sábado, 27 de março de 2021

A URGÊNCIA DA GERONTOMOTRICIDADE NUMA CIVILIZAÇÃO HIPOCINÉTICA


Acabo de tomar conhecimento da realização de um ciclo de conferências a ter lugar,  em dias próximos, na Faculdade de Ciências da Educação Física e Desporto da Universidade de Coimbra, moderadas pela Professora Doutora Paula Tavares, docente desta Faculdade, intitulado “Abordagem Geriártica na Promoção de um Envelhecimento Activo e Saudável “, a cargo de José Vilaça da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e de Telmo Pereira, docente da Escola Superior de Tecnologia e Saúde de Coimbra.

Esta temática, de há muitos anos para cá, tem merecido a minha atenção quando, por exemplo, presidente da Secção de Ciências da Sociedade de Estudos de Moçambique, Instituição Cultural e Científica“Palmas de Ouro” da Academia de Ciências de Lisboa, aí proferi uma conferência intitulada: “Educação Física – Ciência ao Serviço da Saúde Pública” (1972), editada, num pequena livro, publicado por esta Sociedade. A páginas tantas, nele, abordei a problemática da Gerontomotricidade.

Passados 16 anos, escrevi o artigo, “Para uma licenciatura em gerontomotricidade na desejada (e desejável) Faculdade de Educação Física de Coimbra” (“Diário de Coimbra”, 18/11/1998) que passo a transcrever na íntegra: “A forma assumida pelo século XXI dependerá do que se fizer nas década que faltam do presente século para resolver os problemas económicos, ecológicos e sociais que estão no centro das preocupações do homem modeno” (Herman Kahn, estratega militar e teórico da Corporação RAN, 1922-1983).

A Educação Física, cujo destino é contribuir para o aperfeiçoamento do homem, deve ser encarada como uma realidade correndo paralela à história da cultura humana e com ela preocupada. Não sofre dúvida, portanto, a cidadania universitária por si conquistada em quase todo o mundo e também em Portugal, através dos Institutos Superiores de Educação Física da Universidade Técnica de Lisboa e da Universidade do Porto.

Por esse facto, não constituiu para mim espanto de maior o empenho do Reitor da Universidade de Coimbra na criação de um Faculdade de Educação Física (os discursos por si proferidos nas duas últimas aberturas solenes de ano lectivo e na tomada de posse do pró-Reitor, provam-no) até porque a Universidade “tem por função especial assegurar a conservação e o progresso da ciência tanto pelo ensino como pela pesquisa científica”.

A era tecnocrática coexiste já com a sociedade industrial em países avançados, levando à previsão de uma era pós-industrial para breve, em que o Conhecimento, a Universidade e os laboratórios de Investigação Científica, substituirão, segundo Daniel Bell, respectivamente, a maquinaria, a empresa e o empresário. É de referir, outro tanto, que é a primeira vez que a instituição universitária nacional se mostra interessada neste ramo do saber humano, a Educação Física, através de uma acção endógena com o seu quê de inovador.

Para esse facto, não será estranho a dedicação que a universidade coimbrã e a própria cidade nutrem pela centenária Associação Académica de Coimbra, a mais antiga, a maior, a mais representativa associação do género com uma pujante vitalidade na área do desporto universitário.

Educar é aceitar o desafio do futuro “preparando a criança de hoje para compreender aquilo que nem seque nós próprios sabemos o que será , mas algumas coisas adivinhamos face aos conhecimentos e estudos actuais”, em que alguns prognosticadores se preocupam com um futuro pessimista que o humanista Albert Scheweitzer denuncia: “O homem perdeu a sua capacidade de prever e prevenir – acabará destruindo a terra”! Segundo o académico Alexandre Berg, professor de ciência computacional na Universidade da Carolina do Norte,  "a força muscular do homem e dos animais domésticos, apenas, produz 1% de toda a energia produzida na terra quando, em meados do século XIX, produzia 94%.”

Daqui surge inevitável o perigo para a manutenção da bipedia, penosamente conquistada em milhões de anos, libertadora das mãos para o desenvolvimento das circunvalações cerebrais responsabilizadas para o fabrico de objectos rudimentares e próprios avanços científicos e tecnológicos capacitando o homem em levantar as mãos ao céu em prece a Deus!

As actuais doenças hipocinéticas em crescente desenvolvimento (assim tidas por terem como etiologia comum a carência de movimento), algumas delas obrigando o homem a andar na velhice em hipercifose quase tocando com o queixo nos joelhos, não serão já um sério prenúncio de um regresso ás origens da quadrupedia? Nesta perspectiva, a Educação Física deverá ser capacitada para dar resposta a um problema realmente grave: o da pouca utilização dos músculos na vida do dia-a-dia, em que as pequenas deslocações de alguns metros se passaram a fazer de automóvel e em que o acesso a um simples primeiro andar passou a ser feita de elevador, a menos que o seu utilizador sofra de claustrofobia e em que as crianças substituíram as brincadeiras de rua por horas e horas sentadas em jogos computacionais. 

E, num outro prisma agravado pelo facto dessas mesmas crianças suportarem o peso de mochilas sobrecarregadas de livros escolares em que os jovens adoptam posições cifóticas para distribuírem a gravidade em maior número de apoios. Este o perigo de um futuro preocupante, senão mesmo dos dias de hoje, em que os gerontes (palavra com origem num senador da Macedónia, ou da ilha de Creta, cuja idade deveria andar pelos sessenta anos) representam para a Segurança Social em que o controlo da natalidade amplia, substancialmente o seu número. 

Segundo M. Oria, a média a vida humana, no século XVI, era de 21 anos e em 1963 mais do que triplicou, subindo para 70 anos! Para Buffon, a duração normal da vida do rei da criação deveria cifrar-se em 7 a 8 vezes, o seu crescimento, sendo este de 20 anos, o homem deveria aspirar a 140 - 160 anos de vida. Daqui a pergunta que faço: Qual será a média de vida do homem no século XXI? Mas o papel da Educação Física não está tanto “em acrescentar anos à vida, mas vida aos anos”! 

Essa função parece-me mais remetida para a Medicina (pelo combate às grandes epidemias do passado e à Sida no futuro) e à Biologia Celular tendo em mente a preocupação por uma vida mais feliz em que “o ardor da adolescência corra nas veias” (Bulhão Pato) denunciei este propósito eu em conferência proferida em 72, na Sociedade de Estudos de Moçambique, titulada “A Educação Física e Gerontologia” e em artigo de opinião no “Jornal Novo” (11/12/76): “Educação Física e Gerontologia Social”. 

A conferência supracitada mereceu a atenção dos jornais, de Lourenço Marques, de entre os quais cito o “Diário”, 26/09/72: “Temos hoje oportunidade de passar a divulgar o texto da notável conferência proferida pelo dr. Rui Baptista no passado dia 16 de Agosto na Sede da Sociedade de Estudos em Lourenço Marques. Nome sobejamente conhecido nos meios desportivos, com maior incidência na Educação Física, o Prof. Rui Baptista dispensa qualquer apresentação. 

O texto que hoje começamos a publicar reflecte bem os conhecimentos profundos que o seu autor tem sobre a problemática da Educação Física no Estado Português de Moçambique, assim como no nosso País.” Não foi, portanto, para mim motivo de surpresa o protocolo assinado entre o ISEF de Lisboa e o Centro de Saúde Oeiras e da intervenção que um dos seus médicos, o dr. Ramos Osório, teve na Conferência Mundial de Motricidade Humana, promovida pelo ISEF da Universidade Técnica de Lisboa, na Fundação Gulbenkian, de 2 a 5 de Dezembro último: “Nós técnicos de saúde, possuímos capacidade inerente à profissão para lhes prestar [aos gerontes] os cuidados de Saúde, mas a necessidade da ajuda de outros técnicos para a tarefa de os educar no quotidiano no sentido da promoção do seu estilo de vida e saúde” (fim de citação). 

“Alea jacta est”, esses técnicos são, julgo que ninguém ousará pôr isso em dúvida, os licenciados em Educação Física e Desporto para que, como escreveu a cáustica e mordaz pena queirosiana, o sapateiro, não vá além da sovela como vai sendo uso e costume em ciar raízes neste país de faz de conta! A criação, por mim defendida várias vezes no passado , torna-se cada vez mais urgente, como tal inadiável, em criar uma licenciatura em Gerontomotricidade na actual Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade de Coimbra para a Investigação, o Estudo e o exercício profissional tão necessários numa sociedade que se sabe ser cada vez mais povoada de pessoas de terceira idade ou, ainda mais idosas, que devem estar no centro das preocupações do homem contemporâneo, através de um pioneirismo no século XXI, um tanto ou quanto retardado, no século que já nos bateu à porta duas dezenas de anos atrás. 

“Alea jacta est”, num tempo em que os ponteiros do relógio avançam vertiginosamente, e os comboios param escassos minutos nas estações de caminho de ferro transportando, por vezes, passageiros clandestinos e pouco ou nada credenciados que nela desembarcam!

Ora, como diz a sabedoria popular “gato escaldado de água fria tem medo”, sendo, assim, preferível prevenir do que remediar!

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