Quero agradecer à Câmara Municipal de Coimbra, na pessoa do seu Presidente, a grande honra de me distinguir com a medalha de ouro da cidade, hoje no Dia da Cidade. Agradecer também aos meus familiares, amigos e colegas, aqui presentes ou noutros sítios, que me acompanham neste momento de festa: ninguém faz nada sozinho e esta medalha é, com toda a justiça, também deles. E agradecer ainda ao Dr. José Urbano o generoso elogio que me fez: ele foi um dos meus mestres mais relevantes. Com ele aprendi mais que física, aprendi vida. Como disse Georges Steiner em «As Lições dos Mestres», «a missão de professor é a mais privilegiada: é a de despertar noutro ser humano poderes e sonhos; induzir no outro o amor por aquilo que ama; e fazer do interior do seu discípulo o seu futuro.» Ninguém é nada sem os seus mestres, as pessoas de quem recebe a herança da humanidade e com quem aprende que essa herança se deve transmitir. Foi com o Dr. Urbano que fiz o meu primeiro artigo científico, pelo que foi ele que me abriu as portas para o maravilhoso mundo da ciência, que eu fiz por abrir a outros. Continua a ensinar-me generosidade, que é meu dever transmitir a outros. Agora elogiou-me de um modo que me tocou a mim, mas não só a mim, também decerto à minha mulher: ela ficou a saber que não é a única que me elogia, embora, devo dizer e estou grato, o faça com muito maior frequência.
Como hoje é o Dia
de Coimbra, gostava de prestar a minha homenagem à cidade onde, não tendo nascido,
vivo desde os meus sete anos, portanto, há mais de 60 anos. Foi em Coimbra que
estudei, primeiro na escola dos Olivais, depois no Liceu D. João III, hoje José
Falcão, e depois ainda na Universidade de Coimbra. Morador nem Santo António
dos Olivais lembro-me de em rapaz vir a pé à Baixa requisitar livros na
Biblioteca Municipal, comprar o jornal e voltar de eléctrico, porque para cima os
santos não ajudam. Foi em Coimbra que vivi como caloiro, há 50 anos, o 25 de
Abril. Tanta gente aqui passou que, como
eu, se encantou por Coimbra: destaco Vitorino Nemésio, que sendo dos Açores escolheu
a cidade, especificamente Santo António os Olivais, para sua última morada. E,
antes dele, António Nobre, o autor do extraordinário poema «Carta a Manoel» do
livro «Só» (1872) que me permito citar: «Contudo, em meio desta fútil
coimbrice,/ Que lindas coisas a lendária Coimbra encerra! (…) Quero mostrar-te
Coimbra. Hás-de gostar. Partamos. / Dá-me o teu braço e vem daí comigo, vamos!
» Coimbra tem tanto para mostrar… Esta é a cidade da Regina Rocha, do Diogo
Ribeiro, do José Alves Reis e outros (que me perdoem não dizer todos os nomes),
que têm mostrado Coimbra ao país e ao mundo, com quem tenho a honra de
partilhar a homenagem de hoje.
Coimbra, diz a
canção, é uma lição de «sonho e tradição». Embora pareça muitas vezes pesar
mais a tradição, pela minha parte gostava que prevalecesse o sonho. Coimbra tem
um rico passado, mas eu não estou decerto sozinho ao afirmar que pode ter um futuro
ainda mais rico: o melhor, em Coimbra, ainda está para vir. Coimbra pode ser
bem melhor do que tem sido. Temos de ousar criar esse futuro. Depende, em boa
medida, de nós, do nosso sonho, da nossa vontade e do nosso esforço. Coimbra
deu-me muito e eu quero retribuir a Coimbra o que me deu: já dei os meus livros
que vão ficar à beira do Mondego, e posso dar mais da minha vontade e do meu esforço.
Quando a vontade e o esforço de muitas pessoas se juntarem, a nossa cidade será
o que muitos de nós ansiamos, um sonho realizado. Cito de nome António Nobre: «Dá-me
o teu braço e vem daí comigo, vamos!»
3 comentários:
Belo discurso de Carlos Fiolhais.
Também estudei e vivi em Coimbra, de 1978 a 1984. A minha Coimbra não se descreve. Será sempre uma complexidade de sonhos que eu tive e que valeram a pena. O sonho comanda a vida, mesmo quando senti que a alma era pequena. Coimbra fez-me sentir e sonhar. Fez-me compreender que precisava de uma alma muito maior do que a que tinha, de mais imaginação, de mais inteligência e de mais vida para dar asas ao sonho de frequentar a Universidade numa imersão profunda no sentido e no alcance de viver a pensar.
É bem verdade: para cima os santos não ajudam, muito pelo contrário. Há pessoas que estão tão rodeadas de santos que não conseguem realizar nenhum sonho. Os santos são um atraso de vida.
Muito bem, professor Carlos Fiolhais. Devemos estar gratos a todos os que nos fazem crescer para além de nós próprios.
Às vezes, infelizmente, não temos nada a agradecer a ninguém, nem a nenhum lugar: almas pequeninas e espaços sem horizonte.
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