Meu artigo no último JL
É sabido que os físicos e os biólogos são dos autores mais prolixos de divulgação científica. Já os químicos e os geólogos são mais comedidos. Por isso devem ser saudados os ensaios de autores portugueses nestes últimos temas.
Por exemplo, o professor de Ciências da Terra António Galopim de Carvalho (um
jovem nos seus quase 93 anos), entre nós o «decano» da comunicação de ciência,
publicou há pouco na Âncora Editora uma segunda edição, revista, do seu livro Como
Bola Colorida. A Terra Património da Humanidade, que tinha saído em 2007.
Só posso recomendá-lo como uma excelente introdução à geologia, até porque
redigi um prefácio para ele (José Mariano Gago tinha escrito o da primeira
edição). A bela metáfora do título retirada a um verso da «Pedra Filosofal» de
António Gedeão inspirou estas minhas linhas do prefácio: «Uma criança que quisesse
agarrar no nosso planeta teria de ter um tamanho gigantesco. Basta pensar que a
bola onde vivemos tem cerca de 6400 quilómetros de raio, ao passo que uma bola
de futebol adequada a uma criança terá cerca de 20 centímetros de raio. Um
rapaz ou uma rapariga poderão ter entre um metro e um metro e meio. Feitas as
devidas proporções, a altura da criança teria de ser à volta de 40 mil
quilómetros, o que, parecendo muito, não é nada à escala do Sistema Solar: é um
décimo da distância entre a Terra e a Lua.» Mas a mensagem principal do livro é
que a Terra é um planeta dinâmico desde
que surgiu há cerca de 4,5 mil milhões de anos, não só imparável no seu
movimento astronómico, mas também em incessante transformação no seu interior e
na sua superfície. Uma bola infantil pode ser parecida com a Terra no sentido
em que se move e gira, mas está longe de se parecer com a Terra, se pensarmos
na variedade e complexidade de fenómenos que o nosso astro alberga.
Um ainda mais recente livro de divulgação sobre a Terra ajuda-nos a
conhecer melhor os segredos do terceiro planeta do Sistema Solar. Saído nas
Edições Sílabo, intitula-se Terra, um Planeta Dinâmico e tem o
subtítulo, algo maior, do terramoto de Lisboa à plataforma continental de
Portugal na ótica da Tectónica de Placas. É seu autor Luís Rodrigues Costa,
formado em Engenharia de Minas pelo Instituto Superior Técnico, que foi
director do Serviço de Fomento Mineiro e presidente do Instituto Geológico e
Mineiro. Este é o terceiro livro que publica. O primeiro saído na mesma
editora, em 2021, com o título Relatividade Restrita: crónica de uma viagem
guiada» convida a conhecer a teoria da relatividade restrita de Albert
Einstein, ouvindo a conversa de uma tertúlia de amigos. O segundo, edição de
autor, de 2022, intitula-se Croniquetas Mineiras: retalhos de uma
experiência profissional e humana. O autor é fiel ao título, contando
histórias da sua vida a tomar conta de minas.
Rodrigues Costa usa, em Terra, um planeta dinâmico, para comunicar a
Teoria da Tectónica de Placas, essencial para a compreensão dos segredos da
Terra, a mesma estratégia do seu primeiro livro. Volta a reunir-se a tertúlia
que, nas palavras do próprio autor, é composta por: «Tomás (mas não Kuhn),
professor universitário de história da ciência; Alberto (mas não Einstein),
investigador num laboratório de telecomunicações; Bernardo (mas não Riemann),
que trabalha numa sociedade que faz trabalhos de topografia; Leonardo (mas não
Euler), que trabalha em matemática numa companhia de seguros; Vasco (mas não
Santana), proprietário de um local de diversão noturna num bairro típico de
Lisboa. O grupo é agora alargado com a entrada de um novo elemento, Alfredo
(mas não Wegener).» Alfredo, que tinha cursado Geologia, foi primeiro professor
dessa área e depois gestor de uma empresa de levantamentos geotécnicos.
Alfred Wegener, para quem não sabe, é um geólogo e meteorologista alemão
nascido em Berlim em 1880 e falecido 50 anos depois na Gronelândia de hipotermia
ao regressar de uma operação de salvamentos de colegas. É o autor da teoria da
deriva dos continentes, publicada em 1915, segundo a qual há 300 milhões de
anos existia um único continente, chamado Pangeia («Toda a Terra»). O
território de Portugal, estava, nessa amálgama, unido aos do Canadá e da
Gronelândia. Há cerca de 200 milhões de anos, no Triássico (o mais antigo
período do Mesozoico, quando surgiram os dinossauros) a Pangeia começou a
separar-se para dar origem aos actuais continentes. Estes estão associados a
placas tectónicas em movimento lento, mas contínuo. Daqui por muitos anos os
continentes estarão, portanto, noutros lados.
O Alfredo da tertúlia, ou melhor Rodrigues Costa apresenta-nos, em jeito de
crónica dos encontros, a teoria da tectónica de placas na primeira parte (em
oito sessões da tertúlia) dizendo que ela é o «pilar do conhecimento em Geociências».
E, na segunda parte (em mais onze sessões), aplica o conhecimento anterior a
alguns aspectos da geologia de Portugal, tomando como metáfora o que ele chama «Geoparque
Ibéria» (para se perceber a geologia de Portugal tem de se considerar a
Miniplaca Ibérica). Tudo isto após uma apresentação (encabeçada por uma citação
de José Saramago, da» Jangada de Pedra»), um prólogo e antes de uma reflexão
final (encimada por uma citação de Fernando Pessoa: «Tudo o que existe, existe
porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste»), de um anexo, referências e um
glossário. Lendo-o o leitor descobrirá a relação entre o terrível terramoto de
Lisboa de 1755 (originado numa falha a cerca de 200 quilómetros a
oeste-sudoeste do cabo São Vicente) e a definição pelo governo português, em
2009, com base em pareceres científicos, dos limites da plataforma continental
portuguesa (de acordo com eles, Portugal é 97% mar!). A dinâmica das placas faz
a ligação. O leitor, com pequeno esforço, irá perceber tudo, penetrando nos
segredos da Terra. Será ajudado, por figuras, algumas a cores. No fim, ficará
saber, por exemplo, que o Atlântico está a abrir e o Mediterrâneo a fechar. E
que, há cerca de dez mil anos, no fim da última glaciação, podia-se ir a pé até
às Berlengas. Isto é, a terra portuguesa era maior do que é hoje…
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