quarta-feira, 9 de agosto de 2023

UM TRISTÍSSIMO ARGUMENTO

A autarquia de uma mega-cidade, a maior de um certo país democrático, contratualizou várias empresas para instalarem "20 mil câmaras com tecnologia de reconhecimento facial" (ao que parece outras autarquias já haviam feito). A justificação já se adivinha: "combater a criminalidade". O negócio é de muitos milhões, mais agora, à partida, menos em continuidade.

Imagem colhida aqui.
Entre os locais seleccionados estão as escolas situadas em contextos sociais degradados e problemáticos. Uma notícia destas não pode deixar de fazer pensar na diferença que fariam os milhões se fossem investidos na educação escolar, mas não em qualquer uma; naquela que é proporcionada em contextos sociais privilegiados.

Não é, porém, esta questão que surge na comunicação social, ainda que nela conste (e bem) a que se afigura mais óbvia e urgente: o direito à privacidade, posto em causa com o armazenamento, recolha e escrutínio de dados pessoais (incluindo dados biométricos), com recurso à dita "inteligência artificial", por entidades, em primeira instância, privadas:
"câmaras vão comparar as imagens gravadas com as bases de dados de pessoas procuradas pelas forças de segurança e enviar um alerta quando houver uma correspondência de 90% nos traços faciais. As imagens serão primeiro analisadas por um comité operacional do programa de vigilância e depois enviadas, se necessário, para a polícia."
Sendo a "cor da pele" considerada em qualquer documento de teor ético como "dado sensível" (uma vez que essa característica não é neutra, pois tendemos a discriminar, positiva ou negativamente, os outros em função dela), a autarquia em causa comprometeu-se a deixá-la de fora. Mesmo que assim seja, a cor da pele é associada a outras características fisionómicas que serão captadas pelo mecanismo. Não há como fugir a este e a outros problemas que ele suscita. É uma caixa de Pandora que se abre quando se permite a sua instalação. Mas nessa caixa, lembremo-nos, está a "esperança", não aquela que se declara resignada, antes aquela que não se conforma.

No caso, foram vereadores e diversas organizações que, não se conformando, apresentaram queixa ao Ministério Público procurando impedir o processo. Parecem não confiar no tristíssimo argumento que, sendo usado reiteradamente, foi replicado pelo presidente da autarquia: "aqueles que não fizeram nada contra a lei podem ficar tranquilos".

Como disse acima, esta notícia não se reporta ao nosso país, mas devemos pensar nela pois, além de dar conta do estado do mundo, poderemos, mais tarde ou mais cedo, ter o mesmo problema em mãos, ainda que a União Europeia esteja atenta ao assunto e a trabalhar nele.

Ver a notícia aqui.

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