quarta-feira, 21 de setembro de 2022

A História do Universo, A Nossa Visão Actual e Como Chegámos a Ela.


Meu artigo no mais recente As Artes entre as Letras:

Acaba de sair na colecção de Ciência das Edições 70, pertencente ao grupo Almedina, o livro A História do Universo, A Nossa Visão Actual e Como Chegámos a Ela. Saúda-se o aparecimento de mais um título, de autor português, que visa divulgar a astrofísica. Junta-se a outros dois, muito recentes: Universo. Do Big Bang aos Buracos Negros, de Paulo Crawford, saído na colecção de Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos, e Qual é o Nosso Lugar no Universo?, de David Sobral, saído na Planeta. Existindo uma pujante comunidade de astrofísicos em Portugal, em boa parte reunida no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), com pólos no Porto e em Lisboa, é bom ver o interesse de alguns dos seus membros pela difusão da cultura científica, para a qual os temas cósmicos se adequam particularmente.

Carlos Martins, doutorado em Física Teórica pela Universidade de Cambridge (1997), é investigador do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, parte do IA, coordenando a sua unidade de formação. Possui um vasto currículo não só científico como pedagógico e de divulgação. Tem dinamizado em Paredes de Coura um Campo de Verão para jovens interessados em astrofísica, para além de ter ensinado astronomia a estudantes de várias licenciaturas e de ter organizado vários cursos para estudantes e professores do ensino secundário. O novo livro, que não é muito técnico (embora contenha algumas fórmulas), tem por base precisamente os materiais pedagógicos que usou nessas iniciativas. O livro é a tradução em português da obra The Universo Today, publicado em 2020 pela editora internacional Springer.

Mais do que a História do Universo, que obviamente também trata, o livro de Carlos Martins é essencialmente uma história da nossa descoberta do Universo Dos oito capítulos do livro, os primeiros cinco tratam da história da astronomia e astrofísica, começando com o alvorecer da astronomia no tempo dos Egípcios e dos Babilónios, passando pelas visões dos céus grega e medieval, e espraiando-se muito naturalmente na Revolução Científica, nos séculos XVI e XVII, na qual foi crucial o estudo dos movimentos dos astros, feito por grandes nomes da física como Nicolau Copérnico, Tycho Brahe, Johannes Kepler, Galileu Galilei e Isaac Newton, e avançando para as teorias da relatividade, restrita e geral, de Albert Einstein, que é um dos pilares da Física Moderna que emergiu no início do século XX. Depois, o autor sumaria em dois capítulos os nossos conhecimentos sobre o nascimento, vida e morte das estrelas, que têm por base tanto as teorias da relatividade como a teoria quântica, e a cosmologia, expondo o modelo do Big Bang e os desafios que se oferecem hoje com as propostas de matéria escura e de energia escura. No último capítulo, «Novas Fronteiras», que é o mais difícil de seguir pelo leitor comum, o autor apresenta temas de alguns dos seus trabalhos de investigação: ele tem-se servido de observações astrofísicas como meios para sondar questões de física fundamental, como a eventual existência de uma teoria de grande unificação para a qual sejam precisas mais do que as habituais quatro dimensões (três de espaço e uma de tempo) e de variações das constantes fundamentais da Física. Mesmo no fim o leitor encontra uma interessante discussão da possibilidade de vida em exoplanetas, com referências a livros de ficção científica. Completam o livro um anexo intitulado «Exame Final» (este título denota a origem académica do livro), onde o leitor poderá verificar os conhecimentos de astrofísica, e uma bibliografia, que, sendo bastante completa, não explicita as obras que estão traduzidas em português, algumas delas como de Richard Feynman, Heinz Pagels, Carl Sagan e Steven Weinberg, na colecção «Ciência Aberta» da Gradiva.

Livros como este fazem falta na cultura nacional. Por um lado, ajudam a fixar na nossa língua termos científicos que na maioria das vezes tem origem anglo-saxónica e por outro lado porque o autor não pôde deixar de emitir as suas próprias opiniões sobre a ciência e o ensino das ciências entre nós. Por exemplo (na p. 49): «Se queremos triplicar ou quadruplicar o nível de literacia científica num país como Portugal, eu sei como fazê-lo: basta tornar obrigatório, para todos os que fazem cursos universitários, algumas cadeiras científicas à sua escolha». Martins está a propor a existência de disciplinas para um espectro amplo de estudantes como a de «Astronomia para Poetas» que há nem universidades norte-americanas.

Os astros sempre suscitaram sentidos poéticos. Martins cita – e muito bem – a este propósito o físico Richard Feynman (na p. 251); «Os poetas dizem que a ciência tira a beleza às estrelas, meros globos de átomos de gás. Eu também posso ver as estrelas uma noite no deserto e senti-las. Mas eu vejo menos ou mais?» Concordo, tal como certamente o autor, com Feynman: a ciência acrescenta ao encantamento em vez de o diminuir ou retirar. Os físicos não deixam de se maravilhar com o brilho das estrelas, pelo facto de saberem por que razão elas estão acesas. E é maravilhoso saberem que alguns dos átomos – os mais pesados - de que são feitos tiveram origem em estrelas que explodiram, espalhando o seu material pelo cosmos.

Os astros também suscitam sentidos metafísicos. Qual é a sua origem última? Embora tenha algumas questões em aberto, o modelo do Big Bang, que parte de uma grande «explosão», não tem hoje alternativa. E o que existia antes do Big Bang? É uma boa pergunta, para a qual não temos uma boa resposta. Carlos Martins (na p. 284) diz que é o «nada». Eu não seria tão categórico, diria apenas que não sabemos. Pode ser até que nunca o venhamos a saber por ser impossível saber. Mas os cientistas porfiam na sua busca do saber…

Só posso recomendar este livro, bem produzido pela Edições 70, com uma capa  chamativa em tons de azul e negro (é usada uma gravura de um dos livros do astrónomo e prolífico escritor Camille Flammarion, que foi um incansável  divulgador francês dos séculos XIX e XX), com bom papel (que torna a leitura fácil ao longo das 372 páginas) e com texto bem revisto (encontrei muito poucas gralhas). Boa leitura!

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