quinta-feira, 22 de julho de 2021

A revogação dos programas irá prejudicar a qualidade das aprendizagens dos alunos

Texto de Carlos Portela, professor de Física e Química na Figueira da Foz:


As Aprendizagens Essenciais pretendem facilitar o desenvolvimento de aprendizagens significativas, em que se desenvolvam competências que requeiram mais tempo (realização de trabalhos que envolvem pesquisa, análise, raciocínios demonstrativos, avaliação, argumentação, metacognição, etc.) e permitir uma efetiva diferenciação pedagógica na sala de aula.

Essas finalidades não têm sido atingidas por motivos de diversa natureza, tais como, a dificuldade de articulação das Aprendizagens Essenciais com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, a ausência de um plano de formação de professores bem estruturado, a ausência de condições favoráveis à mudança de práticas dos professores e um excessivo número de alunos por turma.

Na área da Física e da Química, as Aprendizagens Essenciais traduzem as aprendizagens estruturantes nos documentos curriculares que foram agora revogados (que na área da Física e da Química são os seguintes: orientações curriculares e metas curriculares no ensino básico; programas e metas curriculares no ensino secundário).

Do que observo, na prática dos professores, a planificação, a realização e a avaliação do ensino e da aprendizagem exige uma leitura crítica e articulada dos vários documentos curriculares (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade ObrigatóriaAprendizagens Essenciais, programas e metas curriculares). Nessa leitura crítica, as Aprendizagens Essenciais assumem um papel que é transversal aos vários domínios e, por isso, transferível entre contextos diversificados.

As minhas interações com outros professores de Física e de Química têm mostrado que os professores consideram que não é possível planificar, realizar e avaliar o ensino e as aprendizagens apenas com base nas Aprendizagens Essenciais por serem demasiado genéricas. Por isso, a revogação dos programas e metas curriculares é um erro grave que introduz mais entropia no sistema, o que irá prejudicar a qualidade do ensino e das aprendizagens dos alunos e agravará o fosso existente entre alunos provenientes de contextos socioculturais mais favorecidos e mais desfavorecidos.

Dado que com as Aprendizagens Essenciais se pretende desenvolver aprendizagens significativas (observar, identificar, analisar e dar sentido à informação; argumentar a partir de diferentes premissas e variáveis; interpretar experiências e produzir conhecimento; etc.), o tempo para as desenvolver tem-se revelado manifestamente insuficiente e, a meu ver, tal não se deve à extensão (excesso de “conteúdos”) das Aprendizagens Essenciais, mas, fundamentalmente, ao facto de não terem sido criadas condições para a mudança de práticas dos professores.


Carlos Portela


1 comentário:

Anónimo disse...

Na prática, em contexto de sala de aula, a articulação das "Aprendizagens Essenciais" com o "Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória" não vai além da retórica rasca, também conhecida "eduquês", que os cientistas da educação vêm debitando ininterruptamente ao longo das quatro últimas décadas, pelo menos!
Começaram com pezinhos de lã no ensino noturno, onde a um recém licenciado em Física, como eu era, obrigaram a lecionar Geografia, Biologia e Geologia, para além da Física e da Química, numa disciplina única chamada Ciências do Ambiente, com o argumento de que os alunos assim seriam bem classificados na área das ciências experimentais. Efetivamente, o programa da disciplina era de um nível tão baixo que no manual, fornecido pelo ministério da educação, se perguntava a alunos adultos porque é que nas instalações elétricas das nossas casas não se usavam fios de plástico para conduzir a corrente elétrica!
Os anos foram passando e as pérolas do eduquês continuaram. Lembro-me que, a uma dada altura já não era preciso concluir 100 % dos "módulos" para ter aprovação: com 70 % ou 75 % também se passava de ano!
Depois veio o ensino por "Referenciais", com mais um corte nos programas! Nos currículos diurnos, tivemos as aberrações da Área Escola e da Área de Projeto, onde abundaram os vintes que compuseram muitas médias essenciais para entrar em Medicina. Agora, algumas destas ideias abstrusas que pareciam destinadas ao balde do lixo da história da ensino em Portugal, regressam em força com as Aprendizagens Essenciais que, por despacho de Secretário de Estado, decretam o sucesso educativo definitivo para todos, rumo à redução de conhecimentos, disciplinas e professores.

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