terça-feira, 22 de dezembro de 2020

SERÁ OU NÃO MAU DEMAIS?


Se o homem falhar em conciliar a justiça e a liberdade, então falha tudo”  (Albert Camus).

Pelo interesse de que reveste, por “a verdade ser a  essência da moralidade” (T. Huxley), obrigo-me   a transcrever o comentário que foi feito ao meu artigo aqui publicado, no dia 17 deste mês,  titulado “Ainda o  ministro Eduardo Cabrita”.

Escreve o autor desse comentário, assistente graduado sénior em Medicina Interna, que o endereçou, igualmente,   o respectivo texto ao presidente do Sindicato da Carreira de Investigação do SEF, que trancrevo “verbo pro verbo”:

Fui médico hospitalar e, em contexto de Serviço de Urgência, fui muitas vezes chamado a resolver problemas associados a grande agitação de doentes que se encontravam naquele espaço e também nas enfermarias onde tinham sido internados pelas mais diversas doenças.

Frequentemente a agitação deveu-se a abstinência alcoólica, o que acarretava grande dificuldade em resolver, pois implicava não só conseguir acesso ao doente para lhe poder dar medicação, como também o uso de doses elevadas de sedativos, com risco de lhe provocar sedação excessiva e necessidade de suporte ventilatório. A actividade alucinatória é um componente que impede uma comunicação minimamente eficiente.

Pela descrição que ouvi sobre o que se passou no SEF em Março de 2020, tudo me leva a supor que Ihor Homenyuk, ao segundo dia de estar retido nas instalações do aeroporto, desenvolveu um quadro de Abstinência Alcoólica. A crise epiléptica descrita pertence ao quadro. A gíria chama-lhe “rum fit” e é frequente no início da síndrome. Ihor Homenyuk esteve num Serviço de Urgência e teve alta sem lhe terem diagnosticado Abstinência. Essas “crises epilépticas não se tratam com antiepilépticos, mas com sedativos para a abstinência. Uma abstinência alcoólica não tratada pode, só por si, levar à morte, mas a contenção "sem mais nada", agrava a evolução, porque a agitação associada ao grande esforço muscular para se libertar, é equivalente ao que aconteceu aos recrutas Dylan da Silva e Hugo Abreu em 2016 - um grande esforço associado a desidratação, leva a alterações metabólicas graves com falência multi-orgânica.

Eu não quero crer que o pessoal do SEF o tenha agredido. Acredito que não soube lidar com um indivíduo agitado e que o manteve imobilizado "demasiado tempo" na esperança infundada de "ele acalmar”.

Os médicos chamados a dar opinião, não o fizeram dentro da ‘melhor arte’, talvez por não terem acesso a informação suficiente.
1: quem o observou no SU, não diagnosticou Abstinência Alcoólica e deu-lhe alta.
2: o médico do INEM, encontrou-o em "paragem cardio-respiratória", isto é - morto. Não é dito o que escreveu na Certidão de Óbito.
3: o médico de Medicina Legal escreveu que as lesões que causaram a morte foram causadas por “agressão”, não especificando se desencadeadas por “auto-agressão” ou por manobras de contenção demasiado prolongadas.

Ihor Homenyuk pode ter caído, ter batido com a cabeça em qualquer lado com sequentes lesões cerebrais, pode ter fracturado costelas ou outros ossos nessas quedas, pode apresentar múltiplas equimoses sem que elas signifiquem violência intencional, mas decorrentes das quedas ou das manobras de contenção, e pode ter falecido em consequência dessas lesões ou das alterações metabólicas que referi.

Parece-me imprudente que o Presidente da República, Ministros e Líderes Partidários (da Esquerda à Direita), venham a terreiro falar em “HOMICÍDIO”, antes das alegações da Defesa e de um Juiz se pronunciar, como que a arranjar um “bode expiatório” para acalmar a população”.

Eu não isento de culpas os elementos do SEF presentes nos dias dos factos. Era sua obrigação ter assumido que aquele nível de contenção não se devia prolongar e ter tido o discernimento de contactar uma chefia mais esclarecida ou referenciá-lo a um hospital. Recuso a teoria do “mataram-no à pancada!” Era mau demais!”
(fim de citação)

Em resposta minha a esse comentário com a chancela de um profissional da arte de Esculápio, começo por me penalizar  do mau uso que, porventura, eu possa  ter feito de uma  opinião, embora não  meramente pessoal, porque,  fundamentada numa certidão de óbito,  ergo certificada oficialmente.

Isto é, em face do ocorrido, em direito meu de cidadania de um país livre e responsável, entendi que um  caso com as proporções deste, não podia, nem devia, permanecer na penumbra da dúvida para que o nosso país não fosse  havido como uma espécie de território  sem lei que virou as costas ao direito dos inspectores do SEF em não serem acusados de “crimes” que não cometeram.

Deve ser exigido, face ao exposto,  que o SEF não seja tido , "a priori", como uma segunda PIDE, ou ainda mais criminosa, que vigorou  durante o Estado Novo.

Deve ser exigida, também,  a readmissão de três dos seus inspectores, a ser confirmada a justeza da defesa feita pelo supracitado médico, por eles não deverem  continuar a calcorrear o caminho que os leve a uma espécie de monte de Golgotá para serem crucificados antes de  uma culpa devidamente confirmada.

Deve ser exigida, em nome da mulher e da filha de Homenguk, ainda,  uma justiça justa  (ressalve-se a redundância!) e célere por haver, para Victor Hugo, “um ponto em que até a justiça é injusta”, para ser mitigada a dor por elas sofrida de uma possível morte do seu familiar  “à pancada”.                                                                       

Deve ser exigida, finalmente, depois dos tribunais que têm o caso entre mãos se pronunciarem, o pedido de desculpas por uma possível precipitação que possa ter levado à demissão injusta e desatempada de três inspectores desta instituição estatal.

Eu próprio exijo de mim, se for caso disso,  o dever de me retractar por ter ido atrás da onda de acusações para que não possa haver entre o que se diz e o que se passou na realidade,  parafraseando Miguel Torga, “um fosso da largura da verdade”.

“Alea jacta est”! Em possível função deste documento subscrito por um médico que se pronunciou pondo em dúvida o ocorrido no SEF, compete às entidades devidamente credenciadas  em julgar este controverso caso, com a isenção de não se tornarem defensores ou acusadores levados por nobres sentimentos de repulsa, deixando para os tribunais, o apuramento, que está em curso,   da verdade dos factos para que, em judiciosas palavras de Camilo Castelo Branco,  “as acções de cada pessoa não sejam boas ou más consoante a maneira  como as outras as comentam”! Aguardemos, pois, pela decisão dos tribunais!

4 comentários:

Unknown disse...

Louvo a sua honestidade intelectual em admitir que o seu juízo não foi guiado pelo rigor necessário. O juízo público que presentemente predomina é, afinal, o reverso da aparente acção de encobrimento que se desenvolveu até recentemente. Ambas má justiça! LRC

Rui Baptista disse...

O caso Homenguk tem-se desenrolado contraditória e vertiginosamente em que o que se diz hoje no dia seguinte é desmentido.
Este facto insólito, fez com que na madrugada de hoje me tenha levantado para redigir e publicar este meu comentário em que nesta ocorrência, soube-o horas mais tarde, têm sido marginalizadas as queixas que tem chegado à Provedoria de Justiça com a intenção de lançar uma luz, ainda que pálida, que ilumine o caso nas suas duplas vertentes.
Haja Deus! Parece, finalmente, que o momento da verdade chegou pondo em causa a acção negativa, por pecar em tentar tapar o sol da responsabilidade do SEF, estando por fios a demissão do ministro Eduardo Cabrita que tem demonstrado uma incapacidade confrangedora, intencional ou não, em lidar com este caso em que é posta em causa a honorabilidade dos procedimentos feitos na sua solução. Facto que me levou à escolha do título do meu post: “Será ou não mau demais?”
Repito, mais uma vez, aguardemos, a decisão dos tribunais para que a culpa não morra solteira. Para isso, há que fazer os esponsais das culpas de cada um neste lamentável caso.

Rui Baptista disse...

Agradeço o seu comentário que tenho por merecido por sempre pautar a minha vida de me não deixar influenciar por gente ou gentalha nos bastidores de todo este imbróglio. Próprio presidente da Re´pública, Marcelo Rebelo de Sousa, catedrático de Direito, se viu em palpos de aranha para descobrir o fio à meada. Eu, como simples amador (aquele que ama) das questões que dizem respeito a matérias de natureza jurídica fiquei com a sensação de estar coberto em noite invernosa om um cobertor esburacado e pequeno em que se puxava para cima ficava com os pés gelados, se puxava para baixo ficava com o tronco a tiritar de frio. Vá lá a gente compreender esta gentalha que se movimenta nos bastidores de segredos que se escondem, ainda que mesmo em segredos de Polichinelo!

Rui Baptista disse...

Errata: Na 1.ª linha deste meu comentário, onde escrevi, "a minha vida de me", emendo para: "a minha vida em"!

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