segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Rui Couceiro, “Baiôa sem data para morrer”, (Porto Editora, 2022). 446pp.

 “Baiôa sem data para morrer”, da autoria de Rui Couceiro, foi a minha leitura de verão. A apresentação do livro em Lisboa teve lugar, em junho, na Casa do Alentejo, onde aproveitei para comprar o livro e recolher o autógrafo do autor. Nessa sessão de lançamento, tanto o erudito Alberto Manguel, que apresentou o livro, como o jornalista e escritor Luís Osório, que moderou a sessão, teceram desmedidos elogios ao livro. Seriam esses louvores honestos ou exagerados? Nada como ler e tirar as teimas. 

Rui Couceiro é licenciado em comunicação social, mestre em ciências da comunicação, reputado editor e estreia-se agora como escritor. Neste seu primeiro livro, conta a história de um professor que, sem colocação e em situação de esgotamento, com um quadro psicológico depressivo, decide fazer uma pausa na sua carreira docente e refugiar-se na terra dos seus avós, numa aldeia do Alentejo profundo. Aí, gradualmente, vai conhecendo e fazendo amizade com os mais variados elementos da população local. Desses habitantes, destaca-se uma pessoa em particular: Joaquim Baiôa, um idoso obstinado em recuperar as casas, fazendo reparações e caiando as paredes de modo a atrair os proprietários, os seus descendentes ou novos moradores para a aldeia. Esta persistência de Baiôa em ressuscitar uma aldeia envelhecida e que vai perdendo rapidamente os seus habitantes – seja por morte natural, por suicídio, por acidente ou pela ida para os lares – é um dos mistérios do livro, assim como misterioso é também o legado científico de um médico que habitara aquela aldeia.  

O professor, personagem principal, é simultaneamente o narrador e partilha com o leitor as suas observações dos acontecimentos na aldeia, assim como as reflexões frenéticas que assolam a sua mente – vejam-se as suas reflexões sobre as insónias ou sobre o café. Distante da cidade de onde veio, depara-se com uma realidade totalmente diferente, seja pela reduzida população e as consequências sociais que daí advêm, seja por ser reflexo de um local ignorado pelos vários poderes políticos, tanto centrais como locais, retrato de um país a duas velocidades. Apesar deste retrato, Rui Couceiro não cai no erro da caricatura fácil da oposição da cidade avançada comparada com a aldeia retrógrada; pelo contrário, à aldeia já chegara a internet (embora com sinal fraco) e alguns habitantes, como a Ti Zulmira, aventuravam-se nos usos mais avançados fornecidos por essa tecnologia. De facto, a tecnologia e as várias redes sociais, surgem com frequência neste livro, remetendo-nos para uma reflexão relativa ao seu uso e vantagens, mas também aos efeitos que têm no nosso comportamento. 

Para Rui Couceiro, o autor, este livro tem que ver com a vida e com a morte. Eu, enquanto leitor, entendo que a morte é apenas o fio condutor, é o evento mais certo da vida real e que aqui atravessa a obra de ficcional, mas o tema principal é a vida e a obsessão por sobreviver ao esquecimento e ao desaparecimento. Mas é também um livro que versa também sobre a amizade e a esperança. Baiôa é esse símbolo da esperança de que é possível recuperar as casas, revitalizar a aldeia, contrariar o declínio demográfico. Quando todos, inclusive os autarcas locais, parecem negligenciar, não acreditar ou já desistiram do empenho em revitalizar a aldeia, Baiôa demonstra que um só homem possui a capacidade de fazer o improvável – o que seria se outros tivessem a mesma vontade e determinação. 

Este é um livro com um ritmo inicial lento, mas à medida que a história avança e a trama se adensa o ritmo também acelera. Contudo nunca deixa de ser reflexivo e de mergulhar na vivência da aldeia e nos segredos das várias personagens. A este propósito, a descrição das personagens é tão perfeita que ficamos afeiçoados às mesmas, a tal ponto que, a certa altura, parece que estamos a ler o relato biográfico de pessoas verdadeiras. Aqui, o real e o imaginário parecem misturar-se, diluir-se. As descrições do narrador tornam esta uma história empática, tocante e ternurenta. O que mais tem este livro? Tem humor, tem mistério, tem drama e tem segredos. Tem, portanto, imensos fatores que nos fazem ficarmos agarrados até ao fim, para tentar descobrir o que acontece no final. 

Este livro tem sido, merecidamente, muito mediático e a crítica tem sido no geral favorável ao autor. Já li e ouvi comentadores afirmarem, quanto à forma da escrita, as semelhanças a um Almeida Garret ou a um Eça de Queirós, eu lembrei-me de Laurence Sterne. Mas este livro não é nada disso e ainda bem. Esta é a escrita de um Rui Couceiro, portanto de um escritor original. Seja pela qualidade literária, seja pelos temas abordados, espero sinceramente que este livro venha a ser recomendado como leitura nas salas de aula das escolas deste país. 

Por agora, a nós leitores, resta-nos esperar por um novo livro de Rui Couceiro. Oxalá não demore. 

Para saber mais:
- Semanário Novo;
- Jornal Público;
- Diário de Notícias;
- Notícias Magazine;
- Jornal de Notícias;
- Prova Oral, na Antena 3;
- Entrevista com Inês Menezes.

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