quinta-feira, 4 de julho de 2024

MEU DISCURSO NO DIA DA CIDADE DE COIMBRA:

 Quero agradecer à Câmara Municipal de Coimbra, na pessoa do seu Presidente, a grande honra de me distinguir com a medalha de ouro da cidade, hoje no Dia da Cidade. Agradecer também aos meus familiares, amigos e colegas, aqui presentes ou noutros sítios, que me acompanham neste momento de festa: ninguém faz nada sozinho e esta medalha é, com toda a justiça, também deles. E agradecer ainda ao Dr. José Urbano o generoso elogio que me fez: ele foi um dos meus mestres mais relevantes.  Com ele aprendi mais que física, aprendi vida. Como disse Georges Steiner em «As Lições dos Mestres», «a missão de professor é a mais privilegiada: é a de despertar noutro ser humano poderes e sonhos; induzir no outro o amor por aquilo que ama; e fazer do interior do seu discípulo o seu futuro.» Ninguém é nada sem os seus mestres, as pessoas de quem recebe a herança da humanidade e com quem aprende que essa herança se deve transmitir. Foi com o Dr. Urbano que fiz o meu primeiro artigo científico, pelo que foi ele que me abriu as portas para o maravilhoso mundo da ciência, que eu fiz por abrir a outros. Continua a ensinar-me generosidade, que é meu dever transmitir a outros. Agora elogiou-me de um modo que me tocou a mim, mas não só a mim, também decerto à minha mulher: ela ficou a saber que não é a única que me elogia, embora, devo dizer e estou grato, o faça com muito maior frequência.

Como hoje é o Dia de Coimbra, gostava de prestar a minha homenagem à cidade onde, não tendo nascido, vivo desde os meus sete anos, portanto, há mais de 60 anos. Foi em Coimbra que estudei, primeiro na escola dos Olivais, depois no Liceu D. João III, hoje José Falcão, e depois ainda na Universidade de Coimbra. Morador nem Santo António dos Olivais lembro-me de em rapaz vir a pé à Baixa requisitar livros na Biblioteca Municipal, comprar o jornal  e voltar de eléctrico, porque para cima os santos não ajudam. Foi em Coimbra que vivi como caloiro, há 50 anos, o 25 de Abril. Tanta gente aqui passou  que, como eu, se encantou por Coimbra: destaco Vitorino Nemésio, que sendo dos Açores escolheu a cidade, especificamente Santo António os Olivais, para sua última morada. E, antes dele, António Nobre, o autor do extraordinário poema «Carta a Manoel» do livro «Só» (1872) que me permito citar: «Contudo, em meio desta fútil coimbrice,/ Que lindas coisas a lendária Coimbra encerra! (…) Quero mostrar-te Coimbra. Hás-de gostar. Partamos. / Dá-me o teu braço e vem daí comigo, vamos! » Coimbra tem tanto para mostrar… Esta é a cidade da Regina Rocha, do Diogo Ribeiro, do José Alves Reis e outros (que me perdoem não dizer todos os nomes), que têm mostrado Coimbra ao país e ao mundo, com quem tenho a honra de partilhar a homenagem de hoje.

Coimbra, diz a canção, é uma lição de «sonho e tradição». Embora pareça muitas vezes pesar mais a tradição, pela minha parte gostava que prevalecesse o sonho. Coimbra tem um rico passado, mas eu não estou decerto sozinho ao afirmar que pode ter um futuro ainda mais rico: o melhor, em Coimbra, ainda está para vir. Coimbra pode ser bem melhor do que tem sido. Temos de ousar criar esse futuro. Depende, em boa medida, de nós, do nosso sonho, da nossa vontade e do nosso esforço. Coimbra deu-me muito e eu quero retribuir a Coimbra o que me deu: já dei os meus livros que vão ficar à beira do Mondego, e posso dar mais da minha vontade e do meu esforço. Quando a vontade e o esforço de muitas pessoas se juntarem, a nossa cidade será o que muitos de nós ansiamos, um sonho realizado. Cito de nome António Nobre: «Dá-me o teu braço e vem daí comigo, vamos!»

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Belo discurso de Carlos Fiolhais.
Também estudei e vivi em Coimbra, de 1978 a 1984. A minha Coimbra não se descreve. Será sempre uma complexidade de sonhos que eu tive e que valeram a pena. O sonho comanda a vida, mesmo quando senti que a alma era pequena. Coimbra fez-me sentir e sonhar. Fez-me compreender que precisava de uma alma muito maior do que a que tinha, de mais imaginação, de mais inteligência e de mais vida para dar asas ao sonho de frequentar a Universidade numa imersão profunda no sentido e no alcance de viver a pensar.

Anónimo disse...

É bem verdade: para cima os santos não ajudam, muito pelo contrário. Há pessoas que estão tão rodeadas de santos que não conseguem realizar nenhum sonho. Os santos são um atraso de vida.

Anónimo disse...

Muito bem, professor Carlos Fiolhais. Devemos estar gratos a todos os que nos fazem crescer para além de nós próprios.
Às vezes, infelizmente, não temos nada a agradecer a ninguém, nem a nenhum lugar: almas pequeninas e espaços sem horizonte.

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