segunda-feira, 21 de março de 2022

MORRER POR UMA IDEIA, POR UMA VISÃO OU POR UMA UTOPIA

Perguntaram um dia ao filósofo Bertrand Russell se seria capaz de morrer por uma ideia. Como filósofo cristalino e frontal, que era, respondeu sem hesitar:
“Não, porque poderia estar errado.” 
Irrefutável. Qualquer não fanático, com a mente asseada, sabe que pode sempre estar errado. Só os fanáticos acreditam em “verdades”. Os cientistas e os filósofos, não. Mesmo o mais notável pensador pode estar errado e o mais provável é estar. Portanto, se uma ideia pode estar errada, morrer por ela é um rotundo disparate. 

Mas, se não se deve morrer por uma ideia, muito menos se deve matar por ela. 

No entanto, é o que mais se tem visto por aí, desde tempos imemoriais. Muitos muçulmanos ainda hoje matam “infiéis”, isto é, gente que não acredita no que eles acreditam, como "verdade". Os jihadistas fazem-no com grande profusão e de boa consciência. Esses, ao menos, fazem-no pela medida grande: matam e matam-se, por uma crença, que teria alegadamente sido bichanada por Alá ao ouvido do seu profeta Mahomé. A Igreja Católica fê-lo também, com abundante derramamento de sangue – as cruzadas foram uma ignomínia – e puseram de pé um aparelho repressivo, chamado Inquisição, que torturou e matou, com sinistra eficácia, milhares de seres humanos a quem não fora dada a felicidade de acreditarem no mesmo em que ela acreditava e impunha que se acreditasse. 

Outras religiões, como o comunismo de Staline ou a revolução cultural de Mao fizeram o genocida Hitler quase parecer um menino de coro. Pol Pot, líder do Cambodja, liquidou, a bem da sua “verdade”, 1.5 a 2 milhões de compatriotas (um quarto da população do país). 

A dissidência tem sido um mau negócio para os que insistem em pensar pela sua cabeça.

Mais recentemente, apareceu Putine, com a desculpa esfarrapada de que estava a usar apenas uma “missão especial” devido ao desconforto de umas populações russas no sudeste da Ucrânia. A tal “missão especial” tem consistido em destruir um país lindíssimo, dotado de duas belíssimas cidades – Kiev e Odessa –, arrasando prédios de habitação, hospitais, maternidades, armazéns de alimentos e milhares de pessoas, mortas, além de para cima de três milhões desalojadas e exiladas. 

Um filósofo usando uma lógica simplista, sugeriria que em vez de uma guerra dantesca, ficava mais barato e destruía menos, enviarem os russos, de acordo com os ucranianos, uns transportes que levassem os ditos russos do sudeste da Ucrânia, para se estabelecerem nos vastos espaços desocupados da grande Rússia. Mas isto, além de ser demasiado simples, ia obviamente contra o “orgulho” próprio da utopia imperialista de Putine, uma das tais “ideias” pelas quais os tiranos não se importam de mandar matar, aos milhões, e destruir até perder de vista.

Eu acho que deve haver, nos habitáculos e labirintos da psiquiatria, um nome, para esta doença de que sofre o actual czar da Rússia. Há quem diga que não, que o rapaz é só muito “determinado”. Chamem-lhe o que quiserem. Uma junta médica não faria mal nenhum ao mundo. Para ele e outros que andam por aí. Há vários e são todos muito desnecessários.
Eugénio Lisboa

6 comentários:

Anónimo disse...

A economia ainda é determinante no poder das nações. Sem uma economia pujante, Putin pode provocar a guerra com a Ucrânia, com milhares de mortos e feridos, e com livre acesso ao mar Negro, mas no fim, a Ucrânia e a Rússia ficarão mais pobres, e mais fracas, relativamente à China, à União Europeia e aos Estados Unidos.
Portugal, um velho país da Europa Ocidental, também já teve que pagar com muito sangue derramado nos campos de batalha, a ambição desmedida da Espanha decadente do século XVII, que não aceitou a restauração da nossa independência, arrastando-nos para uma longa guerra, da qual os dois países ibéricos saíram mais pobres e mais fracos. Portugal ganhou, mas o principal vencedor foi a Inglaterra.
Putin, se persistir na via da guerra, não ficará na História como um dos grandes da Rússia.

Eugénio Lisboa disse...

Meu caro Anónimo, agradeço o seu comentário. Mas o miolo do meu texto não tem que ver com as razões que Putine invoca para fazer o que está a fazer. Isso seria para outro texto, que não escrevi nem vou escrever. O que eu quis dizer é que, seja qual for a ideia de Putine, é estúpido, além de criminoso, mas é sobretudo estúpido matar por ela. Às vezes até parece, de tão estúpido, que o objectivo é mesmo matar. Ocorre-me uma história verdadeira: nas vésperas de se desencadear a primeira guerra mundial, o poeta T. S. Eliot cruzou-se na rua, com o filósofo Bertrand Russell, de quem era amigo. Sabendo que Russell era um pacifista convicto, Eliot começou logo a refilar: "Não me venhas cá com argumentos. Seja como for, eu sou a favor da guerra." Ao que Russell, sempre filósofo, retrucou: "Por outras palavras, tu não queres saber das razões por que as pessoas se matam. O importante é que elas se matem." Estas infames e mortíferas guerras em que os tiranos andam sempre metidos, confesso que me intrigam, não me intrigando menos a reacção de alguns amigos meus que, sendo incapazes de matar uma mosca, se mostram inclinados a "justificar" apocalipses destes.
Eugénio Lisboa

Anónimo disse...

Caro Eugénio Lisboa,

Foi o que eu disse: esta guerra do Putin é uma estupidez porque provoca a morte de milhares de pessoas, e os sobreviventes, russos e ucranianos, ficarão em pior situação do que estavam antes da guerra. Então, para que é que se andam a matar uns aos outros?!

Ildefonso Dias disse...

"Nenhum ser humano, mesmo o mais medíocre, pode ser correctamente avaliado, com tais pressupostos simplistas. Muito menos os grandes homens ou os que não sendo necessariamente grandes, num determinado momento feliz, se excederam a si próprios, realizando uma tarefa de enormes consequências para os seus compatriotas." [palavras de Eugénio Lisboa]

Carlos Ricardo Soares disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Ricardo Soares disse...

Acredito que B. Russel estivesse bem compenetrado de que ao dar a resposta hábil que deu, o fizesse para responder apenas à pergunta tal como formalmente foi feita e não à questão que se presume lhe estaria a ser colocada e que ele terá entendido muito bem.
Ser capaz de morrer por uma ideia é um imbróglio de todo o tamanho. Ser morto por isso, não o é menos.
Como é que se responde a isso de modo credível, fiável e verdadeiro?
Ser capaz ou não, é uma questão dos diabos; ser capaz de morrer, é uma questão tão diferente de ser capaz de sobreviver, por exemplo, por uma ideia, ou de ser capaz de não sobreviver, ou de ser incapaz de sobreviver, que nenhuma resposta que se desse teria qualquer tipo de relevância, validade ou crédito, pelo menos enquanto a pessoa questionada o não provasse.
B. Russel, muito matreiro nestas andanças, sabia que há perguntas que não se respondem com verdades, falsidades, erros, ou mentiras.
Há perguntas que só se respondem à letra.

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