiram factos e usaram erroneamente métodos estatísticos para chegar às suas conclusões racistas num texto que pretendia a eliminação dos programas de providência social, nomeadamente dos programas de «welfare» para mães solteiras. Os autores da Curva de Bell consideravam que «os Estados Unidos têm já políticas que, de uma forma inadvertida, fazem engenharia social sobre a procriação, mas andam a escolher as mulheres erradas. Se se incentivasse mulheres com Q.I. elevado a procriar como se faz para as mulheres de Q.I. baixo, tais políticas seriam apropriadamente descritas como uma manipulação descarada da fertilidade».

Para Gould, o livro apresenta uma «visão apocaliptíca de uma sociedade com uma classe baixa em crescimento permanentemente amarrada ao pântano dos seus baixos QI's. Eles tomarão conta do centro das nossas cidades, continuarão a ter filhos ilegítimos (porque muitos são demasiado estúpidos para controlar a sua fertilidade), a cometer crimes e no fim exigirão uma espécie de estado prisão para os controlar (e para os manter fora dos nossos bairros de QI elevado)»

Segundo Gould, «A curva de Bell» é mais uma página na história de cientistas sociais conservadores que pretendem justificar as desigualdades sociais ou seja, pretendem arranjar uma justificativa genética para o status quo e a existência de privilégios de certos grupos de acordo com classe, raça ou sexo. Gould considerava que não havia nenhuma evidência científica para quaisquer destas pretensões e que as mudanças sociais ocorrem demasiado depressa para serem explicadas em termos biológicos.

Em oposição ao determinismo biológico, Gould enfatizou a enorme flexibilidade do comportamento humano:

«A característica central da nossa singularidade biológica também fornece a principal razão para duvidar que os nossos comportamentos são codificados directamente por genes específicos. Esta característica é, com certeza, o nosso grande cérebro... Aumentou marcadamente de tamanho durante a evolução humana... somou conexões neurais suficientes para converter um dispositivo programado, inflexível e bastante rígido, num órgão flexível, dotou-o de lógica suficiente e memória para substituir a aprendizagem não-programada por especificação directa como a base do comportamento social. Flexibilidade pode ser a mais importante característica da consciência humana.»

Para Gould, «Violência, sexismo e crueldades em geral são biológicas se as virmos como um subconjunto de um possível leque de comportamentos. Mas paz, igualdade e generosidade são tão biológicas quanto elas - e nós poderemos ver a sua influência aumentar se conseguirmos criar estruturas sociais que permitam o seu desenvolvimento».

Gould e o «The Mismeasure of Man» são talvez a melhor resposta à questão moral de Gates. E a lição de vida de Gould, o seu compromisso com a ciência, que deve ser uma ferramenta fundamental para a libertação e não para a opressão, deveria inspirar todos os que não só querem entender o mundo mas também contribuir para que este seja melhor.

sábado, 14 de junho de 2008

Charlatanices e pseudo-ciências: o aviso de Sagan

A ignorância afirma ou nega veementemente, a ciência duvida (Voltaire)

«Há cerca de 2000 anos, emergiu uma civilização científica esplêndida na nossa história, e a sua base era em Alexandria. Apesar das grandes hipóteses de florescer, ela decaiu. A sua última cientista foi uma mulher, considerada pagã. O seu nome era Hipátia. Com uma sociedade conservadora a respeito do trabalho da mulher e do seu papel, com o aumento progressivo do poder da Igreja, formadora de opiniões e conservadora quanto à ciência, e devido ao facto de Alexandria estar sob domínio romano, após o assassinato de Hipácia, em 415, essa biblioteca foi destruída. Milhares dos preciosos documentos dessa biblioteca foram em grande parte queimados e perdidos para sempre, e com ela todo o progresso científico e filosófico da época».

Neste excerto do último episódio da série «Cosmos», Sagan adverte-nos para as consequências da espiral de que falei no último post. Sagan escreveu no seu manifesto contra as pseudociências, «O Mundo Infestado de Demónios: a ciência vista como uma vela na escuridão», «as consequências do analfabetismo científico são muito mais perigosas na nossa época do que em qualquer outro período anterior, devido aos perigos potenciais dos avanços tecnológicos na vida quotidiana, quando mal utilizados».

No capítulo 19, Não Existem Perguntas Imbecis, Sagan transcreve um artigo que publicou na revista Parade, em meados da década de 90, baseado numa análise das competências científicas dos alunos norte-americanos. Depois de analisar os resultados e as razões subjacentes à fraca prestação dos alunos do seu país, Sagan termina o capítulo explicando por que considera importantes os investimentos continuados em ciência e em educação de ciência. E estes motivos são tão diversos como uma escolha mais fundamentada dos candidatos nas próximas eleições ou aceitar esta e não aquela solução para proteger o planeta:

«A maioria das crianças norte-americanas não é estúpida. Parte da razão de não estudarem muito é que recebem poucos benefícios tangíveis quando o fazem. Hoje em dia, a competência (isto é, conhecer realmente o assunto) em capacidades verbais, matemática, ciência e história não aumenta o salário dos jovens nos primeiros oito anos depois da escola secundária - e muitos não se empregam na indústria, mas no sector de serviços.

A ciência, na minha opinião, é uma ferramenta absolutamente essencial para qualquer sociedade que tenha a esperança de sobreviver bem no próximo século com os seus valores fundamentais intactos - não apenas como é praticada pelos seus profissionais, mas a ciência compreendida e adoptada por toda a comunidade humana. E se os cientistas não realizarem essa tarefa, quem o fará?»

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Charlatanices e banhas da cobra: activação de ADN


O ADN é uma molécula polimérica que foi alvo de inúmeros posts no De Rerum Natura, quer do ponto de vista químico quer biológico. Os nossos leitores sabem que, de acordo com a sua funcionalidade, o ADN pode ser dividido em ADN codificante e não codificante. O ADN dito codificante é responsável pela síntese das proteínas que constituem todos os seres. O processo resume-se, basicamente, na transformação da linguagem codificada do ADN (sequência de nucleótidos) para a linguagem das proteínas (sequência de aminoácidos).

As regiões não codificantes do ADN, muitas vezes designadas «junk DNA», são segmentos que não codificam proteínas mas que podem ser muito importantes, por exemplo na regulação de genes, nomeadamente em eucariotas ou eucariontes. Por outro lado, existem nos vertebrados algumas zonas de ADN não codificante ultra-conservadas nos vertebrados (isto é, idênticas ou praticamente idênticas em muitas espécies) que parecem estar associadas à evolução e desenvolvimento dos vertebrados enquanto outras zonas podem ter tido um papel muito importante na evolução do Homem.

Assim, a designação «junk», que se pode traduzir como «lixo», é errónea. Como a maioria da população não segue a literatura científica, uma quantidade assustadora de charlatães dedica-se à tarefa de enriquecer à custa da ignorância alheia com dislates absolutamente arrepiantes que misturam patetadas New Age com uma linguagem pseudo-científica para enganar os mais incautos.

Um destes charlatães em concreto vende sessões de «activação» do junk DNA pela quantia «simbólica» de 100 dólares a sessão - com o aviso de que são necessárias pelo menos 4 sessões para atingir a perfeição perdida com a «queda», isto é, a «Original Divine Blueprint, o que o Homem já foi». O vendedor de banha da cobra refere ainda que Cristo, supostamente, teria em vez de uma dupla hélice uma dodeca hélice em que as 10 hélices extras seriam «etéreas», o que quer que ele pretenda com este disparate.

Mais concretamente podemos ler na sua publicidade enganosa que:

«A maioria das pessoas sabe que o ADN é o 'blueprint' da vida e está localizado em cada célula do corpo. Em adição à dupla hélice do ADN de cada cromossoma, existem 10 cadeias etéreas acessíves a cada ser humano, que estão no limbo desde o início da História.

Cada cadeia adicional permite ao indíviduo fazer maiores feitos humanos. Os cientistas reconhecem que actualmente apenas usamos 3% das nossas actuais duas cadeias de ADN. Assim, vivemos numa sociedade em que as pessoas estão doentes, infelizes, stressadas, fazem guerras, têm dificuldade em experienciar amor e estão totalmente desligadas do Universo. Muitas pessoas têm de meditar por muitos anos apenas para terem a chamada «experiência mística», tal é a desconexão que temos. Imagine o que é activar 100% do seu ADN das duas cadeias, MAIS 10 cadeias adicionais. Passará de usar 10% do seu cérebro [na realidade, 100% da massa encefálica trabalha vigorosamente] a um ser multidimensional com capacidades psiquicas, telepáticas e de manifestação (?) para lá de tudo o que sonhou. Mais, parará o seu processo de envelhecimento e começará de facto a rejuvenescer e a parecer e sentir-se MAIS NOVO».

Embora no meio de tanto disparate seja apenas um detalhe, é completamente falso o que realçei com negrito, isto é, que os cientistas reconheçam que só «usamos» 3% do ADN; os cientistas apenas reconhecem que há uma parte do nosso ADN de que não sabemos ainda a função embora os últimos tempos tenham sido férteis em descobertas excitantes sobre o papel do ADN não codificante.

A quantidade de tolices que o senhor debita por parágrafo suplanta até a necedade (ignorância ou estupidez crassa) da homeopateta que dissertou sobre «vibrações» youeeisticas. E não me refiro apenas à banha da cobra propriamente dita, a tal «bioregenesis» que supostamente «ordena» o junk ADN no «Angelic Human DNA Template», o Diamond Sun DNA Template, com as tais dodeca hélices, «que permitem 12 níveis de consciência e são construídas para transmutação de carbono em silício e eventualmente em luz líquida (?) pré-matéria».

A justificação de porque é tão urgente encher a conta bancária do aldrabão, que cura «telepaticamente», isto é, via internet, é impossível de adjectivar, como os nossos leitores podem apreciar neste pequeno excerto:

«Nós estamos no meio de um ciclo de ascensão, que é literalmente um «time continuum shift» [que não traduzo porque nem sequer imagino o que seja um «desvio do contínuo do tempo», será uma descontinuidade temporal?]. Até 2012, o planeta vai atravessar este «time continuum shift», o que só acontece uma vez em cada 25 556 anos (o chamado ciclo Euiago [para saber o que é mais este dislate New Age, os leitores podem divertir-se nesta página, nestoutra absolutamente delirante que afirma ser o nosso ADN um womhole ou consultar a página de um alucinado que elabora sobre a imbecilidade em que assenta esta tal ascensão).

O que está a acontecer é que as partículas que fazem o campo áurico (?) da Terra estão a acelerar num ritmo pulsante na preparação para este desvio da 3ª dimensão para a 4ª dimensão. Como as partículas que fazem o campo áurico da Terra estão a acelerar num ritmo pulsante e nós fazemos parte do campo áurico da Terra, as partículas que fazem parte do NOSSO campo áurico também têm de acelerar. Isto está a acontecer agora e até 2012. Isto significa que nós temos de ter pelo menos 4 cadeias de ADN activas se queremos dar o salto para a 4ª dimensão.

E isto é o porquê de a activação do ADN ser tão importante agora. Se tem bloqueios energéticos, - anexos áuricos, impressões kármicas,distorções de ADN ou selos energéticos não naturais - então não consegue acelerar as partículas e atingir as frequências necessárias para dar este «time continuum shift». E as frequências mais altas que chegam ao seu campo vão acelerar os processos de deterioração do corpo e muitos resultam em problemas físicos e desconforto. Muitas pessoas já notam estes sintomas e esta é a razão.»

Mas as coisas absurdas que este senhor debita a uma velocidade alucinante são perpetuadas em inúmeras outras páginas, uma pesquisa com «12 strand DNA» devolve cerca de 722 000 entradas e outra com «junk dna activation» quase um milhão de páginas, na sua maioria de outros charlatães que vendem sessões sortidas de «activação» de até 22 cadeias (!) de ADN, todas elas tão repletas de inanidades New Age como estes excertos.

Também no Brasil intrujões sortidos, por exemplo, Joysia, Engenheiro Chefe Geneticista a serviço do Conselho Nibiruano da Federação Galáctica, afirmam serem capazes de Recodificar, Reconectar e Activar o ADN dos que estejam dispostos a contribuir para a manutenção da conta bancária dos charlatães.

Achei especialmente divertido o site da Fraternidade Virtual Eu Sou Luz que pretende que a «activação do DNA subtil (Espiritual, Verdadeiro)» é possível com uma água «energizada», agora não com luz mas num processo de rezas em tudo análogo às tretas Hado do senhor Masaru Emoto, o doutor em medicina alternativa por uma obscura pseudo-universidade de banha da cobra em Calcutá que inspirou recentemente em Coimbra sessões de aspersão com água mágica.

Para os que pensam que estas patetadas são idiossincrasias de outras paragens, informo que nos dias 17 e 18 de Maio 2008 o Centro Terra Cristal Lisboa organizou um «workshop» para que convidou «seres da luz». Estes tais seres luminosos «proporcionam um trabalho profundo do coração actuando no DNA espiritual e efectuando a conexão e activação de várias fitas de DNA» aos incautos que desembolsaram a módica quantia de 170 euros (alojamento àparte) pela banha da cobra.

Tal como o Carlos, cito estes disparates «para que não se pense que estas coisas são "americanices" dos anos 80». Em relação à «activação» do ADN «etéreo» não há a publicidade massiva que mereceu a água «mágica» ou a venda de banha da cobra que vai acontecer já na próxima quarta-feira no Pavilhão Atlântico (e que me queriam impingir ontem no supermercado juntamente com o talão das compras). Todas estas coisas acontecem aqui e agora e não passam de fraudes congeminadas para enganar e explorar os mais incautos que urge desmascarar porque para além de fazerem mal à carteira fazem muito pior à sociedade como um todo.

De facto, o ressurgimento destes obscurantismos é uma manifestação de que algo está profundamente errado na nossa sociedade mas para além de sintoma é igualmente uma causa do que está errado. Vivemos tempos em que este tipo de patetices, aparentemente inócuas, na realidade são uma espiral descendente que se não for travada pode ter consequências desastrosas. O pior perigo destas charlatanices é o facto de que «envenenam» a mente, isto é, pretendem passar anti-ciência por ciência e apelam a que as pessoas deixem de pensar. São perigosas porque afirmam que o pensamento mágico é mais importante que o trabalho, a verdade, a razão e o respeito pelas evidências. E a razão e o respeito pelas evidências são a fonte do progresso da Humanidade - e a nossa salvaguarda contra todos os que lucram pela deturpação da verdade.

A FÍSICA DO FUTEBOL

Minha crónica no semanário "Sol" de hoje:

Anda por aí a febre do futebol. Embora continue a fazer correr rios de tinta, já pouco falta dizer sobre o desporto-rei. Porém, um dos aspectos que têm sido menos referidos é o seu lado científico.

Científico? Sim, o futebol é uma paixão, com grande dose de irracionalidade, mas tem um lado científico. Os movimentos da bola podem ser analisados aplicando as leis da física newtoniana. Os movimentos dos jogadores têm a ver com a biomedicina. Os equipamentos e a própria bola são resultado de tecnologias avançadas. E até a evolução das equipas em campo pode ser estudada com poderosos meios informáticos. Por exemplo, João Moutinho foi o português que mais correu no último jogo contra a Turquia, tendo percorrido 10,227 quilómetros.

O físico inglês Ken Bray tem-se especializado na ciência do futebol. Com um doutoramento em física quântica, é investigador convidado no grupo de Ciências do Desporto e Educação Física na Universidade de Bath. O seu livro “How to Score” (Granta Books, 2006) analisa, do ponto de vista científico, alguns dos principais jogos dos últimos anos. Um dos casos de estudo é a decisão por penáltis, favorável a nós por 6-5, no Portugal-Inglaterra do Euro-2004. Bray calculou a área da baliza que um guarda-redes pode cobrir, que é de 72 por cento. Quer isto dizer que chutos dirigidos para a área não coberta, nos dois extremos da baliza, são indefensáveis, porque pura e simplesmente o guarda-redes não consegue mergulhar até lá. Ora ganha quem sabe. Dos sete pontapés lusitanos um foi muito alto (Rui Costa) e outro entrou apesar de ir à figura do guarda-redes, enganado pelo “teatro” de Hélder Postiga. Todos os outros remates, incluindo o do golo final de Ricardo, foram com precisão para a área não coberta. Quanto aos ingleses, Beckam falhou e Hargreaves atirou sem hipótese de defesa, mas todos os outros cinco chutos foram para a zona coberta da baliza. Ricardo defendeu um e podia ter defendido mais. A física pode ser do inglês Newton, mas nesse dia nós é que a sabíamos toda...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

BOB O ORADOR


Com o título de cima, "O Sol" de sábado passado dedica algumas páginas da sua revista à Conferência que o auto-intitulado "filósofo" Bob Proctor (na foto) vai fazer na próxima quarta-feira, dia 18, no Pavilhão Atlântico de Lisboa. Bob Proctor vem ganhar uma grande pipa de massa e as pessoas que lá forem vão perder, além do seu tempo, algum dinheiro pois os bilhetes são caros (consta que há muitos bilhetes por vender e, por isso, muitos deles já estão a ser oferecidos). Eu, que já aqui escrevi sobre "O Segredo", penso o mesmo que o editor da revista: que se trata de uma intrujice. É um negócio baseado na intrujice, aproveitando-se da fraqueza de algumas pessoas.

Mas melhor do que eu os meus colegas de blogue Desidério e Palmira pronunciam-se nas páginas do "O Sol". Vou dar-lhes a palavra, tal como é apresentada pelo jornalista Luís Miranda:

"Desidério Murcho, filósofo, escritor e professor universitário, comenta que "se uma pessoa se intitulasse médico ou advogado sem o ser realmente, a sociedade não toleraria." Mas autoproclamar-se filósofo, como faz Bob, é admissível. Porquê? "Porque as consequências da trapaça não são tão graves". Desidério acredita que estamos perante "uma fraude", mas um logro que sempre existiu "e sempre existirá enquanto as pessoas não tiverem todas acesso a ensino de qualidade."

(...) "O Segredo não só não é ciência como é um facto anti-ciência", comenta Palmira Silva, do Departamento de Engnharia Química e Biológica do Instituto Superior Técnico, e uma das autoras do blogue de divulgação científica De Rerum Natura. Explica que a lei da atracção está associada a movimentos new age e new thought e não tem rigorosamente nada de científico. Os autores dessa lei apenas usam o "prestígio da ciência para vender o seu produto obscurantista", conclui. A professora lembra ainda que "em épocas de crise social e económica como a que atravessamos, este tipo de banha de cobra vende muito bem." "

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...